Abandono do Interior
Peçanha
*Aluísio Pimenta
O abandono de minha região, o Vale do Suaçuí Grande, deixou-me assustado. Nos meus tempos de criança a agricultura, especialmente o plantio de café, e a fruticultura representavam importante aporte econômico para a comunidade e, muitas vezes, o sustento das classes menos favorecidas. As plantações de cana-de-açúcar, entre elas a "cana caiana", também tinham destaque com grande produção de rapadura, "açúcar sujo" (não refinado) e cachaça. Recordo, com saudades, a época em que a região enviava, no lombo de burro, os carregamentos de café, rapadura, feijão e toucinho para o entrocamento ferroviário de Figueira do Rio Doce, hoje Governador Valadares, Diamantina e Santa Bárbara. Na volta, as tropas traziam querosene em lata, açúcar refinado, farinha de trigo, sal e outros produtos necessários à subsistência da população. Por isso, ao visitar recentemente minha terra natal, fiquei decepcionado com a situação do interior: plantações abandonadas e ausência, quase total, de apoio dos poderes públicos.
Durante a viagem, nos mais de 200 Km de Belo Horizonte a Peçanha, fui anotando o tipo de cultura e as atividades dos moradores. Nos locais onde paramos com o objetivo de "tirar a água do joelho", tomar um café com leite, comer um pastel caseiro, broa de milho e requeijão queimado, conversei com diversas pessoas, principalmente em "Cachoeira", numa lanchonete agradável gerida de forma competente e carinhosa pela D. Maria Célia e sua família. O que pude perceber, através de minha observação e dos depoimentos, é que a região toda vem sofrendo um retrocesso econômico, apesar de manter uma comunidade de homens e mulheres inteligentes e de enorme sensibilidade. Em todo o trajeto vi pouquíssimas lavouras e vários pastos. Tomei conhecimento de que os pecuaristas estão vendendo o litro de leite a R$0,20. Quando a produção ultrapassa a cota estabelecida pelas cooperativas, este preço caí para R$0,15 e até menos. Este valor não cobre as despesas mínimas de cuidado com o pasto, alimentação e sal para o gado e as vacinas, especialmente contra a aftosa.
O completo abandono das lavouras, o empobrecimento do meio rural e o espantoso êxodo, sobretudo dos jovens, para os grandes centros urbanos deixaram-me assustado. É uma situação que tem de ser corrigida. A tradição de plantar deve ser retomada, com o café, a cana, o milho, o arroz e a fruticultura. Mas para isto é urgente uma política de crédito especial a juros baixos e prazos mais longos, com assistência técnica nos processos de plantio, de colheita e também de comercialização, para evitar os atravessadores. Ademais, é necessário introduzir novidades, como a piscicultura que pode se tornar uma fonte altamente lucrativa, além de proporcionar uma alimentação rica em proteínas.
Felizmente, apesar do abandono, a população é constituída de pessoas altamente criativas, interessadas e inteligentes. Causou-me, por exemplo, agradável surpresa a qualidade da comemoração da Semana da Cultura, realizada na Escola Estadual Sady da Cunha, em Peçanha. Na ocasião foram lançados três livros de autores peçanhenses: "Peçanha", de Oscar Vieira da Silva, "Mãe D'Água - Pai Terra", de Eneida Vieira de Melo, e "Primeiros Passos do Poeta", de Maria Helena Lobo. A banda de música da cidade, ainda com os instrumentos proporcionados pelo Ministério da Cultura quando eu exercia o cargo de Ministro, executou dobrados de excepcional beleza. A apresentação de balé dos alunos da Escola Sady da Cunha foi de excelente nível e sensibilidade. Fiquei admirado com a beleza do espetáculo pirotécnico. Eu e meu amigo, o ex-deputado Sady da Cunha, voltamos aos tempos de criança, quando nos deslumbrávamos com os foguetes de vara do Luiz 'Fugueteiro'.
Nossa região tem gente boa e competente. O que falta é o apoio dos poderes públicos e a vontade política dos governos para que o interior se desenvolva plenamente.
Fazenda na área rural de Peçanha
|
Fábrica de Cachaça em Cantagalo
(município vizinho à Peçanha).
|
|