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VOO 375 - CÓDIGO 7700 |
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VOO 375 CODIGO 7700
Por Augusto Dutra
CONCURSO PREMIO DAS AMERICAS 1989 - CUBA
Literatura Brasileira
O vôo 375 é possibilidade. Independe de aeronave. É o teto... pode ser zinco ou laje. O "seqüestro" de uma sociedade.
Esta obra é atemporal! Um manifesto passeata de poetas que invadiu a ante-sala de meu cérebro impondo (a esta peça de teatro? roteiro de cinema? histórias em poemas?) um ritmo marcante - a impersonalidade - a co-fundir épocas, eventos e estilos.
Por quê? Para quê? Perguntei-me com insistência. Parei no conceito do tempo. Co-partilhar pensamentos poéticos a fatos reais levou-me á co-fusão temporal.
Neste século o desenvolvimento (cientifico e tecnológico) feito para alem dos dedos... E o homem...parou no tempo? Falta-nos, talvez, a visão do Poeta. Será que a história se repete ou os homens repetem a história ao passarem pelo templo babilônico do tempo? Confusão temporal.
"Cada individuo tem sua própria medida pessoal de tempo que depende de onde se está e como se desloca."
(Uma breve história do tempo - STEPHEN HAWKING)
A extraordinária semelhança dos mortos reside na dessemelhança dos vivos. Aos que ficam, sobreviventes... resiste a dessemelhança dos mortos. (1)
O OPERÁRIO CENA 1
Pensão Paulista. Quer uma imagem do local? Feche os olhos e imagine! Cidade. Rodoviária. Pobreza. Sujeira. Porteiro eternamente entediado. Escadas gastas. Paredes sujas. Corredor escuro. Portas fechadas. Nos poucos rostos que se cruzam, silêncio. Olhares furtivos. Perigo no ar. Quarto pequeno. A cama e o armário, ordinários, dominam o espaço.
Entre comigo no quarto 27. Sem comentários. Sentemos com cuidado no alto do armário. Na cama, deitado, um homem bem brasileiro. Nos traços do corpo, nas posses. Não dorme. Matuta de olhos abertos.
"Salvo os amorosos principiantes ou findos que querem principiar pelo fim há tantas coisas que findam pelo princípio que o princípio principia a findar por estar no fim o fim disso é que os amorosos e outros findarão por principiar a reprincipiar por esse princípio que terá findo por não ser mais que o fim retornando o que principiará por ser igual á eternidade que não tem fim nem princípio e terá findo por ser também finalmente igual a rotação da terra onde se findará por não distinguir mais onde principia o fim de onde finda o princípio igual a todo princípio final do infinito definido pelo indefinido. - Igual um epitáfio um prefácio a vice-versa." (2)
O homem se mexe na cama. Boceja. Observe. Os olhos buscam no teto um ponto. Projetam. Ajeite teus olhos e veja-o !
"Matou-se de paixão ou morreu de preguiça, Se vive, é só de vício; e deixa apenas isso: -Não ser a sua amante foi meu maior suplício.-
Não nasceu por nenhum lado E foi criado como mudo, Tornou-se um arlequim-guisado, Mistura adúltera de tudo.
Tinha um não-sei-que, - sem saber onde; Ouro, - sem trocado para o bonde; Nervos, - sem nervo; vigor sem "garra"; Alma, - faltava uma guitarra; Amor, - mas sem bastante fome. - Muitos nomes para ter um nome. -
Idealista, - sem idéia. Rima Rica, - sem matéria-prima: De volta, - sem nunca ter ido; Se achando sempre perdido.
Poeta, apesar do verso; Artista sem arte, - ao inverso; Filósofo - vide verso.
Um sério cômico, - sem sal. Ator: não soube seu papel; Pintor: do ré-mi-fá-sol; E músico: usava o pincel.
Uma cabeça! - sim, de vento; Muito louco para ter tento; Seu mal foi singular de "mais". - seus pés quebrados, pés demais.
Avis rara - mas de rapina; Macho... com manha feminina; Capaz de tudo, - bom pra nada; Com certeza, - por certo errada.
Pródigo como o filho errante Do Testamento, - herança vacante. Rebelde, - e com receio do lugar Comum não sabia do lugar.
Colorista sem cavalete; Incompreendido... - abriu o peito: Chorou, cantou em falsete; - E foi um defeito perfeito.
Não foi "alguém", nem foi ninguém. Seu natural era o ar bem Posto, em pose para a posteridade; Cínico, na maior ingenuidade; Impostor, sem cobrar imposto. - seu gosto estava no desgosto.
Ninguém foi mais igual, mais gêmeo Irmão siamês de si mesmo. Viu-se a si próprio ao microscópio: Micróbio de seu próprio ópio. Viajante de rotas perdidas, S O S sem salva-vida...
Muito cheio de si para aturar-se, Cabeça "alta", espírito ativo, Findou-se, sem saber findar-se, Ou vivo-morto ou morto-vivo.
Aqui jaz, coração sem cor, desacordado, Um bem logrado malogrado." (3)
Corrigindo a vista cansada ou turva tanta coisa se vislumbra no teto e na parede... em cima de um armário.
O homem se mexe na cama, olha o relógio.
"Rei e olho badalando pêndulos que doem
Na parede-caliça: em placidez semimovente detonando pássaros desesperos florações e adeus - pra - sempre.
