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PAULO ANDRÉ ALVES DE AMARAL - POESIAS
1
O GRITO.


Há um grito...
No meio das gerais
Nos canaviais
No centro das capitais.

Há um grito...
No meio dos cafezais
No ouro de Minas
Nos matagais.

Há um grito...
Na gente oprimida
No amor sufocado
No seio da vida.

Há um grito novo
No meio do povo.

Há um grito...
Grito das civilizações
No centro das religiões.

Há um grito...
Um grito tão duro
No meio do muro
Implorando eco.

Há um grito...


O GRITO II.


Há um grito...
Um grito alto
Na terra e no ar
No meio do asfalto.

Há um grito...
Dentro do ataúde
No sangue dos homens
No meio da saúde.

Há um grito...
No meio da solidão
Na liberdade omissa
Dentro da prisão.

Há um grito...
Num grande desafio
Nas águas da fonte
No meio do rio.

Há um grito...
No centro do plenário
No meio do discurso
No silêncio do salário.

Há um grito...
Um grito de esperança
Nas dores do parto
Na criança.

Há um grito...
Dentro de nós
Desiludido pelo eco
Sedento de voz.

Há um grito...


NOITE CLARA...DIA ESCURO.


É noite
O açoite da chibata
Assusta muita gente
Ainda mata.
É noite
O açoite da chibata
Ainda é permanente.

É noite
O açoite da chibata
Ainda mata.

É noite
O açoite da chibata
Traz a fome, a doença
E outros que não me
Atrevo a falar
O açoite da chibata
Vem com o salário
A religião, a cultura
Que ficam a desejar.


É noite
O açoite da chibata
Ainda mata.

É noite
O açoite da chibata
Cobre a escravidão
Fazendo o homem
Ver a noite no dia
E o dia na escuridão.

È noite
O açoite da chibata
Ainda mata.

É noite
O açoite da chibata
Cobre a farsa, cobre a dor
Cobre essa escravidão
Mostrando a falsa flor
De andar com os pés no chão
E ainda ter amor.


CHEIRO DE PÃO.

Perambula na noite
Alma penada
Depenada.

Passos sombrios
Ruas desertas
Mãos trêmulas
Luzes turvas.

Inocente sente o cheiro
Sonha, chora...
Há sempre uma brisa
Na noite sem pão
A fome é tamanha
Adormece no frio.

O vazio é horrível
A desilusão o acompanha
Jornais cobrem o corpo
Não acordem...

O desejo de pão quente
Alimenta a utopia
E as contradições da noticia
Esquentam...
A barriga vazia.

Pensamentos voam
Numa cabeça assim...
A realidade se torna alucinação
E a vida consciente
Ora demente...
Num simples
Cheiro de pão.


SONHO DISTANTE.


Crianças banharam
Em suas águas azuis
Que venceram paus
Pedras, montanhas...
Banharam mar
Que banhou mundo.

Hoje tem cor
De jenipapo maduro
Cheiro de fruta podre
Vestígios das cidades.

Aborta seus sonhos
Olhos choram...
Nasce a mais linda
Obra de arte
Entre lágrimas...
Vai banhar
Novas realidades
Entre o lixo dos homens.

Pobre rio
Pede socorro
Para que a arte
Não nasça...
Mas deseje banho
Nas águas
Que o mundo banhou.


VIRA LATA.


Cães
Viram
Latas
Latem
Lixo.

Fantasiam
Sonhos
Encontro
Com
Pão...
Seco.

Vagam nas multidões
Procuram quem lhe ofereça
Auxilio.

São cães do dia-a-dia
Cobras venenosas
Envenenadas na rodilha.

Homens que viram cães
Remexem latas
No lixo dos homens.

Cães e homens
Misturados
No mesmo lixo...
Perdidos nas mesmas
Ilusões...


MISCIGENAÇÃO.


Sou filho
Da terra
Dos engenhos
Da vida...

Sou filho
Dos engenhos
De uma terra
Esquecida.

Sou negro
Preto, branco
Sem cor
Eu sou...

