Este trabalho foi realizado por Carlos Torres Moura, Pury e Eduardo Rocha

Fazendas em Além Paraíba e Região: Esta mostra é parte do resultado de um ano e meio de diversas viagens nas roças e de um sonho antigo: documentar os casarões das antigas fazendas de café que sobreviveram na região de Além Paraíba, na Zona da Mata de Minas Gerais. O espaço escolhido - que incluía os municípios fluminenses de Carmo e Sapucaia, separados de Minas apenas pelo rio Paraíba do Sul - contém obras que, com exceções, perdem em opulência para as casas rurais do Estado do Rio de Janeiro, principalmente as de Vassouras, Valença, Três Rios e Paraíba do Sull. No entanto, julgamos que valeria a pena capturar suas belezas. Se muitas perdem em opulência, outras ganham em originalidade.

Libertamo-nos do preconceito de só fotografar as construções em bom estado de conservação, pois privaria o público de conhecer patrimônios que, mesmo em condições precárias, preservam aspectos visuais de histórica importância. Mostrá-las pode servir, também, para o estímulo à sua recuperação, da maneira como fizeram Joaquim e Cândida Silveira com a Barra do Peixe e Lindolpho Corrêa de Souza com a Bocaina, ou como vem fazendo Renato Mendes Tepedino com a Bom Retiro.

Há uma rica variedade de formas internas e externas nas casas-grandes da região, Bocaina, Nova Conceição, Glória, Degredo e N.Sra. Aparecida têm o chamado estilo tardio, com suas construções térreas sobre porôes baixos ou bases de pedras. O casarão clássico, alto, mas utilizando apenas o pavimento superior, está representado pelas fazendas Fortaleza, Piedade, Castelo e Conceição, esta última com o alpendre em escadas laterais, muito comum em casas rurais fluminenses. Solares com dois pavimentos de uso são, a Barra do Peixe, com sua sucessão de janelas e portas simétricas, guardando um rico mobiliário dos séculos XVIII e XIX, e a Bom Retiro, de estilo apalacetado, cujas cores atuais retomaram toda a sua grandeza.

Varandões tipicamente tropicais dominam toda a extensão da frente e de trás da Santa Alda, enquanto quatro casas se destacam pela singularidade: A Lordel, contruída pelo Marquês de Paraná, com suas paredes que imitam mármore italiano e seu pátio mourisco; a Santo Antônio e suas arcadas inferiores, contrastando com as janelas retas do pavimento superior; a Gironda, que parece ter tido mudança arquitetônica que deu-lhe um estranho aspecto de fábrica inglesa; a Ouro Fino, talvez a mais agigantada de todas elas, com sua base de portas em arcos plenos, defronte a dois enormes pátios em níveis que, certamente, serviam para a secagem do café.

Diferenças estilísticas é o que não falta às fazendas da região de Além Paraíba. Há capelas internas (Conceição, Arapoca, Bom Retiro, Bocaina, Santo Antônio e Barra do Peixe) ou externas (Gironda e Nova Conceição), bandeiras de janelas com vidros coloridos (Serrote e Bom Retiro), ou com formas rebuscadas (Paraíso e Castelo), lambrequins (Constança e Serrote), jardins de inverno (Pedra Branca, Santo Antônio, N.Sra. Aparecida e Lordelo), escadarias internas em madeira (Paraiso, Bom Retiro, Barra do Peixe) e anexos que serviam como tulhas ou áreas de serviço (Barra do Peixe, Bocaina, Arapoca, lordelo, Santa Alda e Córrego Grande). A fazenda Conceição, no distrito de Angustura, é uma das poucas que ainda conserva móveis, retratos e objetos originais, raros em outras fazendas brasileiras daquela época.

Registros históricos comprovam que as fazendas de café na região surgiram logo após o início do ciclo, na metade do século XIX, oriundas das divisões das sesmarias. Algumas foram construídas depois, até mesmo já no século XX. Na virada do século, o distrito de Angustura chegou a ser uma riquíssima área de produção do grão. Vestígios da época ainda podem ser vistos lá, com os casarões que restaram em sua praça principal, ladeando a igreja construída com esplêndido interior em madeira.

O marco central da época, que ainda resiste em criminoso abandono, é o conjunto da estação ferroviária de Porto Novo, no centro de Além Paraíba, inaugurado em 1871. O município chegou a possuir, em sua área rural, quatro outras pequenas estações, algumas também com belas arquiteturas, o que se pode ver nas ruínas de Benjamin Constant. O café foi a principal causa da chegada dos trens e da presença de D. Pedro II em Além Paraíba e Volta Grande, quando inaugurou, em 1874, os primeiros trilhos da Estrada de Ferro Leopoldina no país. (Veja o arquivo 1114001017 - UniVlerCidades - Cidades - Além Paraíba)

Estas fazendas vivem hoje basicamente da produção leiteira, depois do desaparecimento dos ciclos cafeeiros. Algumas são grandes criadoras de cavalos de raça e até mesmo de peixes. Poucas têm sequer um pé de café que sirva como símbolo da riquesa que devastou matas e provocou, pelo erro no cultivo, a erosão de imensas áreas.

