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Na Capitania
das Minas, as ordens terceiras franciscanas surgem dentro de uma igreja
paroquial ou capela em meados do século XVIII e, só após alguns anos,
edificam templo próprio, quando o estilo predominante é o Rococó
(1760-1840). A Ordem 3ª de São Francisco de Vila Rica foi criada em
1745, dentro da Igreja Matriz de Antônio Dias. Seus estatutos foram aprovados
em 1760, inspirando-se bastante na Regra Franciscana do Convento de Santo Antônio
do Rio de Janeiro. Este, periodicamente, enviava uma autoridade da ordem para
supervisionar os livros dos terceiros, o zelo com o templo e sua
ornamentação, a pompa dos ritos e o rigor nos costumes e exercícios
espirituais realizados por irmãos noviços e professos. As ordem terceiras
diferenciam-se das ordens regulares (primeiras, de frades e segundas, de
freiras), pois são compostas de leigos, sem voto de castidade e
clausura. Elas também distinguem-se das irmandades: são rigorosamente
seletivas quanto ao poder econômico e pureza racial dos candidatos a irmãos,
exigindo deles a elaboração de um testamento, coisa jamais feita por
qualquer irmandade. Os terceiros se preparavam espiritualmente antes da cerimônia
da profissão, na qual se comprometiam publicamente seguir a Regra da Penitência.
Se os bons costumes não fossem devidamente observados, o irmão ficava
impedido de se professar, como é o caso do famoso pintor
marianense Manoel da Costa Ataíde (*1762 +1830), pertencente às ordens
franciscanas de Vila Rica e de Mariana, que viveu em concubinato com a
jovem Maria do Carmo Raimunda da Silva, parda, com a qual teve quatro filhos
vivos, seus herdeiros.
Fachada: O
templo foi edificado entre 1766 e 1794 pelo construtor Domingos Moreira de
Oliveira (+1794). O projeto original, assinado por Antônio Francisco Lisboa,
o Aleijadinho, desapareceu em 1910. Há nítida distinção entre a
concepção do frontispício, deliberadamente ornamental e com ondulações, e
a planta do monumento, com arcaísmo próprios da arquitetura das ordens
regulares.
Portada:
Portada esculpida em pedra sabão, cujo risco foi feito por Antônio Francisco
Lisboa, o Aleijadinho, entre 1774 e 1775. Segundo a tradição religiosa,
Nossa Srª da Conceição teria aparecido a Francisco (1182-+1226) em Porciúncula,
por isso é a protetora dos franciscanos. É representada coroada por um aro
de estrelas e a coroa de rainha dos céus. Nesta talha, o corpo da Virgem
Maria une-se aos braços chagados do santo e de Cristo, cingidos por
coroa de espinhos amarrada pelo cordão franciscano. Abaixo, uma cartela
com representação das chagas e outra com os escudos reais. A atuação na
Casa de Moeda de Vila Rica, do desenhista e abridor de cunhos João Gomes
Batista (+1788), irmão e inclusive sacristão desta ordem terceira,
influenciou sensivelmente Aleijadinho, seu discípulo, sobretudo na
heráldica, nas formas espraiadas, vazadas e movimentadas.
O Medalhão
apresenta inserção original, ocupando o lugar tradicionalmente reservado ao
óculo que iluminaria o coro. Representa São Francisco recebendo as chagas de
Cristo enquanto orava e jejuava no Monte Alverne na intenção de São Miguel,
em setembro, mês das festas deste arcanjo e da Exaltação da Cruz.
Surpreendentemente apresenta uma iconografia um pouco arcaica, pois o Cristo
se afigura meio homem e meio anjo. A presente temática é retomada em
altares-mores de ordens franciscanas, porém numa versão mais moderna,
visto que Jesus é representado plenamente sob a forma humana. E para mostrar
que as chagas são impressas no corpo, longos raios na forma de fitas partem
das mãos e dos pés de Cristo para atingir os de São Francisco. O São
Francisco recebendo as Chagas saía devidamente ornamentado na Procissão de
Cinzas, no “andor da Ordem”.
Capela-mor:
Em 1790, Aleijadinho recebeu pela obra de talha presente no retábulo-mor.
Neste, juntamente com o seu ateliê, expressou-se na forma rococó os conteúdos
patéticos da cultura barroca. Inspirando-se na talha que Francisco Xavier de
Brito (+1751) fizera para a capela-mor da Matriz do Pilar da mesma Vila,
divulgou o coroamento com bloco escultórico da Santíssima Trindade.
Expressou através de guirlandas, tecidos revoltos, rocalhas que
ultrapassam as molduras, de colunas com caneluras que, surpreendentemente, se
embarrigam, mostrando-se irregulares. Manoel da Costa Ataíde
foi o responsável pelo douramento e pintura da capela-mor, entre 1804/12.
O frontal da
mesa do altar contém o mesmo tema existente na tampa do sacrário que
Francisco Xavier de Brito fizera para a Matriz do Pilar, com a diferença no
tratamento e composição. Trata-se da visita das santas mulheres ao sepulcro
vazio em virtude da ressurreição do Senhor: “Surexit non est hic-
Ressuscitou, não está aqui ”( Mc 16, 6). A veneração à Paixão de
Cristo foi comum entre os franciscanos desde o século XIII, pois eles
se destacaram na acolhida aos peregrinos e como guardiães do Santo Sepulcro.
Púlpitos:
Datam de 1771, de autoria de Aleijadinho e seu ateliê. Excepcionalmente
inseridos na capela-mor, seguem a tradição dos templos conventuais.