Vou de engenho
Na vida
Filho da vida
Que tenho...

Da vida de engenho
De lenhador
Na dor
De uma vida...

MEU SONHO.


Na janela eu ficava
Todo mundo me via
Todo mundo passava
Mas só eu sonhava.

Todo dia a mesma agonia
Todo mundo admirava
Todo mundo olhava
Mas só eu sonhava.

Prantos e gritos
Daquela gente que andava
Todo mundo me via
Mas só eu sonhava.

Hoje acabaram os sonhos
Todo mundo está tristonho
Todo mundo me vê
Mas só eu sonho.


VIDA.


É a vida...
Torta
Louca
Vida.

É a vida...
Desse jeito
Certo
Imperfeito.

É a vida...
Ama, mata
Beija flores
Não como
Homem
Beija a amada.


É a vida...
Pobre, rica
Triste, alegre
Sensível vida.

É a vida.


LUZ NA JANELA.

Toda janela
Vê ruas
Pessoas
Luz
Mistério...

Nem toda janela
Sente beijos
Abraços, chegada
Despedida...

Toda janela
Tem luz
Olhar
Jeito...

Nem toda janela
Vê sombras
Madrugadas
Passos silenciosos
Amores reprovados...

Toda janela
Tem história
Caso
Atraso...

Nem toda história
Tem janela
Amor
Cor...
Flor
Para oferecer...

Toda janela
Tem sol
Que abre
Todas janelas
Todo dia...


FAMILIA.


Pais
Filhos
Separados
Na
Vida
Real.

Lutas
Desnecessárias
Vitórias
Perdidas
Sonhos
Amargos
solução
Na
Vida
Real.

Guerra
Nas
Estrelas
Computadores
Sem
Vida
Sorrisos
Tortuosos
Na
Vida
Real.



SEGUINDO.

Chuva
Chove
Inunda
Rios
Mares...

Enxurradas
Molham
Travesseiros
Cobertores...

Trovões
Relâmpagos
Barulham
Iluminam...

Soluços
Olhares
Atormentam
Reavivam...
Os
Sonhos
São
Tempestades
O sol
Brilha
A vida
Prossegue...


A CRUZ.

A cruz desceu
Sobre o mundo
Deixou campos isolados
Homens sem vidas
Mulheres abandonadas
Crianças desaparecidas.

A cruz fez o sol
Esquentar além do normal
Matar os animais
Poluir as águas, o ar
Ferir a terra
Aumentar o fogo.

A cruz não cessa
Os homens não assinaram
O tratado de paz
Com a pena do amor
No papel da vida.

A cruz sempre ativa
No caminho da humanidade
Dando risadas
Das decisões do mundo.


CONFUSÃO.


Luzes
Clareiam
Candeiam
Vaga-lumes...
Noite.

Fogueiras desertas
Feridas na terra
Torrão seco
Eco seco...
Garganta.

Assassinos...
Frias
Idéias
Confusas
Noturnas...
Sementes
Perdidas
Vagam...


DILEMA.

As almofadinhas
Exibem saltos altos
Nos degraus
Da igreja...
Uns comem
Pão dormido
Outros o mendigam...
Homens de boné
Rondam...
Não encontram
O que fazer...
Ditam nova ordem
Na concepção
De seus interesses...
Culturas que não
Se inculturam...
O mundo segue
Seu dilema.


O HOMEM DO MATO.
Olhe homem...
Quem sustenta esse mundo?.
Seu único troféu.
Lá vai ele torto d´um lado
Com seu instrumento
Nas costas um machado.

Lá vai ele...
Com a enxada
Por mais negra noite
Vai de madrugada.

Lá vai ele...
Carregando a foice
Nas curvas das estradas
Nas encruzilhadas.

Lá vai ele...
A caminho da lavoura
Matuto nato
Homem do mato
Carrega o mundo
Nos ombros.

Lá vai ele.
Solitário, com gargalhadas
Nas manhãs frias
Ganhar o pão
Base forte
Da vida...
Vai com alegria.

