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MISTURA DOS TEMPOS
Mistura dos Tempos
(p03)
Por entre magias e terrores da noite
Há um convescote,
Ou será um congresso de vampiros
Em meu quarto.

Após se equilibrarem
Nos fios de alta tensão
E entrarem pela janela
Ou atravessarem paredes,
Lá estão eles em constante mutação.

Que fascinantes e aterrorizantes,
Que maravilhosos e horrorosos,
Máscaras mutantes.
Poderia se pensar que saíram de filmes,
Em meio a efeitos especiais,
Mas é tudo ao vivo
E vieram vampiros de todas as partes do mundo
E eu os recebo entre atônito e maravilhado
E nos comunicamos em vários idiomas
E outras formas de comunicação.

Não será esse sol
Que agora brilha
Nos aquecendo ao meio dia,
Em meio a um gostoso vento
Que me fará esquecer de tudo.
Não me esquecerei de nada.


(p04)
Amigo - Amiga
Onde está você?

Em que lugar do mundo
Em que beco de Ouro Preto,
Entre que luzes, em que taberna?
Esse cigarrinho temperado
Com coisas da Indonésia,
Como se estivéssemos de repente em Paris,
Ou Londres ou Bulgária.
Vampiros de todas as partes,
De todas as noites, de todos os cantos,
De todas as fechaduras, azuis,
Terríveis azuis, de borboletas, morcegos,
Fios diáfanos, fios negros dourados,
Fios de cristal, atirados ao vento,
E que docemente
Explodem nas costas de nossa mão
E alguns aparecem como gigantescas figuras
A examinar nas encostas,
Pés na estrada,
A textura poética e mágica
Dos fios que envolvem a terra,
As pequenas folhas da terra,
Tocando-as e separando-as delicadamente
Num exagero extremo
De anjos do senhor.

Já não sou eu,
Já sou todos
E todos sou eu
E eu os reconheço aqui, acolá,
Agora e sempre.
Ah! Os castelos da Baviera,
Os jardins da Babilônia,
As masmorras libertas da Europa Central,
As estradas escuras
Em torno a Ouro Preto e Passagem de Mariana
Onde flashes de luz vermelha neon
Aparecem à nossa frente
E multidões jazem sentadas à beira da estrada
Em meditação extensa e profunda,
Vestidas de branco e prata
E tão concentradas
Que a palavra torna-se impossível
E com seus chapéus e roupas
Enfeitadas de tal maneira,
Que nem chineses,
Mas só Deus poderia conceber.
(p05)
E o céu tem uma luz
Profundamente tenebrosa,
Não é rosa nem sangue nem dourado
E nuvens as há e o escurecem
Enquanto flashes de luz vermelha-neon
Que espoucam à nossa frente
Fazem da noite uma noite de espanto.
Essa não é a lógica normal das coisas,
Não é a dimensão normal dos fatos,
Não é a lógica cotidiana ou da burguesia
Ou de um tênis furado,
Ou do dia-a-dia dos operários,
Ou do do pensamento cartesiano,
Ou do contrato social
Ou de um festim qualquer.

Mas antes de uma dimensão
Além de Dante,
Além da Igreja Católica,
Além da mera morte,
Porque há estrelas no céu, (p05a)
Neste céu tenebroso
Porque tem de haver estrelas no céu
Que não é sangue nem rosa nem dourado
E o chão é absolutamente escuro
Que inevitavelmente tropeço e caio.

Me levanto e volto a caminhar
E eu caminho,
Porque tenho de caminhar
Nem que sejam cem mil quilômetros
E mesmo que o corpo sofra
O cansaço não há de me vencer
Porque para isso fui feito,
Para isso existo,
Enquanto mais um flash de neon vermelho (p06)
Explode em nossa frente
E o céu que nenhum pintor ainda pintou
Confere à paisagem e ao momento
Uma dimensão nunca sonhada.
(p07)
E eu me levanto
Nessa noite explêndida com meus amigos-muitos
E de repente me remeto ao tempo presente.
Saio de onde vim
E mergulho no presente.


Todos os tempos se misturam.
Agora e sempre
Sempre e agora.

Não havia imprensa na época do Cristo
E todo mundo ficou sabendo
E todo mundo estava no Calvário,
Enquanto discursos econômicos,
Como o dos trinta dinheiros,
Se misturam no ar -
No ar Adam Smith
Ano de 68
Luzes do século das luzes
Reais
Do tempo dos netos
Do tempo da Torre Eiffel
Dos tempos de Karl Marx

Teorema-cinema
Tempo
Voluir

E o temor do mundo
Mistura-se à família
História
(p08)
E o céu não é rosa nem sangue nem dourado
E há cassinos em Atlantic City
E há Adam Smith
E há o mercado e o mundo
E há o sul da Argentina.


E o tempo
E a relação espaço
Dos tempos.

