|
|
|
BREVE HISTÓRIA
O Jequitinhonha e o Mucuri na história de Minas
Antonio de Paiva MOURA
Toponímia A capitania de Minas Gerais do século XVIII e início do século XIX era dividida em quatro comarcas que definiam o atual território do Estado. Eram elas: Comarca do Rio das Mortes com sede em São João Del Rei, Comarca do Rio das Velhas com sede em Sabará, Comarca de Vila Rica com sede em Ouro Preto, Comarca de Paracatu com sede em Vila do Príncipe e finalmente Comarca do Serro Frio com sede no Serro. O vale do Jequitinhonha e o Mucuri constituem o Nordeste dessa comarca no território do município de Minas Novas. Até 1719 o Governo português ainda decidia que o termo de Minas Novas e as variantes do Jequitinhonha pertencessem à Bahia. Em 1730, com a descoberta dos Diamantes no Arraial do Tijuco, o termo de Minas Novas ficou sujeito à Comarca do Serro, removida de Jacobina na Bahia. Conforme resolução do Conselho Ultramarino de 13 de maio de 1757 o território de Minas Novas fica definitivamente incorporado ao Distrito Diamantino na Comarca do Serro Frio.(VASCONCELOS, 1974; 54) Tão logo a notícia chegou ao Tijuco, o Intendente dos diamantes, Tomás Rubi de Barros Barreto, emitiu ordem de afastamento dos baianos da administração do município; expulsão dos mineradores clandestinos da região; proibia a mineração de ouro e obrigava os moradores a se dedicarem à lavoura à pecuária. (BARBOSA,. 1981) Nas matas do enorme território do município de Minas Novas, no início do século XIX foram instalados quatro quartéis militares sob o comando do alferes Julião Fernandes Leão, com a finalidade de impedir do contrabando de metais e pedras preciosas e combater os indígenas, nas seguintes localidades: em São Miguel do Jequitinhonha, Joaima, Almenara e Salto da Divisa. (MORENO, 2001; 54) Até 1871 Minas Novas contava com 9 distritos: Rio Pardo de Minas, Araçuaí, Itamarandiba, Teófilo Otoni, Capelinha, Turmalina, Berilo, Chapada do Norte e Francisco Badaró. Rio Pardo de Minas se emancipou em 1872 e se desdobrou em Monte Azul, Salina e São João do Paraíso. Em 1871 é Araçuai que se emancipa e se desdobra em Jequitinhonha, Joaima, Itinga, Novo Cruzeiro. No mesmo ano foi criado o município de Itamarandiba, desdobrado com a emancipação de Carbonita. Em 1878 perde o distrito de Teófilo Otoni que por sua vez se desdobra em Itambacuri, Malacacheta, Águas Formosas, Carlos Chagas e Poté . Em 1926 emancipa-se Capelinha que se desdobra em Água Boa. Já na segunda metade do século XX perde por emancipação os distritos de Turmalina, Berilo, Chapada do Norte e Francisco Badaró. Foi a constatação da presença de metais e pedras preciosas que determinou a transferência do município baiano que deu configuração à região para Minas Gerais. As riquezas que jorravam, iam para a Europa não só por vias legais mas através de contrabando, apesar do centralismo do poder e da severidade da legislação. Com a exploração desordenada muito cedo as jazidas aluviais se esgotaram. A partir da segunda metade do século X VIII as idéias iluministas e as transformações na vida institucional da Europa fizeram aflorar as contradições latentes no âmbito da sociedade mineradora espoliada, que resolveu se rebelar. (1789). Os colonizadores perceberam que não podiam ou não conseguiam mais manter a mineração aurífera. A punição aos inconfidentes com degredos, confinamentos e pena de morte foi aterrorizante, como revela o esquartejamento de Tiradentes. Igualmente rigorosas foram as perseguições sobre os habitantes das cidades auríferas, com prisões, confiscos de bens e humilhações públicas. A partir da Inconfidência