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ASSIM FALOU O POETA |
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ASSIM FALOU O POETA
Dedicado ao Poeta Paulo Augusto de Lima
Abertura
Lua: Por que estamos sempre sozinhos, Sol? Sol: Não sei, sempre foi assim! Eu chego, você vai! Lua: Vejo você chegar pela névoa da madrugada quando tudo começa a deslizar gestos de prata. Sol: Você sempre tão mansa! Lua: Você sempre com pressa! Sol: Por que você prefere a noite? Lua: Gosto de inspirar os amantes, reger as marés e a seiva das plantas. Mas, e você, por que prefere o dia? Sol: Gosto de despertar as pessoas, indicar os caminhos, iluminar os campos e as cidades. Lua: Mas assim não vê o fundo dos rios! Sol: Gosto da superfície das águas. Mas por que você é quase sempre noite? Lua: Tenho fases, Sol! Fase de andar escondida, fase de vir para a rua, fase de ser sozinha. Mas às vezes sou dia! Agora, você nunca é noite! Sol: Por que você não quer ser minha? Lua: No dia de alguém ser meu, não é dia d'eu ser tua! Sol: E este dia, quando chegará? Lua: Quando você Sol permitir que eu mostre meu brilho! Sol: Tenho que ir. Boa noite, Lua! Lua: Até mais ver, Sol.
Ato 1
Rex: Bela, querida, por que estás tão triste? Bela: Porque me sinto sozinha, Rex. Você não me ama mais. Você ama o seu reflexo. Rex: Bela, juro por essa lua que coroa de prata as copas das árvores... Bela: Oh! Não jures pela lua. Jures pelo sol que parece contigo: faz tudo virar deserto. Rex: Mas, querida, onde há luz há sombra! Você sim, se parece com a lua! Sempre tão inconstante. Igual ao amor que tens por mim... Bela: Sim, sou como as fases da lua. Não sou somente um pedaço arrancado de tua costela. Para compreender-me tem que ver todas as fases! Rex: Você me condena à solidão. Mais se parece com Eva! Lembre-se, foi você quem me ofereceu a maçã! Desde então, onde está meu paraíso? Bela: Ora Rex, ao paraíso se chega buscando realizar um destino! Você não consegue ver o fundo do rio onde esconde meu coração. Rex: Mas o meu amor por você nada exige e nem pede. Nada espera... Bela: Se tu me amas, deixe-me voar como os passarinhos... Rex: Mas o meu amor por você não pode viver de si mesmo! Pede a tua presença, não o cultivo alheio... Bela: Rex estou na minha fase de ser sozinha de novo... Adeus. Rex: Adeus? Mas, quando te vejo de novo? Bela: Quem sabe na névoa de alguma alvorada! Serei a última estrela pálida que sobe.
Ato 2
Rex: Oh! Adeus! Adeus contentamento! Oh mal, como entras rapidamente no coração dos homens apaixonados! Que noite sem luz. Minha querida Bela, o que farei sem ti? Oh flor selvagem, tão adoravelmente bela e cujo perfume tão suave embriaga os meus sentidos. Só me resta morrer no fundo deste rio... Vou pular: saio da vida; entro para a história... Fred: Cocorico... Cocorico... Mas o que é isto, seu Rex? Ah, já sei. Vai dar um tibum pra refrescar o rabo n' esta água, né seu Rex? Rex: Mas que falta de compaixão, não vê que eu estou morrendo de solidão? Fred: Solidão? T'ou entendendo. Sua vida agora mais parece letra de pagode! "Vem, vem um bem, ou morro se você não vem. Vem, vem meu bem...". Rex: Ó galo burro só! Não vê que eu estou sofrendo por amor? Fred: Seu Rex, já que o senhor vai pular, será que o senhor me dava aquela camisa amarela que o senhor usou no último natal? Rex: Mas que camisa? Que natal? Fred: Aquela com o pano da Industrial? Rex: Ó rapa, não vê meu desespero?
