O Vale do Rio Doce
*Antonio de Paiva Moura
RIO DOCE: História
Ainda no período pombalino (1750-0777) as incursões no Vale do Rio Doce visavam descobertas de novas jazidas de ouro. Com esse objetivo foram muitas as expedições partindo de diversas partes da capitania. Em 1758 partiu do Serro uma comitiva guiada pelo Guarda-mor João Peçanha Falcão e o vigário Francisco Martins, patrocinada pelo governador José Antonio Freire de Andrade. O bispo de Mariana, Dom Frei Manoel da Cruz, autorizou a presença do sacerdote na expedição para evitar a escravização de índios. A expedição desceu o Rio Vermelho, o Suassui Grande, chegando ao Rio Doce no lugar conhecido hoje com o nome de Peçanha, em homenagem a um descendente do expedidor Guarda-mor. Mas foi depois da época pombalina que a fome de ouro determinou a busca de novas jazidas e ficaram célebres as investidas do próprio governador Dom Rodrigo José de Menezes (Conde de cavaleiros) que passando por Ponte Nova alcançou o Cuieté, 1781. Verdadeira epopéia de um cavaleiro resoluto que em muitos lugares teve que abrir caminho na selva ocupada por índios canibais. (1) O governador voltou de Cuieté entusiasmado. Não com a mineração aurífera mas com a criação de uma colônia agrícola. Tomou a iniciativa de mandar para o local uma companhia militar para ocupar a região, desde Cuieté até Natividade, hoje Aimorés. (VASCONCELOS, D. 1974) O caminho percorrido, o rumo tomado por D. Rodrigo de Menezes até então era proibido. A zona da Mata indevassada ou ainda não percorrida era uma barreira natural que impedia o contrabando de ouro. Mas a partir daí o Rio Doce passa a ser a via preferencial para o transporte do sal para a região do ouro. Para tornar o rio navegável foi posto em prática um projeto de devastação das suas margens. Compreendia D. Rodrigo que as terras eram fertilíssimas e próprias ao plantio de gêneros, de algodão principalmente, bem como as madeiras de primeira qualidade que podiam ser exportadas, levadas até o mar pelas próprias águas do Rio Doce. Com esse intuído determinou a seu ajudante de campo, José Joaquim Siqueira de Almeida descer o rio até os rápidos das Escadinhas. (2)
Dezenove anos depois por ato do governador da Capitania, Bernardo José de Lorena, de 8 de outubro de 1800, estabelecendo os limites de registros de destacamentos militares na serra que separa os rios Guandu e Manhuaçu. A Província e mais tarde o Estado de Minas Gerais passaram a considerar esse ato como transferência para o seu território de uma boa parte do território do Espírito Santo, ou seja, da Barra do Cuietá até o limite do município de Aimorés, MG, com Baixo Guandu, ES. Segundo Saint-Hilaire era a fuga dos mineiros da região da mineração aurífera e a busca de terras férteis para a lavoura. (SAINT-HILAIRE, A, 1959)
O grande problema de explorar as margens do Rio Doce foi a presença do indígena. Toda a literatura disponível é rica em informações da ferocidade dos botocudos, remanescentes da nação Tupi que ocupava as densas matas da região. Para tornar navegável o Rio Doce era necessário a criação de um sistema de prevenção contra os índios. Pela Lei de 13 de maio de 1808, o príncipe regente criou a "Junta Militar de Civilização dos Índios" Com base na concepção que tinha os índios como incivilizáveis, a junta iniciou uma guerra contra eles. Antes de passar o comboio de barcos carregados de mercadorias, um barco tripulado por militares ia atirando contra os índios. (MOURA, A P 1983) (3) O viajante alemão Wied-Neuvied, em 1817, ficou impressionado com a habilidade dos botocudos das margens do Rio Doce que confeccionavam e usavam o bodoque tanto na caça quanto na luta contra os brancos. Com bodoque de arco, para flecha e para pedra os botocudos resistiram aos brancos por mais de duzentos anos. Diz Oiliam José que desses métodos inomináveis era natural que os botocudos reagissem com violência também aterradora. E o faziam certos de defender um patrimônio que lhe pertencia, pois chegaram primeiro às terras em que se achavam e o faziam porque os brancos os acossaram tanto por Minas como pelo Espírito Santo. O resultado de tudo isso foi desastroso para os índios e brancos. Muitas mortes e um grande desgaste do cofre público. ( JOSÉ, O. 1958)
No começo do século XX, 1905, com a iniciativa da construção da Estrada de Ferro Vitória Minas, trabalhou para a construtora, um engenheiro capixaba de nome Ceciliano Abel de Almeida, que acompanhou as obras de Vitória até Itabira. Escreveu as memórias dessa verdadeira epopéia, constituindo-se em um trabalho de história e de etnografia, de enorme valor. (ALMEIDA, C.A 1959) De início descreve o confronto conflituoso com os índios que redundou em muitas mortes de operários e funcionários da companhia. O que mais impressiona aos viajantes estrangeiros e ao engenheiro construtor é a exuberância da natureza. Começa pela vegetação constituída da madeira mais resistente como Jacarandá, peroba, sucupira, braúna, e guaribu. Abundância de árvores frutíferas nativas que garantiam aos nativos farta alimentação. A fauna era constituída de grande quantidade de mamíferos, aves e répteis muito aproveitados na alimentação dos índios e depois dos habitantes da tarra. O Rio Doce oferecia grande variedade de peixes de escama, de couro e casco, como piau, traíra, mandi, cascudo, camarão e lagosta. A lavoura era pródiga na produção de arroz, feijão, café e milho. O solo oferecia excelente condição para a pecuária de vez que suas nascentes eram salitradas, com enorme benefício para o gado.
(1) - O topônimo do município de Abre Campo foi inspirado no fato de o ruído do facão do abridor de picada no mato, ser mais ou menos o de "cotoché". Da onomatopaica tupi, cotoché passou a designar Abre Campo.
(2) Escadinhas é a cachoeira do Raio, na divisa de Minas com o Espírito Santo, entre os municípios de Aimorés e Baixo Guandu. Os navegantes que transportavam mercadorias para Minas tinham que descarregar os barcos, passar por terra e recomeçar a navegação acima da cachoeira.
(3) "Das differentes espécies de índios o Botocudo por experiência, he selvagem q. se não pode civilizar: he inimigo dos outros índios, devorando-os, como faziam em outros tempos os q. viviam no Cuieté; os portugueses não escapão igualmente à sua voracidade, e o único meio, q. há a seguir, he fazel-los com força armada ao centro da mata virgem q. habitão; e na ocasião q. os portugueses os atacão há de crer q. tenhão morrido alguns nossos....". (MELLO, P.M X A, 1907)
ALMEIDA, Ceciliano Abel de. O desbravamento das selvas do Rio Doce. Rio de Janeiro: José olímpio, 1959.
JOSÉ, Oiliam. Marlière, o civilizador. Belo Horizonte: Itatiaia, 1958.
MELLO, Pedro Maria Xavier de Ataide. A civilização dos índios. In: Revista do Arquivo Público Mineiro. Belo Horizonte, ano XI, 1907
MERCADANTE, Paulo. Estudo de uma região: a mata mineira. Rio de Janeiro: Zahar, 1973, p 53 / 60. .
MOURA, Antonio de Paiva. História da Violência em Minas. Belo Horizonte: Autor, 1983.
VASCONCELOS, Diogo de. História Média de Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatatiaia, 1974.
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