Mineira as cidades do ciclo do ouro passaram por um melancólico esvaziamento. Os mineradores, os clérigos e escravos se distanciam das cidades buscando longínquas terras. Por onde chegam os ex-mineradores já transformados em agropecuaristas, vão empurrando as linhas divisórias da Província de Minas. No dizer de Carrato, uma verdadeira diáspora. Os migrantes partiram em massa na busca de novas aventuras, encontrando imensas florestas e terras desabitadas. Às vezes ainda tentavam a mineração de ouro ou de gemas, mas acabavam abrindo currrais, fazendas e pequenos negócios; começam a ereção de capelas, criação de freguesias ou vilas. (CARRATO, 1968) No momento da Inconfidência e logo depois do dia 21 de abril de 1792, os espaços inexplorados nas imediações dos centros auríferos começaram a ser ocupados, atestando isso a criação de novos municípios, como em 1789, Itapecerica; em 1790 Conselheiro Lafaiete; 1791, Barbacena; 1798, Campanha e Paracatu; em 1831, Formiga e Itabirito, 1831; Bonfim e Santa Bárbara, 1839; Conceição do Mato Dentro, 1840; Piranga, e Pium-i, 1841 e Pará de Minas, 1848. Já no século XIX a expansão é mais para os limites extremos da província e para além de suas fronteiras, como o Jequitinhonha que pertencia à Bahia até o final do século XVIII. Dois fatores motivaram as migrações do Losango Aurífero para aquela região: a criação extensiva e exploração das pedras preciosas. Em 1831 foram criados os municípios de Diamantina e de Rio Pardo; em 1840, Grão Mogol; em 1857, Araçuai. As três primeiras décadas do século XIX foram de transformações radicais para Minas. Passou da condição de centros urbanos para pequenas vilas, isto é, a ruralização da sociedade com reflexos imediatos na cultura e na política. Basta dizer que de 1801 a 1830 foram criados apenas dois municípios em Minas (Baependi e Jacui). Nesse período os viajantes estrangeiros observam o melancólico esvaziamento das cidades do ouro. Saint Hilaire diz que era fácil encontrar pessoas maltrapilhas e esfarrapadas em tais cidades. Spix e Martius passando pela Comarca do Rio das Mortes, observavam que por lá reinavam a ruína e a selvageria e que até as estradas morriam abandonadas. O comerciante inglês John Mawe descreve um quadro sombrio sobre Serro, Conceição do Mato Dentro e Itambé. Por muito tempo Minas continua sendo a província mais populosa do País, mas o eixo histórico se desloca para o Rio de Janeiro. A Inconfidência que havia virado Minas de ponta-cabeça permaneceu oculta para os políticos e historiadores até a deflagração do Movimento Republicano, no final do século XIX.
Colonização Os habitantes da região do Serro são os colonizadores do Jequitinhonha, Mucuri, Doce e São Mateus dedicando-se à lavoura e à pecuária. O conflito dos novos colonizadores com o indígena havia iniciado com o minerador no Alto Jequitinhonha tornando agora mais intenso. Segundo Moreno a proposta econômica era buscar os portos comerciais do litoral para escoamento dos produtos agropecuários e aquisição de produtos industrializados oriundos da Europa, o sal do Nordeste e querosene. Quando D. João VI se transferiu para o Rio de Janeiro em 1808 autorizou a construção de estradas no Jequitinhonha de modo a estabelecer intercâmbio com a Bahia. (MORENO, . 