Lá vai ele...
Todo santo dia
Mesmo nas manhãs
Cinzentas
Segue sua trilha
Com objetivo
E muito orgulho
De agüentar
Esse mundo
Dia após dia.

E o sol quente
Sobre o chapéu
Lá vai ele...
Para onde?


MÂE TERRA.

O homem cativa a terra
Cultiva.
Planta, espera, colhe.
Cava a terra
Enterra sementes
Se não produzir num lugar
Em outro acerta.
Alimenta, exporta
Cansa...
Sempre acolhedora
Recebe a semente
Fecunda-a
Devolve o fruto
No tempo certo.
Seu ritual tem história
Nunca deixou de ser
Mãe...
Sustenta os seres
E deles se sustenta...
Para novas gerações.


O ESPIRITO DO VALE.

Espírito, espírito, espírito do vale...
Repouse sobre mim nessa batalha
Espírito índio, espírito afro...
Espírito de tantas mistificações!

Respire com teus filhos neste instante...
Força para golpear a cana,
Suportar a fuligem, a fumaça...
Afugentar as cobras, preservar a raça!

Buscar a vida nessas longínquas terras,
O sonho tão corrido nas diversas cidades.

Ah! Espírito... não fujas de mim!
Tantos sentimentos, tantas recordações!...
Não tires de mim o rio, a bateia,
Meu ouro escondido, minha roça!...

Espírito, espírito, espírito...não arranques o desejo
Da suave mente...espírito do vale!




AS MÃOS.

Mãos que afagam bonecas
Mãos que jogam bolas
Mãos que não vêem
O olhar que consola.

Mãos que ceifam trigo
Mãos que balançam berço
Mãos que contam em mistério
O mistério do terço.

Mãos que buscam fim
Mãos que deixam interrogação
Mãos santas e pecadoras
Mãos sem religião.

Mãos que vão para luta
Mãos que vão para guerra
Mãos estouradas de calo
Mãos que buscam terra.

Mãos que convivem
Em pouco espaço
Mãos que fingem
Ao dar o abraço.

Mãos que riscam lousa
Mãos que fascinam
Mãos que não sentem cheiro
Mãos que assassinam.

Mãos que não andam
Mãos que não lavam
Mãos sem o sexto sentido
Que se definham e se calam.

Mãos que correm em vão
Mãos que olham para trás
Mãos que se movem
E buscam paz.



LUXO OFUSCO.


Há morto
No apartamento
Vaga noite
Homem.

Há morto
No carro novo
Não perturbem...
No volante
No banco de lado
Atrás.

Há morto
Na igreja
No estádio
No jardim
Na feira
No banco
Na estação.

Há morto
No ar
No tempo
Sem vela
Sem caixão.

Há morto
Sem enterro
Sem vida
Sem pesadelo.

Há morto
Em silêncio
Assustando
A si mesmo
Em todo lugar.



O MEDO.

Tens medo de que? O real é deserto
Se o dia é amigo O inverso angustiante...
E a noite também, O medo persegue
Medo de novidade, Cada sentimento...
De intriga... Cria formas
Estrutura-se
Medo de ser feliz, Caminha na multidão.
De sofrer
Medo de ter coragem,
De não ter
Tens medo da vida,
E se a morte
Não te quiser?

Tens medo de sonhar
De viver sem sonho
De amar loucamente
De não ter amor
Medo de ser humano
De não ser.

Tens medo do desconhecido
E curiosidade de conhecer
Medo das trevas, da luz
Mesmo sem saber,
Se não conheces a vida
Como podes morrer?

Tens medo do trânsito
Do roubo, da fila
Da tempestade, da seca
Do pânico, do horror
Medo da dor...

Tens medo do medo
Medo de não ter
A vida não vale o esforço?
E se a morte
Não te quiser?

O real é deserto
O inverso angustiante...
O medo persegue
Cada sentimento...
Cria formas
Estrutura-se
Caminha na multidão.


LEMBRANÇAS.

Quando me lembro
Da casinha pequenina
Onde minha infância passei
Até hoje trago recordações
Da saudade que levei.