Toca a sirene da polícia. Entra correndo o macaquinho.
Ato 3
Valdizon: Vamos Júlio, dê rumo ao teu caminho! Julinho: Mas Mestre Valdizon, o senhor é um sábio, eu sou apenas um pobre rapaz latino-americano sem dinheiro no bolso? Valdizon: Você não é um saco de batatas, rapaz! Julinho: Mas... Valdizon: Você quer ficar como este cachorro idiota? Julinho: Mas Mestre Valdizon, ele está tonto de amor! Valdizon: Que amor? O amor é apenas uma invenção humana! Julinho: Invenção? O amor é uma invenção? Valdizon: Claro, assim como o homem inventou o avião, o computador, o futebol, as boas maneiras... Julinho: Mas Mestre, o amor é um sentimento! Valdizon: Ba é apenas uma habilidade. Julinho: Habilidade? O amor? Valdizon: Sim, é uma habilidade como aprender a dançar, colecionar discos, falar mentiras! Julinho: Mas, Mestre! Valdizon: Aprenda: tudo o que é reto mente. Toda a verdade é curva. O próprio tempo é uma curva! Julinho: Nossa! Valdizon: Enquanto o supercapitalismo pós-puritano chupa o sangue dos neo-empregados, este cachorro bobo morro por amor! Acorda, bicho doido. Julinho: Tadinho Mestre. Valdizon: Tadinho tatá. Ora bolas. E você? Afinal, vai ou não vai? Julinho: Vou... (corre e chuta um balde) Ato 4
Bia: Você viu que coisa horrorosa? Lia: Pois é menina, este cachorrão não se manca. Leva vida de Don Juan. Agora está dando de cima daquela minhoca outra vez! Bia: Minhoca horrorosa. Lia: E o porco? Bia: Horroroso! Lia: Você viu? Ele chutou o balde, menina? Bia: Chutou o balde. Que coisa horrorosa. Lia: Influencia daquele filosofo de araque. Bia: Filosofo horroroso... Lia: E olha quem vem ai! Aquele cafajeste do pato! Bia: Pato? Pato horroroso. Lia: Está traindo a mulher com aquela vigarista da farmácia! Bia: Farmácia horrorosa.
Ato 5
Tó: Eta bicharada futriqueira! Gilda: Ai Tó, fala baixo, num chama a atenção! Tó: Calma gata. Está tudo beleza. Gilda: Beleza? Quando é que você vai largar sua mulher para viver comigo? Não agüento passar mais um natal sozinha! Tó: Calma amor. Você sabe, ela tem problemas! O que você quer ganhar de presente no natal? Gilda: Um jardim, querido. Sabe, toda mulher apaixonada deveria ter um jardim para namorar seu amor. E você, o que quer ganhar? Tó: Uma montanha, querida. Todo homem apaixonado deveria ter uma montanha para passear com seu amor. Gilda: Fico pensando que a maior tragédia na vida de uma pessoa é não ser amado. Tó: Conheço uma tragédia maior! Gilda: Maior? Qual amor? Tó: Minha mulher, do outro lado da ponte! Corre...
Ato 6
Gugú: Olha a baixaria! Gal: Mor, você leu o meu horóscopo hoje? Gugú: Não Chuchu. O que pintou? Gal: O Sol cruza com a Lua quando o planeta regente é Netuno! Gugú: É mermo Gata? Gal: Podes crer, bicho. Gugú: E o que rola? Gal: Rola que vou estar no meu paraíso astral, Mô! Gugú: É mermô? Que barato Gata! Gal: Só que tenho que transar umas cositas. Gugú: Pó, que legal. Que cositas? Gal: Tenho que usar um perfume de acácia, vestir com cores de anil, comprar uma ninféia... Gugú: Ninféia, Gata? Gal: É a minha planta da sorte! Meu melhor dia será segunda-feira, a pedra é ametista e o meu elemento é água! E sabe qual é o meu verbo? Gugú: Qual? Gal: "Eu peço!". Gugú: Pede o que? Gal: Eu peço é o meu verbo. Super positivo, né? Gugú: Pó, bárbaro. Gal: Tem mais uma cosita! Gugú: Que cosita, Mô? Gal: Meu bicho da sorte vem ai! Gugú: Seu bicho da sorte sou eu, Mô! Gal: Não querido. Os astros dizem que o meu bicho da sorte é o elefante!