2001; 50) .No Alto Jequitinhonha, região de Serro e Diamantina, onde predominava a mineração, os índios eram destruídos, como bem ilustra a novela "Acaiaca" de Joaquim Felício dos Santos, publicada em 1868, quando não podiam ser aldeados para fins de trabalho escravo. No Médio e no Baixo Jequitinhonha os índios conseguiram refúgio por mais um tempo, através de condições geográficas e pastoris favoráveis, que facilitavam a sua resistência contra as agressões dos aventureiros e caçadores. Mas no Médio Jequitinhonha nos primórdios do século XIX as autoridades determinam guerra aos indígenas através da carta régia de 13 maio de 1808. Esse documento justifica "A guerra como justa" levando em conta as agressões indígenas aos colonizadores. A guerra, segundo a carta régia só deveria ter fim enquanto não fosse ocupada toda a região e patenteada a superioridade dos brancos. (MORENO, 2001; 62) No final do século XIX uma leva de invasores pobres, fugindo das secas da Bahia, entra no Jequitinhonha. A meta era chegar até Comercinho e Pedra Azul, onde tinham matas virgens à disposição. Ali fizeram roças e instalaram fazendas, com péssimos métodos de cultivo que degradavam as condições naturais. A colonização do Mucuri se deve ao empresário e político Teófilo Otoni, fundador da Companhia de Comércio e Navegação do Mucuri, de capital aberto, com incentivo do governo imperial e do governo da província de Minas Gerais. Visava a navegação do Rio Mucuri, desde sua barra na província da Bahia até o último ponto navegável em Minas. A cidade de Minas Novas tornou-se um grande centro comercial. Os lugares produtores não servidos por portos fluviais eram providos por estradas carroçáveis, como a antiga Filadélfia, hoje Teófilo Otoni que passou a ser a cidade-base de todas as atividades da companhia. Para aumentar a produção destinada à exportação Otoni sabia que era necessário povoar a região com lavradores e daí o assentamento de portugueses, germanos, franceses, italianos, suíços, belgas, holandeses, chineses, espanhóis, sírios e libaneses, resolvendo em parte o problema da mão-de-obra. Otoni tinha restrições contra o trabalho escravo. A Companhia do Mucuri não possuía escravos. Na falta de mão-de-obra livre, alugou escravos de fazendeiros por pouco tempo. Com as imigrações o problema ficou resolvido. Entre os colonos encontravam-se sapateiros, carpinteiros, ferreiros, oleiros, tecelões, seleiros, boticários, curtidores, padeiros, alfaiates, calceteiros, agrimensores, engenheiros, professores e pintores. (LOPES, . 1982) O tipo humano do sertanejo migrante da seca baiana e da mineração estabelecido no Jequitinhonha, o homem do Nordeste Mineiro não é muito diferente do urucuiano, do rio-docense e do rio-pombalino. No modo de tratar as pessoas desconhecidas, que conforme Pereira, no princípio, há um certo retraimento quase hostil mas depois do menor agrado o sertanejo é um animal manso e carinhoso, que leva a uma mudança nas suas maneiras e que não parecem rústicas. São respeitosas das autoridades, mas descrentes da ação do governo e indiferentes em matéria de política. (PREIRA, L. 1969)
Economia Em face das condições históricas e naturais a região Nordeste de Minas é bastante heterogênea. As diferenças sociais entre o Alto, o Médio Jequitinhonha e o Mucuri mais ainda o quadro geral da região. O Alto Jequitinhonha atraiu a atenção dos grandes centros desde a época colonial até a República Velha, enquanto o Médio Jequitinhonha permaneceu isolado, sem estradas, comunicando-se internamente através de um primitivo transporte fluvial, alternado pelo cavalo de sela, pela tropa de burros e carro de bois. A tentativa de Teófilo Otoni de desenvolvimento do Mucuri foi importante mas não teve continuidade e o isolamento continua persistindo até a década de sessenta. Como vimos anteriormente, com o declínio da mineração, a invasão cafeeira deslocou a vida econômica da província e para o Sus, associando-se ao Rio de Janeiro e depois