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OFICINA TAMBORZEIROS E O GRUPO DE CONGADO



OFICINA TAMBORZEIROS E O GRUPO DE CONGADO DE CHAPADA DO NORTE

Mestres: João Antônio Machado (João Preto)
Eva Alves Machado Luiz (Eva de Misericórdia)

As tradições e as crenças são formas de manifestações que um povo tem para compreender o mundo em que vive. Elas são percebidas no artesanato, na alimentação, na religiosidade, nas danças, nas vestimentas e em todas as realizações da vida. Em Minas, as tradições se misturaram, dadas as marcas de diferentes povos que contribuíram na sua formação. As maneiras de se fazer arte passaram por constantes recriações. Assim, o artista mineiro do século XVIII, foi buscar em sua vida cotidiana, modelos para representar os ícones da igreja católica. Santos e anjos tiveram suas faces inspiradas nos moradores das Gerais, reinventando o barroco às condições existentes na Colônia. Pode-se dizer que este ato é uma forma de quebrar a rotina. É a partir desta quebra da rotina que se instala o fazer com arte, porque abre espaço para o princípio do prazer. Esta recriação está presente no folclore, nos folguedos populares, como no congado da festa de Nossa Senhora do Rosário de Chapada do Norte e o grupo de Tamborzeiros.

João Antônio da Costa Machado, 56 anos, natural de Chapada do Norte, é o Capitão do Grupo de Tamborzeiros. Seu pai, Vicente Machado, foi agricultor, ceramista e açougueiro. A mãe era lenheira e lavadeira. Criou dez filhos, conforme relata João Preto, como é conhecido por todos.

"José Machado e Dona Generosa, meus avós, me ensinaram a cantar. Ele foi o maior tocador de caixa daqui. Sou tamborzeiro desde que nasci. A tradição de tocar tambor é antiga. Vem da Irmandade do Rosário quando Minas era Colônia. Com o tempo, veio a viola. Com a viola, o congado. No meu tempo de menino, o congado tinha doce, angu e tambor. Depois acabou. No começo de 80, apresentou-se aqui o Congado de Minas Novas. O povo agradou e disse: nós temos tambor, mas não temos congado. Foi quando Dona Eva fundou esse congado que taí. Ele é novo, mas o tambor é velho Na minha arte, são três tambores que se apresentam: tem o chama - a festa começa por ele. Eu canto: 'Senhor Benedito olha lá. Você mexe comigo devagar'. Aí entra o surdo, e o povo canta: 'Benedito é preto, pretinho. Benedito é preto, pretinho'. Então toca o condombo. Todos entoados na música. E assim vai com ritmo e vontade".

O grupo é formado por seis tamborzeiros, tendo à frente dois capitães, um puxador, um roncador, além de dois chamas. Uma mulher também integra o grupo: dança no ritmo das músicas equilibrando uma garrafa de cachaça na cabeça. Afinam os instrumentos molhando as mãos na cachaça e passando sobre os tambores. Cantam inúmeras músicas, algumas bastante antigas do tempo da escravidão; outras improvisadas na hora. João Preto defende a importância de suas tradições. Reafirma a seriedade com que sua família preserva aqueles conteúdos, e articula raciocínios, nos quais estabelece relações entre os tamborzeiros e a vida social. Além das práticas culturais marcadas pelo som dos tambores e pela dança, as letras das músicas nos informam que há uma ética sendo transmitida, o respeito às coisas sagradas, mas também a solidariedade grupal.

"Não conheço história de revolta aqui. Chapada era distrito de Minas Novas. Sei que a escravidão acabou, mas o povo continuou escravo. Nunca tivemos um prefeito negro. O pai da minha mãe chamava Antonio Calombinho. O pai de meu Padrinho era Zé Calombinho. Esse povo veio de Itamarandiba, que é, segundo dizem, o lugar que mais chegou negros da África, no tempo da escravidão. Acho que eles ganharam este apelido por conta de terem vindo de algum quilombo entre Itamarandiba e Santa Cruz de Chapada, que é o nome antigo daqui. O povo conta que era uma vila, mas acho que era um quilombo mesmo. Mas é nas letras das músicas que se percebe a revolta. Veja só o que se canta até hoje: 'Mariazinha, de madrugada eu chamo ocê/ Tem poico pra nós tratar/ Tem cana pra moer/ Quatro laço pra nós bater'. Tem outra que é assim: 'Palmatória quebra dedo/ chicote deixa vergão/ Cassetete quebra costela/ mas não quebra opinião'. Por isso é que eu falo num português claro: tambor pra mim é religião. Uma religião de cor negra ".

A festa do Rosário de Nossa Senhora de Chapada do Norte, assim como em outras cidades mineiras, está vinculada a grupos negros que realizam os autos populares conhecidos pelo nome de Congado. Por essa ligação aos negros, o Congado se tornou também uma festa de santos de cor, como São Benedito e Santa Efigênia. O traço decisivo que criou o Congado, durante o período colonial, deve-se ao processo de interpenetração cultural: de um lado, o modelo religioso do branco; de outro, a recriação do negro. Eva Alves Machado Luiz, 51 anos, fundou, há quinze anos, o congado Beneficente de Nossa Senhora do Rosário, antes chamado Congado da Misericórdia, e vem lutando para manter viva a tradição. Lavradora, foi professora na zona rural durante nove anos.

"Meus pais eram trabalhadores do campo. Nas horas que podiam, bateavam ouro no rio Capivari. A lavra ajudava na alimentação, porque a lavoura não dava tudo. Minha mãe fiava algodão, fazia farinha e a lida da casa. Ela teve treze filhos, mas restou apenas eu e Adão, nome que ganhamos por conta da crença de se batizar com estes nomes, quando muitos filhos morriam. De fato, só nós dois restou. Casei-me e morei uns tempos em São Paulo, mas voltamos logo. Hoje, como meus pais, trabalho lavrando o campo, plantando e colhendo os frutos disto".

Eva conta que desde criança gostava de ir com o pai para os forrós, onde aprendeu a dançar o nove, o caboclo, roda morena, roda de cepo, catiras e danças soltas. O congado que dirige já teve cinqüenta figurantes. Atualmente são quinze pessoas. O grupo, apesar de ser conhecido como congado, faz na verdade um apanhado de antigas cantigas de roda, de viola, catiras como a dança do nove, o caboclo, mangangá que cantam e dançam acompanhados de pandeiro, sanfona e viola, e também pelos tamborzeiros. "Sei que o nosso Congado fica a dever aos outros em tamanho e modo de fazer. Gostaria de um dia poder contar a história de Nossa Senhora do Rosário, que um dia apareceu no mar e só voltou à terra por misericórdia aos negros. Este teatro que é o congo fala de religião, mas através dos cantos lembram também os problemas sociais dos negros. Na festa de Nossa Senhora do Rosário, maior festa folclórica que conheço, acontece uma coisa que gosto muito: os negros tornam-se reis, rainhas e tomam as ruas com sua alegria. Apesar de tudo, nós temos a paz e a alegria que é pensar o bem de todos".