Nas reverências finais, fica o registro das mãos quase sempre anônimas de engenheiros e arquitetos que desenharam as mansões e a presença do negro, escravo ou não, que, como o pedreiro da canção, carregou nos ombros pedras e tijolos, construindo casas nas quais sequer podia sonhar em morar.

Um fraterno abraço a Eduardo Rocha, que fotografou os primeiros trabalhos. Ao Sebastião Reis, o Pury, responsável maior com seus olhos & lentes, pelo conjunto que ora mostramos, o agradecimento e a certeza de que, sem ele, estes tesouros talvez não pudessem ser expostos com tanta originalidade e beleza. - Carlos Torres Moura - Além Paraíba - Fevereiro de 1996.

Carlos Torres Moura, 49 anos, é natural de Cataguases (MG), onde participou de movimentos culturais de cinema e de teatro na década de 60. Foi ator no longa-metragem "O Anunciador", de Paulo Bastos Martins, rodado naquela cidade. Fotográfo, compositor e jornalista, articulou em Além Paraíba movimentos voltados para a preservação de seu patrimônio histórico, onde se inclui a estação ferroviária, construída no século passado, hoje quase em ruínas, e uma das mais bonitas do país. É bancário aposentado e suas fotos retratando a citada estação foram expostas no Rio e em São Paulo. Idealizou, produziu e dirigiu todo o trabalho de documentação chamado "Fazendas em Além Paraíba e Região", tendo visitado cerca de quarenta propriedades e organizado uma mostra que apresentou trinta fazendas da época do café no vale do Paraíba do Sul, divisa de Minas com o Rio de Janeiro.

Fazenda Ouro Fino - Trata-se, provavelmente, do mais agigantado casarão de fazenda de toda a região. Possui um total de um mil e seiscentos metros quadrados em seus dois andares, compostos por doze quartos e seis salões, entre outras acomodações. Seu pavimento térreo frontal é todo formado por umbrais em arcos plenos e sua construção é de alvenaria e taipa. Defronte a fachada, dois imensos terreiros para a secagem do café ainda podem ser vistos, formando níveis. A Fazenda Ouro Fino fica próxima à divisa de Além Paraíba com Mar de Espanha e sua sede foi inaugurada em dezembro de 1855.

Fazenda Ouro Fino - Seu primeiro proprietário foi o comendador Francisco Sales de Oliveira e Castro, tendo posteriormente pertencido a, entre outros, Thereza de Magalhães Pinto e Cândido Sobral de Almeida Magalhães. Era um recanto frequentado, na juventude, pelo jurista Sobral Pinto. Seu atual dono é o advogado e escritor Amil Alves. O material de sua construção foi extraído das terras da fazenda, que tinha oficinas, serralherias e olarias. Hoje coberto por telhas francesas, o casarão preserva uma lenda do início do século, quando a produção da fazenda caiu e, certas horas da noite, o telhado chiava em lamentos, pedindo sua libertação. A abolição já havia se consumado há duas décadas e as fazendas de café, assim como inúmeros prédios da época imperial, eram cobertas por telhas tipo canal, moldadas, segundo a lenda, nas pernas dos escravos mais altos e mais fortes. Daí, provavelmente, a sua troca pelas telhas francesas, até hoje existentes.

Fazenda Deus Esteja - Desmenbrada da enorme sesmaria de Luiza Tereza Figueiredo, a Fazenda Deus Esteja situa-se em terras muito próximas à rodovia Rio-Bahia, distando cerca de dez quilometros da área urbana de Além Paraíba.

A originalidade de seu nome é atribuída às bençãos que um vigário dava às vítimas de uma lendária figura do início do século XIX, Manoel Henriques, conhecido como o "Mão de Luva". No final de sua vida, "Mão de Luva" foi preso nas proximidades da região, às margens do rio Paraíba do Sul, e remetido a Vila Rica. Suas histórias de rapina se destacaram em anos anteriores, na região de Cantagalo, no Rio de Janeiro, outra área que ganhou notoriedade com o ciclo do café. A fazenda pertence hoje ao dentista carioca Tobias Kant Rothier, voltando-se basicamente para a produção leiteira.

Fazenda Gironda - As estranhas formas atuais da fazenda Gironda lembram uma construção inglesa. Situada numa região hoje conhecida como Aterrado, fez parte, no século passado, das terras de Simplício José Ferreira da Fonseca, grande empreendedor de sua época, construtor do casarão da fazenda Barra do Peixe. Simplício Ferreira iria se tornar proprietário agrícola que muito contribuiu para o impulso inicial de Além Paraíba. Foi ele que doou os terrenos onde foram construídos os prédios da prefeitura e do fórum municipal, numa vila que só viria a se constituir como cidade em 1883. O casarão está localizado no alto de uma pequena colina, o que permite um visão panorâmica de suas terras. É uma das raras fazendas da região com capela externa, ainda relativamente bem conservada. A Gironda foi, durante muito tempo, produtora da mais famosa cachaça de Além Paraíba, que tinha o mesmo nome da fazenda.