São Paulo. Aumentaram extraordinariamente a lavoura cafeeira, e mais ainda após a implantação das ferrovias. O mesmo não ocorrera com o Jequitinhonha e o Mucuri, apesar do esforço de Teófilo Otoni. Nas décadas de 80 e 90 do século XX a macrorregião Nordeste de Minas foi beneficiada em face do plano integrado de desenvolvimento levado a efeito no Governo Israel Pinheiro através da ação do Conselho de Desenvolvimento. A malha rodoviária estadual se interpõe à federal preenchendo os espaços do grande xadrez. Desta forma a BR 116 (Rio-Bahia), em Teófilo Otoni cruza com a BR 418. Em Itaobim a Rio-Bahia cruza com a BR 367 que em Turmalina é continuada pela rodovia MG 308. Em 1987 realizamos um estudo sobre as causas da estagnação da região e apontamos o latifúndio como a principal . A criação extensiva de gado de corte quase não ocupa mão-de-obra. Além disso acaba empurrando os pequenos proprietários e não proprietários para terras impróprias à agricultura para as periferias das cidades. A partir daí as famílias são desestruturadas de vez que o homem, quase sempre, procura trabalho provisório e complementar em São Paulo, Sul de Minas, Zona da Mata Mineira, das colheitas de cana e café. Muitos não voltam deixando as famílias em completa miséria. Outro fator que diminui a capacidade produtiva das populações periféricas do Médio Jequitinhonha é a subnutrição e a doença de chagas (Trypanosoma cruzi) e tuberculose. Quanto à educação, observa-se uma indisposição muito acentuada por parte dos camponeses para freqüentar a escola. Para eles o estudo "não faz falta" de vez que nada acrescenta em sua vida, isto é, não contribui para melhorar nem seu trabalho nem seu lazer. Essa mentalidade reinante no meio rural deve ser traduzida como a absoluta falta de oportunidade ou de emprego formal. De modo geral, em toda a macrorregião a for;a de trabalho tende a favorecer à atividade informal e o trabalho artesanal de vez que se encontra fundamentada no trabalho familiar. Segundo dados do Instituto de Geociências Aplicadas de Minas Gerais IGA, de 1987, de 267.000 pessoas ocupadas, 201.500 eram da categoria familiar, com um percentual de 75%. Apenas 5% do pessoal ocupado eram assalariado. É, talvez, um dos casos mais típicos de sociedade artesanal ou pré-capitalista. Prevalece o tipo de economia tradicional sem disposição para qualquer tipo de inovação técnica, isto é, fazendeiros de grande porte baseiam apenas no fator terra e mão-de-obra quase gratuita recrutada no âmbito da parentela e pouco além destaa. O pequeno proprietário tem apenas terras de qualidade e condições inferiores e a mão-de-obra somente no âmbito da família. A agricultura que pratica visa em primeiro lugar a sua própria sobrevivência, muitas vezes deficitária. Em face de tal situação, mesmo a população ativa da região encontra-se disponível para migrações em função das atrações exercidas pelas regiões capitalizadas e industrializadas Este caráter de sociedade artesanal que se mantém no seu "tradicionalismo", com o predomínio de técnicas rudimentares na agricultura e na pecuária opera de forma negativa. A agroindústria da região, a exemplo da aguardente de qualidade, dos laticínios típicos (requeijão moreno) e rapadura tem boa aceitação no mercado nacional. Em face do alto custo de produção oferece baixa rentabilidade. O forte da região é mesmo o gado bovino de corte. Em 1960 o Médio Jequitinhonha e o Mucuri apresentavam a segunda maior média de bovinos por quilômetro quadrado de Minas, 27 por Km2. A primeira era a região Sul de Minas com 35 bovinos por Km2, porém com predominância de gado leiteiro.