Gal e o Elefante saem da ponte dançando
Ato 7
Papagaio M: Me encosta a mão de novo que você vai ver? Vem, me encosta! Papagaio F: Você é um bobo. Custava me dar um pouco de pipoca? Papagaio M: Custar? Custar não custava, mas quis e pronto. E tou te avisando: se me encostar... Papagaio F: Até parece quer é gente. Deixa meu pai chegar... Vou contar para ele que você me bateu... Papagaio M: Bati? Quer mais um tapa? Papagaio F: Quer saber: você não é meu irmão não. É tão diferente: gordo, baixo e muito verde! Papagaio M: Coitada de você! Prefiro jogar a pipoca no milho a te dar um grão. Papagaio F: O que? A pipoca foi comprada com o dinheiro do meu pai, nanico. Papagaio M: Agora já era. Lembra da jujuba que você não quis me dar? Papagaio F: Lembra dos chicletes que você me negou? Papagaio M: Lembra da minha coleção de figurinhas do Pokémon que você jogou fora? Papagaio F: Lembra da minha coleção de papel carta que você também jogou fora? Papagaio M: Caipira. Papagaio F: Gordo.
Toca a sirene da polícia. Entra correndo o macaquinho.
Ato 8
Rui: Quer morrer? Rex: Bem... Rui: Vamos juntos... Rex: Juntos? Mas eu não quero... Rui: Juntos. Adeus mundo cruel... Rex: Ora, vamos! É preciso confiar no futuro. Rui: Futuro? Rex: É preciso confiar. Rui: Confiar? Rex: Sim, meu rapaz. Nossa terra tem palmeiras. Rui: Mentira virou tudo lenha. Rex: Nossos vales têm mais flores. Rui: Mentira! Venderam tudo. Rex: Olha que rio lindo! Rui: Está todo poluído. Eu vejo bastante lodo, um sapato e uma caneca velha. Rex: Eu vejo também estas coisas, mas vejo também uma linda lua refletida. Rui: Mas é uma lua muito bonita! Rex: Não é a lua! É... um... disco... Rui: Voador...
Desce o disco. Todos os personagens se amontoam na ponte.
Ato Final
Rex: Mas quem é você? Poeta: Não sou um burocrata. Sou um artista. Não um profissional liberal. Sou antena da raça, romper obstáculos, saltar fronteiras, esse é o nosso destino absoluto. Sou dessa gente que às vezes traz desordem, porque é necessária a esperança. Fred: Mas o que traz para nós. O que devemos fazer para merecer o mundo? Poeta: Existir, continuar convivendo com a dor do mundo e a nossa própria dor. E não há outra solução: continuar, existir, sentir no peito a emoção de estar vivo, caminhando no frio do poente, olhando as crianças que brincam e sorriem inocentes. O homem também é figura amorosa, capaz de ternura, de grandes gestos, apesar de fazer a guerra e deixar que a fome cresça. Cria, faz arte, se emociona, o que o coloca além da mera estupidez e da ignorância pretensiosa. Faz versos, pinta, compõe e toca, faz filmes, inventa, planta. Das cavernas avança tecnológica e cientificamente e não só destroe mas ama a natureza. Continuar existindo, no poente, em outros poentes, o céu vermelho e a escuridão que vem, avançando sobre o mistério do mundo. Rex: Poeta, o que fará por nós quando voltar ao infinito? Poeta: Risco uma estrela no céu, atento a Deus, pelo pão dos homens.
O disco se eleva
Todos: Risquemos uma estrela no céu, atendo a Deus, pelo Bem dos homens!
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