Representam de um lado o profeta Jonas e de outro a Pregação de Cristo, em
meio a exuberante ornamentação floral e de coros angélicos.
Painéis e
anjo no forro da capela-mor: O anjo com cesta de flores que
interliga os painéis ovais alusivos aos expoentes da Ordem Seráfica -São
Boaventura, Santo Antônio, Santo Ivo e São Conrado-
foram de responsabilidade do Aleijadinho.
Painéis
parietais na capela-mor:
Trata-se de
um barrado em madeira, à moda de azulejaria portuguesa, representando
cenas da vida de Abraão, motivo maior de sacrifício pessoal em nome da fé.
Feito por Manoel da Costa Ataíde, entre 1803/4, que se inspirou
na temática existente nos gravados de Rafael (1483-+1520),
divulgados pela Bíblia de Demarne. Contudo, o artista marianense modificou
substancialmente a composição do grande pintor renascentista, em proveito de
cenas mais íntimas e afetivas, dos tipos humanos locais, dos corpos roliços,
de exuberantes rocalhas. Nesta azulejaria, anjinhos sustentam instrumentos de
penitência ( chicote, cilício, caveira e o rosário) e os emblemas da Paixão
de Cristo que aparecem também em algumas imagens dos terceiros, exibindo
profunda unidade iconográfica. Existe obra semelhante na capela-mor da Matriz
de Santo Antônio em Santa Bárbara, feito por Ataíde no mesmo período.
Mais em cima
há seis painéis: São Francisco recebendo a Regra da Ordem e outro
recebendo as indulgências da Porciúncula, os papas Nicolau V e Gregório IX,
a Ceia e o Lavapés.
Forro da
nave: Trama bastante vazada, com imponentes colunas que sustentam arcos e
exuberantes rocalhas, dotadas de balcões guarnecidos com anjos e nos cantos
os quatro doutores da Igreja (Santo Agostinho, São Jerônimo, São Gregório,
Santo Ambrósio), tendo ao centro grande medalhão com a Nossa Senhora Rainha
dos Anjos. Trata-se de uma antevisão do Paraíso e de suas qualidades: vastidão,
luminosidade e harmonia. Neste, estão com abundância os coros angélicos
em doce melodia, partituras, os instrumentos musicais como a
harpa, o violino, a flauta e a trompa, conhecidos pelo pintor que era
irmão do sacerdote Antônio da Costa Ataíde. Ainda na nave, nas paredes
encontram-se quatro painéis alusivos a divindades penitentes: São
Pedro, Santa Madalena, São Francisco da Penitência
e, por fim, Santa Margarida de Cortona.
Forro
do Nártex: Pintura de Manoel da Costa Ataíde feita entre 1801-1812, com
motivos macabros, inspirada no livro do Eclesiastes (1, 2). Alerta
o devoto sobre a brevidade da vida mundana e do poder temporal em oposição
à vida gloriosa e eterna no Paraíso (forro da nave). Vanitas vanitatum:
vaidade das vaidades. Memento mori: lembrate-se de que morrerás.
Imagens dos
santos penitentes: Existia mais de uma dezena em 1751, quando a ordem terceira
ainda sem templo próprio funcionava na Igreja Matriz do Antônio Dias.
Nesse ano já fazia a Procissão da Penitência, envolvendo quadros
vivos, alegorias e 11 andores com os santos penitentes, os quais
eram profusamente ornamentados com tecidos, latão e outros materiais. Algumas
imagens receberam nova encarnação em 1805 por Manoel da Costa Ataíde.
Essas invocações estão presentes em dez quadros existentes nas paredes da
sacristia.
Altares da
nave: São tardios, e isso explica a baixa qualidade plástica da talha.
Os dois primeiros, próximos ao arco-cruzeiro, iniciados em 1829, concluídos
e assentados em 1837, foram de responsabilidade de Vicente Alves da Costa, com
risco feito anteriormente pelo próprio Aleijadinho. Os dois últimos, foram
dourados em 1888.
Sacristia: A
pintura do forro da sacristia foi feita por Manoel Pereira de Carvalho. Os
quatro painéis com molduras por Francisco Xavier Gonçalves. Todas datadas de
1782.
Lavabo:
Executado em 1777, à maneira de retábulo em pedra, como oferta de alguns de
irmãos devotos. Nele, Aleijadinho seguiu a iconografia da ordem
com inclinação penitencial e macabra, pois observam-se os mesmos atributos
existentes na ornamentação geral como: ampulheta, crânio, cartela com
chagas encimada pelos braços cruzados do Cristo e de São Francisco. No
centro da composição, a presença de um frade franciscano, vestido à moda
germânica, com olhos vendados, simbolizando a fé absoluta, traz um
pergaminho com o versículo: Haec est ad Caelum quae via ducit oves (
Este é o caminho que conduz as ovelhas ao Céu). Abaixo, uma cartela ladeada
por dois cervos, que deixam jorrar água por uma gárgula. Nela, a frase
Ad Dominum curro sitiens sicut cervus ad undas ( Corro para o Senhor, como o
cervo sequioso para as águas), numa alusão a alma sequiosa em
busca de graças.
Cemitério de
carneiras: Feito entre 1831 e 1842, em resposta a lei municipal de 1º/10/1828
que proibia sepultamento no interior dos templos. Foi ampliado em 1866 para
dar lugar a novas catacumbas e, em 1876, teve a capelinha reedificada.
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