Fazenda Lordelo - As origens da Fazenda Lordelo remontam ao século passado, constituindo-se uma construção original, única, diferente de toda a arquitetura da época do café no vale do Paraíba do Sul, lembrando um villa italiana em suas cores ocres. Erguida pelo Marquês de Paraná, da família Carneiro Leão - cujo emblema ainda pode ser visto em sua fachada - foi a seguir administrada por seu filho, o Barão, personagem de casos folclóricos, como sua estranha experiência no cruzamento de zebras com mulas, na tentativa de criar um novo animal, que chamou de "zebróide". É a fazenda mais próxima da área urbana de Além Paraíba, embora situada no estado do Rio, no distrito de Jamapará (Sapucaia). Seus salões têm ares hieráticos e, entre eles, um pátio interno de estilo mourisco, com plantas e azulejos, complementa suas formas ecléticas, Restos da arborização original trazida pelo Marquês, na qual se destacam enormes sobreiros da Jamaica, ainda existem lá, ao lado de réplicas de estátuas romanas, portões e pontes. Relativamente bem conservados estão o cemitérios dos cachorros e as tulhas, pintadas na mesma cor do casarão.

Fazenda Monte Alegre - O povoado de Angustura, hoje distrito de Além Paraíba, foi primitivamente chamado de "Madre Dios do Rio Angu". Era um expressivo foco da causa republicana na Mata Leste mineira, o que se confirma pela visita de Silva Jardim, a convite dos fazendeiros de café locais, em plena época da campanha contra a monarquia. Sua decadência econômica, aliada à ausência de fatos históricos de repercussão nacional, acabou por destruir, no correr deste século, todo o majestoso conjunto de construções de estilo colonial, cujos últimos exemplares sobrevivem ao lado da igreja Madre de Deus, desafiando os tempos e a indiferença geral. A Fazenda Monte Alegre, com seu casarão de 1888, é um raro exemplar rural daquele período, conseguindo sobreviver após a decadência de Angustura. Construída por Elídio Cesário de Figueiredo Cortes, representante de uma das famílias mais influentes na área rural de Além Paraíba nos tempos passados (os Cortes), é hoje comandada com bravura por Zélia Vilela Teixeira Cortes que, do alto de seus 85 anos, luta pela conservação de sua arquitetura original e pela preservação de um clã rural dissolvido pelas transformações econômicas do país.

Fazenda Conceição - O distrito de Angustura detém uma das mais interessantes casas rurais da região, cujas formas externas atraem a atenção dos arquitetos, principalmente por seu alpendre, que acompanha o estilo das bandeiras de janelas de sua fachada. Trata-se também de uma das raras propriedades cujos donos atuais descendem dos construtores originais, a família Manso. No seu salão principal, destaca-se um quadro a óleo do capitão Valeriano Manso, pintado no século XVIII, membro do Regimento de Cavalaria Regular de Minas, criado em Vila Rica em 1775. Manso foi colega de corporação de Tiradentes e o retrato é o único documento existente que permite verificar como era o fardamento do regimento a que pertenceu o alferes.

Fazenda Conceição - Registros conservados na própria sede dão conta de que a Fazenda Conceição já existia em meados do século passado. No meio de antigos objetos e móveis, entre eles um enorme claviculário da época, a fazenda guardou, entre outras raridades, grande parte dos livros de movimentação de seus escravos.

Fazenda Bom Retiro - O coronel Oscar Cortes, nome lendário na virada do século nas terras alemparaibanas, cujo túmulo é uma peça rebuscada no cemintério do Santíssimo da cidade, foi quem ergueu a imponente sede da fazenda Bom Retiro.

Fazenda Bom Retiro - Ela é hoje um dos raros exemplos de restauração cuidadosa na região, sob o comando de seu atual proprietário, o engenheiro Renato Mendes Tepedino, residente no Rio de Janeiro, mas nascido em Além Paraíba.

Fazenda Bom Retiro - Suas bandeiras de janela imitam as formas do palácio imperial de Petropólis, característica de algumas fazendas da área de Vassouras e de Valença, no Rio de Janeiro.

Fazenda Bom Retiro - Possui uma capela interna em madeira que, na época das fotos, estava em fase de restauração. É um típico casarão que utiliza os dois pavimentos, com o salão de jantar na parte baixa, tomado por gigantesca mesa.

Fazenda Barra do Peixe - Constitui hoje, com certeza, um dos mais bem restaurados casarões de fazenda de café do país e é, com justiça, a referência visual desta mostra. (Veja o arquivo 1113001025 - UniVlerCidades - Paisagem - Fazendas Antigas)

Fazenda Barra do Peixe - A sede foi construída por Simplício José Ferreira da Fonseca e inaugurada em 1859, no auge do primeiro período cafeeiro na região.

Fazenda Barra do Peixe - Proprietário rural com características de grande empreendedor, Simplício Ferreira era primo de Mariano Procópio e foi um dos principais agricultores de uma região que fazia divisa com as terras de Mar de Espanha, núcleo pioneiro do café na Zona da Mata mineira.