Política A participação do Jequitinhonha e do Mucuri na história política de Minas Gerais é bastante intensa e extensa. Na Inconfidência Mineira o Padre José da Silva de Oliveira Rolim é acusado de promover a sublevação de todo o Norte de Minas. Mantinha boas relações com os principais cabeças da conspiração. Tinha queixas amargas de certas autoridades portuguesas. SANTOS, 1976; 169) Tiradentes em suas excursões pela Capitania, esteve em Minas Novas onde foi preso por protestar contra o bárbaro espancamento de um escravo cujo proprietário era um poderoso proprietário de terras. Há algum sinal que indica o motivo de sua presença em Minas Novas porque esta interessado em casar-se com uma tal Ana, parenta de Padre Rolim. Outra figura de real importância histórica na região é a do Dr. José Pereira Freire de Moura, filho do abastado capitão-mor português, Antonio Pereira dos Santos, Freire de Moura estudou direito e matemática em Coimbra, passando a advogar no termo de Minas Novas. Por ocasião da Inconfidência Mineira ele que fora colega de Cláudio Manoel da Costa, implicou-se na revolta. Para não ser preso refugiou-se nas matas do Jequitinhonha. Escapando-se, mais tarde preta enormes serviços como intérprete de índios, orientador de condições físicas da região do Jequitinhonha. O Movimento Liberal de 1842 recrutou em Serro e Diamantina os principais combatentes, estrategistas e articuladores da revolta como o Dr. Antonio Tomás de Godoy incumbido de organizar o movimento no Vale do Jequitinhonha; o Dr. João Salomé de Queiroga para o Serro, Dr. Pedro Alcântara Machado para Diamantina e o vigário Antonio Gonçalves Chaves para Montes Claros. Com toda dificuldade para reunir forças os revoltosos conseguiram reunir em Mendanha um contingente forte comandado pelo serrano João Floriano Guieiro. A meta era atingir Minas Novas. Quando conseguiram reunir 600 homens, conta Marinho que os rebeldes se retiraram decendo o Jequitinhonha, para o Norte, indo juntar-se aos recrutas de Modesto de Almeida nas Vassouras e aos que em São Gonçalo do Rio Preto obedeciam ao mando de Francisco Vaz Mourão. Reunida a força sob o comando do ajudante de milícias Felisberto Soares Pais Leme, marchou para o Pé-do-Morro, onde foi encontrar-se com o deputado Alcântara Machado e forças do contingente de Antonio Felício dos Santos (o velho). (MARINHO, .1997) O serrano Teófilo Otoni, a figura principal da revolta teve que assumir o comando do movimento e coube a ele o confronto com Caxias. As forças do Jequitinhonha foram combatidas no Pé-do-Morro, na Serra do Mendanha. Com o declínio da mineração e o deslocamento do eixo econômico para o Sul de Minas, Zona da Mata e Região Central, com implicações imediatas no controle político e revezamento no poder. O Movimento Republicano só teve início, na verdade, após o Manifesto Republicano, no Rio de Janeiro, em 1870. Teófilo Otoni se declara republicano nas colunas de seu jornal "Sentinela do Serro". Os liberais do Serro e de Diamantina, na maioria, eram filhos e parentes dos revoltosos de 1842, a exemplo de Antonio Felício dos Santos, Antonio Olinto dos Santos Pires, Joaquim Felício dos Santos Coronel Josefino Vieira Machado, Teodomiro Alves Pereira, Carlos Honório Benedito Otoni, João Nepomuceno Kubitschek. No dia 14 de julho de 1889, comemorando os cem anos da Tomada da Bastilha e marco histórico da Revolução Francesa, o jornal o "Tambor", de Diamantina publicou manifesto republicano com assinaturas de representantes de toda a região Norte de Minas. A proclamação da República era desejada para que tivesse fim o centralismo que beneficiava apenas a Metrópole do Rio de Janeiro. O governo imperial e seus subalternos presidentes de províncias impediam execuções de projetos os que beneficiassem os interesses regionais. A primeira coisa que fez o Estado de Minas foi organização a instituição municipal que ganha força e mobilidade. Em torno dos municípios organizam-se as forças políticas regionais. O presidente do