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QUERIDA ANA VITÓRIA
Querida Ana Vitória

Eu e o Lucas estamos com saudades de você! Saudade é um jeito um pouco triste de ser quando estamos longe das pessoas que amamos. Outro dia fomos passear numa cidade bem pequenininha com o nome engraçado de Curumataí. Ela é bem bonita: tem uma igreja antiga e branquinha erguida ao pé de um monte, casas com telhados que mais parecem cascas de árvores, e grandes mangueiras onde moram lindos passarinhos: uns verdes, alguns laranjinhas, outros bem pardinhos. De manhã, depois da chuva que caia todos os dias, o mesmo ato: o sol surgia lento e exato, iluminando tudo na cor escarlate. O Lucas se divertia molhando o nariz com a água da chuva fria que ainda descia em gotas das folhas de um abacateiro.

Mas o que o ele mais gostou foi de um riozinho calmo que passa pela rua principal: a água é da cor de mel, mas limpinha. Foi nela que o Lucas molhou os pés e brincou com os barquinhos de papel que eu mesmo fiz para ele. Apareceram também um beija-flor serelepe e um marimbondo esperto que deram vôos razantes na beira do riachinho e na cabeça de seu priminho, que de espanto, gritou: mamãe! Vimos também muitos cavalos agitados, porquinhos barulhentos, galinhas e perus cheios de penas coloridas. O Lucas gostou muito de umas lindas borboletas azuis e amarelinhas que voavam sobre o verde da grama e dos jardins com flores e, depois, sumiam! Acho, Ana, que elas procuravam o fim do mundo. Você gosta de borboletas?

Curumataí estava em festa e por isso havia muito barulho: foguetes fazendo estrondos, vozerio das pessoas, música e cantorias por toda a parte. Mas eu e o Lucas não gostamos muito de barulho. É que ele não deixava a gente ouvir a voz das plantas e dos bichinhos! Descobri nesta viagem que o Lucas também ama a natureza, assim como eu: a terra molhada de chuva, os riozinhos escrevendo emes no chão, as árvores encostando as folhas no céu e os ventos fresquinhos que sopram nossos cabelos. Acho que os ventos têm muitos amigos como o sol, a lua, as estrelas e as meninas bonitas como você.

Quando eu tinha sete anos fiquei amigo de um vento. Sabe como foi, Ana? Eu estava muito triste porque um dente meu ficou bambinho até cair. Não adiantou minha mãe dizer que ia nascer outro novinho, pois eu queria era que aquele dente que caiu voltasse para o seu lugar de sempre. Então, resolvi ficar triste. Entrei no meu quarto, fechei a porta e sentei no chão, sem fazer nada, calado. Depois de algum tempo ouvi um barulho na janela. Olhei com atenção, mas não vi nada. De novo o barulho. Decidi abrir a janela. Foi quando entrou um vento fazendo uma algazarra danada, trazendo coisas de fora, virando as folhas do meu caderno, soprando tudo que encontrava, até meu cabelo que ficou todo arrepiado. Quando me olhei no espelho do armário, e vi meu rosto, o cabelo espetado prá cima, dei uma grande risada que mostrou até o dente falhado, o que me fez rir mais ainda de mim mesmo e de toda aquela farra que o vento fazia. Quando ele se foi percebi que me deixou um presente: uma linda margarida que veio de algum jardim por onde ele andara antes. Tinha no centro uma polpa bem redondinha de cor amarelada e, ao seu redor, pétalas bem branquinhas, menos uma onde faltava uma folhinha, que nem o meu dente que caíra. Porém, mesmo com uma folhinha a menos a margarida era bem bonitnha. Por isso, linda Ana, toda vez que fico triste, lembro do meu amigo: o vento alegre.

Resolvi te escrever para contar estas historinhas e também um poeminha que fiz para você. Chama-se:


O vento amigo

Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio!
Quanta gente abre janelas,
E só vê o seu umbigo!
Quando a janela precisar abrir
Deixe entrar o vento amigo,
E tudo, garanto, vai ficar bem diferente.
Vai soprar sombras cinzentas
E em sem seu lugar,
Confusão de gente contente.

Até o nosso próximo encontro,

um beijo do Carlos

De tão longe, 22 de fevereiro de 2003