Oh! Casinha, como era linda
Trago-te na imaginação
Foste minha querida infância
Hoje és minha inspiração.


Eu me lembro até hoje
Do canarinho a cantar
Da árvore frondosa
Do teu lindo pomar.

Casinha pequenina
De janela sem varanda
Como era lindo o terreiro
Onde eu brinquei ciranda.

Casinha pequena pobrezinha
Trago-te nas coisas do coração
A felicidade que me deste
Não ganharia numa mansão.


MAMÃE.

Hoje depois de muito tempo
Senti cansaço e fraqueza
Senti angústia e dor
E um medo terrível
Lembrei de você minha mãe
Mamãe inesquecível.

Senti o peso dos anos
Senti como é a grande distância
Senti no peito o coração...
Lembrei com ternura
Dos teus abraços
E senti emoção.

Lembrei de papai e do trabalho
Diferente do que hoje faço
Senti o corpo em pedaços
Como um passarinho
Sem asa.

Lembrei de nossa cidade
Mamãe, senti saudades
De casa.


INFÂNCIA.

Nuvem docente
Pouco estranha
Ensinou-me
Caminhos diferentes
Escondeu-se
Atrás da montanha.

Tão rápido
Minha infância
Tanto pude aprender
Tempos de criança
São santos
Mas é necessário crescer.

Mesmo que depois
Venha a tristeza
E a gente vai chorar
Vale as lágrimas
Tudo vale
No ato de recordar.

A infância é tão rápida
Passa sem a gente perceber
Como uma nuvem sábia
A lição do saber.
São heróis aqueles
Que aprendem
Com ela viver...


ILUSÃO.



Olhei para o céu
Vi o mar
Para o mar
Vi o céu...

No jardim
Meu amor
Na natureza
A brisa...

No rio
Os peixes sorriam
Na rua
As crianças festejavam...

Vi no meu espelho
Homens felizes
Cavalgando e m carruagens
De ouro.

Há dia que olho
E vejo tudo
Há dia...
Não vejo nada...



EXISTÊNCIA.


Afinal
Chegou a noite do fim
Tão mansa e distante
Exitante...
Mas vai saber
Sutil e misteriosa
Ansiosa, apaixonada
Curiosa...
O enredo se perde
E o fim se inicia
Nas primícias
Do existir...


ENCANTO.


A poesia
Nasce, cresce
No sangue...
A poesia mais linda
Está na alma...
A poesia vive
Nas aves
No vento
No tempo
Na vida...
No papel ainda virgem...
O espaço é da poesia
A poesia mora
Em seu encanto...
Impenetrável.
A cada momento
A cada instante
A poesia surge...


INSPIRAÇÃO.


Numa noite dessas iluminadas
Que a lua cheia surge
E o peito tenso nas pancadas
Que o coração em verso urge.

Nossos olhos se cruzaram
Ardentes de desejo
Num susto se olharam
Calando-se num beijo.

A natureza por testemunha
Impulso do mais forte
O amor era a cunha
Da inesperada sorte.

O silêncio entre nós
A falar como os sábios
Úmidas lágrimas, salgadas
Nos trêmulos lábios.

Nossos dedos a distanciar
Como a alma do corpo
O sonho distante
No momento pouco.

Só a sombra da ilusão
No infinito
E o poeta recostado na paixão
Calando d´alma o grito.


VERSOS.


Escrevi no meu verso
Toda intensidade sofrida
Nas entrelinhas a embriaguez
De minha ignorância contida.

Queria no meu verso
A paixão de um suicida
Que entorna na garganta
O líquido ardente da bebida.

E aprecia com paciência
As acrobacias da fumaça
Que depois de segundos
Tudo queima, tudo passa.

Ainda assim é feliz
No vício sem medida
Sabendo que em pouco tempo
Joga fora a humilde vida.

Assim queria o meu verso
Mas ele vive na estupidez
Numa hora embriagado de indecisões
N´outra repleto de lucidez.


UM POETA... UMA BUSCA.


