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Paulo Augusto de Lima
PASSAGEM

PASSAGEM

A casa,
o campo,
a água,
telas, tintas,
lápis, papel, cachaça, fumo do bão,
gengibre pra se mascar,
arroz integral com curry no fogão,
uma vela ritualisticamente acesa
e a noite densa de Minas avança
povoada de fantasmas.
Repica o sino da igrejinha de Passagem de Mariana
e os fantasmas da noite de Minas
gelam-me o sangue, arrepiam-me a pele.
Velhos fantasmas, conheço-os desde o berço,
fantasmas de barbicha ou cavanhaque,
engraçados fantasmas,
fantasmas com os ventos que enfunaram caravelas portuguesas,
fantasmas que chibatearam pretos
que batearam ouro à sombra do Itacolomi
e enriqueceram rapidamente
na vertigem do ouro
em que fostes nascida,
Minas Gerais.

Na noite, ao longe
apita o trem de Minas -
vem carregado de nostalgias,
carregado de paixão,
puxado por velha locomotiva diesel
dos tempos ditos modernos
e faz nos entrar pelas narinas
o cheiro das antigas estações
de óleo, de ferro, carvão,
cheiro antigo de passado,
RFFSA, Leopoldina, Rede Mineira, Central do Brasil,
apita ao longe, levando minério.

Seja às margens do São Francisco
ou do Rio das Velhas
ou nas cabeceiras da Mantiqueira,
tu és Minas Gerais
uma velha e decadente puta
com teu nariz de bruxa assustando o Brasil.
Hora te apresentas de moralista hipócrita,
esquecendo-se da liberdade,
hora de tradicionalista conservadora.

Poderá o mar do Espírito Santo te salvar?
Ou são em vão os uffanismos dos teus bacharéis de Direito?
Ó puta velha!
Já fostes inocente,
antes que abrisses tuas entranhas
para os primeiros homens que aqui chegaram
e o teu ouro os corrompeu -
Apelarás para a ativez do Itacolomi
enquanto Ouro Preto cai aos pedaços?
Ainda crês em teus políticos
com seus ternos cotidianos de suvaqueira fedorenta?

Ó camofa das tradições,
é hora de enfrentar o mundo -
Mas há a beleza de tuas montanhas:
Quando como disse Alphonsus
renascerás dos sonhos do passado
mais bela do que antes
para que teus espíritos fiquem em paz?
Ó Minas libertária!

E o trem de Minas apita na noite.
Noite, Noite,
Grande Noite



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