E há o deserto do Saara
Onde a Esfinge respira areia.
E há o tempo de Nova York
O tempo dela no mundo.
E há o tempo do interior,
Remotos interiores, com céus
Às vezes sangue, às vezes rosa, às vezes dourado
Numa imagem virtual (p09)
Do tempo que se mistura
A um Boeing voando sua sombra rente à terra
E os seios virtualmente virtuais
Preenchendo espaços de vazio tela
- volúpia, cor, carne -

E o jeans molda calcinhas,
Nádegas, vaginas, coxas, pênis.
E agora o céu é azul,
Momentaneamente - totalmente azul,
Azul que todos os pintores já pintaram.
(P10)
E há chanéis, diors, cardans
E há cabeleireiros, perfumes
E há modelos disputando espaço
E há o pret a porter
E há atrizes de todos os tipos
Algumas difíceis e outras fáceis.

E a noção do tempo torna-se
Cada vez mais relativa.

E no Shopping Center se encontra
Um poster de Che Guevara
E um extintor de incêndio à vista,
Porque há sempre um poster de Che Guevara
Porque tem de haver um poster de Che Guevara
Porque haverá sempre um poster de Che Guevara,
E ao dobrar o corredor do Shopping
Um extintor de incêndio à vista,
Há uma Monalisa
Em suas muitas conotações,
Porque tem de haver uma Monalisa,
Porque haverá sempre uma Monalisa.
(p11)
E os vampiros da noite do mundo
Sugam o sangue de Marilyn Monroe
E do porteiro do Hotel
E escondem segredos seus,
Enquanto os odores fétidos
De Margareth Thacher
Se espalharam da Inglaterra poluindo o planeta,
Felizmente, os Rolling Stones voltam ao palco
E fazem uma ponte para a Babel
E os franceses cantam a Marselheuse
Porque haverão sempre de cantar a Marselheuse
Porque os franceses existem para cantar a Marselheuse
E a Bastilha haverá sempre de cair
Porque a Bastilha em sendo Bastilha
Existe para cair
E a concha da Shell
Estará nos postos de gasolina
Em todas as estradas do mundo.
(p12)
E Julien Beck
Ou alguém imitando sua voz
Me liga pelo telefone telepático
Dizendo que é hoje um vampiro na Bulgária.
Mas logo na Bulgária?

Por esse pouco conhecido país da Europa
Se prestar a esconderijo de vampiros?
Também para alguma coisa deveria servir a Bulgária,
Com certeza gloriosa para o seu povo
Porque todo povo deve ser glorioso,
Todo povo tem de ser glorioso
E não há de ser a Bulgária
Que há de querer o contrário.

Mistura dos tempos,
Vampiros,
Morrendo por um maço de cigarros
Na Bulgária,
Ou no meu quarto
Por um copo de cerveja,
Sedentos, stressados de tantos séculos,
Um riso de sangue negro
A escorrer de suas bocas,
Descansam os vampiros.

E num leve vôo a Paris ou de Paris
Está presente o melhor vampiro do mundo,
Ou apresentado como tal,
Pertubante, petulante, duvidoso,
Como deveria ser
Com ares juvenis, pretencioso,
Canastronicamente vampiro.
Vampiros desaparecem quando querem.

A noção do tempo torna-se
Cada vez mais relativa.

E Einstein coloca mais uma vez
A língua para a fora.

E os vampiros da noite do mundo,
Cruéis e amigos,
Zombam de mim e me ajudam
Nessa noite de surpresas.
(p13)
E o mercado mundial
Tenta escravizar os últimos nativos livres
Em algumas pequenas ilhas da terra
Em meio a uma infinidade de produtos
E matérias primas e biodiversidade
E bolsas de valores
E o céu por um momento é de todas as cores,
Para agradar a todos os produtos,
Bem embalados e coloridos entre porcarias diversas
A engambelar os verdadeiros desejos dos povos
E os vampiros sorriem amarelo
Entre Lady Di e Courtney Love,
Enquanto negros pousam para fotos
Junto a totens em Jacarta, na ilha de Java.
E o ano 2.000 agita bandeirinhas.

E a noção do tempo torna-se
Cada vez mais relativa.

E passamos pelo porteiro do hotel
Porque porteiros de hotel
Não vêm vampiros,
Porque porteiros de hotel
Foram feitos para não verem vampiros
Porque vampiros desaparecem quando querem.
(p14)
De todos os tempos,
Romanos, feudais, revolucionários, iluministas,
Leninistas, anarquistas, ecologistas
Em perigosas vertentes históricas.

E a bruma continuará eterna, neblina
Bruma de todos os tempos
Porque haverá sempre bruma
Com céus cinzas e garoa
Porque haverá sempre bruma.

E enquanto o ano 2.000 agita bandeirinhas,
Vampiros têm de partir,
Porque vampiros são rápidos
Desaparecem e aparecem
Seguindo pistas, perfumes, poderes humanos.

E vos deixo,
Lamentavelmente vos deixo,
Até a próxima taverna, vinho ou cerveja,
Wiskie ou cachaça, à imensidão da noite,
Aos vossos sonhos
Vampiros são rápidos,
Vampiros vos deixo a voar, à revolução
Vampiros vos deixo, à eternidade.

Que beijo!

Vampiros vos deixo, à eternidade.
Que beijo!

Paulo Augusto de Lima
Ouro Preto de todos os tempos.