Um poeta segue... Um poeta segue...
Passos silenciosos Atrás ninguém
Luz na janela Na frente vazio...
Voz, espanto... Seu corpo lento no vento
Gemido do vento Segue...seus passos
Noite. Nos descompassos
Assusta consigo Do tempo.
Folhas no chão
Pensamento distante
Solidão. Um poeta segue...

Um poeta segue...
Seu caderno na mão
Busca palavras para uma obra
Mas elas não são
Homens nem animais
Não aceitam opressões
Chicote ou laço...
Com caminhos incomparáveis
Seguindo um próprio traço.

Um poeta segue...
Como outro qualquer
Olha as nuvens, imagina, sonha...
Um amor talvez.

Um poeta segue...
Persegue palavras
Como garimpeiro, pepita...
Um momento é único
Jamais se repita.

Um poeta segue...
Mas uma palavra
Pode se terna e arisca
Acolhe e espanta
É sustento do discurso
E trava da garganta
Numa hora aterroriza
Noutra hora encanta.


Um poeta segue...
Atrás ninguém
Na frente vazio...
Seu corpo lento no vento
Segue...seus passos
Nos descompassos
Do tempo.


Um poeta segue...


O FERREIRO QUE NÃO É DE FERRO.

José ferreiro é tímido
Família grande pra criar
Rumina a ciência
De escassos elementos.


É manso, fala pouco...
No seu cotidiano
Domina a têmpera
Mas foge as palavras.

A labuta começa de manhã
Não tem hora pra terminar
O cansaço parece não existir
As lagrimas caladas
Ninguém percebe.

A ferradura que ferra
O homem sente o calor
A matéria se transforma
Em suspiros de dor.

A labareda enorme
Fagulhas sem fim
A forja geme
O estalo do carvão.

O fogo derrete
A água equilibra
A terra... forma exata
A ferramenta candente
Empanada.

A bigorna gorda
A tenaz esperta
O torno de boca
Aberta...
A marreta nas mãos
Molda o ferro.

O gibão de couro
Cobre o peito nu
O braço firme
Forja o pão...
O aço
Talha a vida.


A MARIA QUE NÃO É SANTA.

Maria acorda
Às cinco horas Sempre deita depois
Remexe o borralho de todos...
Atiça fogo Na sua simplicidade
Prepara o café. Tem forças para
Sorrir e rezar...
Labuta com os filhos nunca se lastima
E coisas da casa chama - se Maria
Rala mandioca e, no entanto...
Faz beiju não é santa.
Amassa o milho
Assa pamonha
Colhe o andu.

Cuida das criações
Ajuda o marido
Na roça
E ainda tem
No rosto
Bastante alegria.

Lava a roupa
No rio...
Faz do lenço
A rodilha
Sabão preto
De decoada
Trouxa imensa
Quarando suor.

Maria tem a pele
Queimada pelo sol
Mãos calejadas
Olhar distante
Sabedoria.

E quando tem missa
Sempre chega atrasada
Primeiro arruma
Os outros...
Tem pouco tempo
Para si.



O JOÃO QUE NÃO É DE BARRO.


João macaqueiro
Levanta cedo
Coloca a enxada
Nos ombros
Os apetrechos
No bornal.

Caminha desengonçado
Atravessa o lajedão...
E quando os primeiros
Raios do sol
O alcança
Sua sombra agiganta-se
Pelo sertão.

João é emburrado
Crespo
De muita valia
Trabalha de fazenda
Em fazenda
Dia após dia.

João lavra
A terra alheia
Sem esperança
De ter o próprio
Chão...
Encabulado
Com o destino
Sem discutir
A razão.

O suor e cansaço
Não o desanima
Remoendo
O cigarro de palha...
Lutando pros filhos
Não seguir a mesma
Sina.

João é neto
De Luzia benzedeira
Lavadeira de profissão...
Mas também destala
Fumo...
Descaroça algodão.

João é filho de Tião
De igual labuta
E sorte
Trabalhador de mãos
Grossas
Empobrecido até
A morte.

Mas à noitinha
No terreiro
Do ranchinho
Beira chão...
Os meninos
Fazem algazarra
Esperando por João.