Estado começou a trabalhar com metas. João Pinheiro realizou em 1903 um congresso agrícola em que foram estudadas as peculiaridades de cada região. Incentivou a seleção de raças de gado de corte para a região Nortes de Minas. Após a Proclamação da República, a Guarda Nacional foi extinta mas continuava a distribuição de títulos honoríficos de forma consuetudinária. O povo outorgava aos que exerciam o poder econômico e político o título de coronel. Conforme Blondel, o coronel é caracterizado pelo poder político que ostenta, com a capacidade de manter sob seu controle, os redutos eleitorais, sendo a quantidade de votos a medida de seu poderio. Papel importante é o do cabo eleitoral a quem é atribuído o dever de controlar a massa eleitoral de modo a não permitir a evasão de votos. O cabo eleitoral é uma espécie de "vassalo" intransigente, disposto a lançar mão de qualquer meio para coibir a infidelidade a seu coronel. O coronel impunha à parentela uma disciplina férrea e confissões de absoluta fidelidade. (MOURA, 1983; 60) O poderio econômico do coronel caracterizava-se pela capacidade de explorar as imensas terras disponíveis, para manter o latifúndio de grandes lavouras ou pecuária extensiva. O agregado, substituto do escravo, não tendo outra opção, entregava o seu trabalho em troca da necessária proteção e do indispensável favoritismo oferecido pelo coronel paternalista. Essa ordem era mantida com a força do crime.. A Monarquia era centralizadora enquanto a República Velha (1889/1930) era regionalista. Começa por valorizar o distrito e seus lideres, depois o município e o Estado. Nesse período o Município e o Estado tiveram mais autonomia que em outros momentos. A verdadeira federação só quebrada com a Revolução de 30. É claro que a situação territorial dos municípios era diferente da de hoje. Eram freqüentes municípios com 12 distritos de enormes extensões territoriais, distando da sede do município até 200 quilômetros. Os bens e serviços públicos ficavam complicados. Complicava-se mais ainda a falta de transporte. Daí a luta entre o distrito e o município desde que a República contemplou o distrito com parte da renda do município, a formação do Conselho Distrital e com o poder dos coronéis com seu eleitorado fiel e submisso. Pedra Azul é um exemplo dessa política regionalista. O distrito, com o nome de Catingas, fora criado em 1880, subordinado ao município de Salinas. Em 1891 foi criado o Conselho Distrital de Catingas presidido pelo coronel José Ruas, sendo conselheiros Cassiano dos Reis, Adão Fernandes de Souza e Generoso Pereira de Oliveira. No ano seguinte, 1892, o Conselho Distrital encaminha à Câmara municipal de Salinas proposta de mudança do nome do distrito de Catingas para Fortaleza. Em 1899, ainda por iniciativa do Conselho Distrital foi criado o Ateneu Fortalezense, escola de nível médio, coisa rara em distritos. O Conselho Distrital, contando com parte da renda municipal preparou a emancipação ou elevação do distrito à categoria de município, ainda com o nome de Fortaleza (hoje Pedra Azul), pela Lei Estadual 556, de 30 de agosto de 1911, tendo sido nomeado o primeiro chefe do Executivo municipal o coronel João Lima Pires. (SOUZA & CORDEIRO, 1996; 25) Como narra Cruz, sobre os dois homens mais poderosos do município de Salinas, o coronel Romildo do Jatobá e o coronel Manoelão do Sangrador. Cada um desses mandões mantinha em suas fazendas um exército particular de jagunços, com mais de 50 homens armados de cada lado. Quem cometia um crime e era procurado pela Justiça nas redondezas era só chegar em uma dessas fazendas que tinha proteção. Na cidade ou no campo, qualquer pessoa, para sobreviver tinha que ser correligionária de um ou de outro coronel. Na primeira década do século XX os dois coronéis lançaram candidatos a presidente da Câmara Municipal de Salinas. O professor e farmacêutico Juvêncio apoiado por Manelão. Do lado do coronel Romildo do Jatobá foi lançado o fazendeiro Isaltino, um jovem de iniciante na política, de família rica e conservadora. Os dois candidatos angariavam apoio na malha do extenso município. O vigário Salu adaptou-se ao meio e tornou-se jagunço de Manoelão, sem deixar o sacerdócio. O certo é que o inexpressivo candidato de Manoelão, acabou ganhando a eleição pelo controle do eleitorado. Jubiloso Manoelão saiu pelas ruas da cidade acompanhado de seus comparsas, montados a cavalo e atirando pelo alto. Acontece que, sofrendo um ataque cardíaco, o coronel Manoelão caiu do cavalo e morreu em plena comemoração. Em seguida o coronel Jatobá passou a providenciar a renúncia do candidato vitorioso, professor Juvêncio. Como esse resistisse à pressão, Jatobá resolveu agir com a força. Contratou em Vitória da Conquista, na Bahia, um grupo de 150 jagunços. Pagava ao chefe do grupo uma boa quantia por pessoas adversárias assassinadas e garantia-lhe o "direito" de saquear casas e lojas e expulsar de Salinas seus adversários. Padre Salu não permitiu que Jerônimo fugisse e o persuadiu a resistir de arma em punho. Alegava que um cristão não podia fugir da luta. Convocou os ex-componentes da Guarda Nacional. Uma guerra no sertão com muita morte de ambos os lados. O eleito teve que se render para que nada menos que 300 pessoas não perdessem a vida. (CRUZ, 1995) Em 1928 o presidente do Estado Antonio Carlos, reuniu em Diamantina todo o Norte de Minas no congresso das municipalidades. As promessas de benfeitorias para a região e os conchavos políticos deram ao presidente do Estado enorme força na região. O coronelato continuava tenso em face do pressentimento de perda do poder com a formação da Aliança Liberal liderada por Antonio Carlos. Até a deposição de Júlio Prestes a 3 de outubro de 1930 os coronéis conservadores continuaram resistentes e poderosos como no episódio envolvendo o Vice-presidente da República Fernando Melo Viana e a famosa Tiburtina, em Montes Claros, quando Melo Viana, participando de uma passeata, foi baleado. A Aliança Liberal e a Revolução de 30 eram de interesse das regiões Central, Mata e Sul de Minas para as quais deveria florescer a vida urbana, industrial, com o poder para os bacharéis, em substituição dos velhos coronéis do leite, do boi e do café. Mas no Jequitinhonha e no Mucuri as chefias locais ficaram nas mãos de dignatários locais até a década de 60 do século passado. (ANDRADA, 1987; 21)
Referências bibliográficas
ANDRADA, Bonifácio de. Aspectos da Revolução de 30 e o papel de Minas. In: VI Seminário de Estudos Mineiros. Belo Horizonte: UFMG, 1987.
BARBOSA, Waldemar de Almeida. Os 250 anos de Minas Novas . Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte, N. XVIII, 1981.
CARRATO, José Ferreira. "Igreja, Iluminismo e escolas mineiras coloniais". São Paulo: Nacional, 1968.
CRUZ, Mario Ribeiro. Caso contado à sombra d mercado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
PEREIRA, Leopoldo. O município de Araçuaí. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1969. .
LOPES, José da Paz. Minas, o século XIX, Teófilo Otoni e progresso econômico. In: III Seminário sobre a cultura mineira no século XIX. Belo Horizonte: Conselho Estadual de Cultura, 1982.
MARINHO, José Antonio. História do Movimento Político de 1842. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: USP, 1977.
MORENO, Cezar. A colonização e o povoamento do Baixo Jequitinhonha no século XIX: a guerra contra os índios. Belo Horizonte: Canoa das Letras, 2001
MOURA, Antonio de Paiva. História da violência em Minas. Belo Horizonte: Autor, 1983.
SANTOS, Joaquim Felício dos. Memória do Distrito Diamantino. Belo Horizonte:: Itatiaia; São Paulo: USP, 1976
SOUZA, Maria das Graças Cordeiro & SANTIAGO, Luis. Pedra Azul: cinco visões de uma cidade. Pedra Azul: Prefeitura Municipal, 1996.
VASCONCELOS, Diogo de. História Média de Minas Gerais. Belo Horizonte: Itatiaia, 1974.
--------------------------------------------------------------------------------
Data: 13/02/2003
Fonte: asminasgerais.com.br
|
|
|