No pulso: bomba premente conferindo o galopar do sangue nas cabeceiras da morte.
Na torre olhando altíssimo e redondo - feitor de ferro dos infernos. (4)
Levanta-se. Pega a toalha. Abre a porta. Vamos!
No fim do corredor outra porta: W.C. "Es o fim da casa do homem do poema
o derradeiro objeto do objeto derradeiro.
Assentado ao canto curvo branco do cômodo
Aguardas incômodo intestino
Recebes mudo desnudo o verbo integral (boca aquática escancarada)
Humilhado mais que humilhante és divisor geral do bem do mal botão ou corda roam roam blog blog blog roain roamroam chááááiiimmm linguagem branca again." (5)
Voltemos ao alto do armário!
O homem retorna.Veste-se sem pressa. Arma-se e reza. Sai. Fecha a porta para sempre. Passa por olhos que espirram titubeios e desce. Caminha por avenidas ocupadas sem se importar. Terminal Turístico. Embarca.
O EMPRESARIO CENA 2
"Corpo, casa, edifício se assemelham como irmãos na altura, forma e medo e em serem só objetos.
Vejo um prédio luzi-luzindo enorme e tremo em meus pilares e virtudes.
Lá, o que perverte o homem: cama e mesa, pão e mulher, amor e teto que nos mantém - superpostos.
Lá, o cadastro e o pijama. Lá
a dívida e o modelo.
Lá
a máquina e a mecha de cabelo ao chão.
Lá
o corpo nu se é consultório.
A lã, a bala, a ironia, a janela, o cimento, a traição, a mulher x, o raio do outro e os meios de ascensão e os meios de cair em si, na terra - e sobre o irmão.
Lá - o prédio: engenho agreste cubo de solidão." (6)
venha comigo... assim bem liso... faço-te espelho!
"Toda manhã a barba cresce sobre a face da terra e do homem pedindo orvalho - e a navalha. Presto, acordo a lâmina e deslizo um óleo santo sobre o imolado rosto da manhã.
Do chuveiro escorre a água sobre as partes circundadas pela mão alegre. Os poros se aliviam descendo brancas bolhas perna abaixo.
E o banho: ritual aquático diário daquele que purifica e matinal desdobra as felpas da toalha e sai ungido em veste pura.
Te vestirei com meu suor, te banharei toda manhã, te alimparei, te cuidarei nas unhas e dentições.
Os teus pêlos polirei, os teus fios cortarei e como potro bravio pelos pastos crescerei.(7)
Quieto! Escute a "canção"! Reflitas sobre o homem, que refletes. Antes da queda!
"Quero que saibam o valor Da canção, se boa da cor, Que elaborei com meu calor: Neste mister eu levo a flor, Ninguém me bate, Irei prova-lo assim que for Dado o remate.
Conheço bem senso a loucura, Conheço honra e desventura, Já senti pavor e bravura; Mas se propõem jogo de amor Não fico atrás. Escolho sempre o que é melhor Do que me apraz.
Conheço bem quem me quer bem E sei quem me quer mal também, Quem ri de mim, quem me convém, E se de mim se achega alguém Sei muito mais: Como saber prezar a quem Prazer lhe faz.
Bem haja aquele de onde vim, Pois que soube fazer de mim Alguém tão bom para esse fim; Que eu sei jogar sobre coxim De qualquer lado Não há ninguém que o faça assim, Por mais dotado .
Bendigo a Deus e a São Julião Por tão bem cumprir a missão E jogar com tão boa mão. Se alguém precisa de lição, Que venha logo: As que vierem voltarão Sabendo o jogo.
Chama-me "o mestre sem defeito": Toda mulher com quem me deito Quer amanhã rever meu leito; Neste mister sou tão perfeito, Tenho tal arte, Que tenho pão e pouso feito Por toda parte.
E não me digam que isso é prosa. Ainda outro dia tive a prova, Jogando uma partida nova. Sai-me bem no meu primeiro Lance de dados; Não vi os de nenhum parceiro Tão bem jogados.
Mas ela disse, com desprezo: " Os vossos dados não têm peso, vos desafio a uma outra vez." E eu: "Montpelier não vale o preço Destes pedaços." E ergui-lhe o avental xadrez Com os dois braços.
Depois de erguer o tabuleiro, Joguei os dados: Dois foram cair colados, E o terceiro
Feriu no meio o tabuleiro, E estão lançados." (8)
O PROTESTO CENA 3
Magia. Alquimia. Poesia. Vale-transporte ao Palácio da Alvorada "relativa". Percorro caminho alquimista-trilhado transformador do mundo, que somos. Fica apenas a certeza da vida que espera o momento certo para nos levar, qualquer dia, perto.
Pegue ritmo depressa Antes ora tua prece Antes olhe tua face Pois agora acordamos o mal, que em ti não nasce.
Chegamos á rua. A mesma rua que você passa e aqui, agora, basta. E as pessoas passavam... passavam em plena rua!
-Passeata de poetas no planalto do palácio.
(Mas o homem, solitário, ao medo, pelo meio da rampa... sobe.)
"Enquanto isso Minas perdia o nariz! -Debates, manifestos apaixonados... intermináaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaveis que me importa a mim, mineiro que não vê minério, perder o nariz!!!
Exportam-me Expoem-me nua vergonhosa montanha Perco vagão a vagão minha mineiridade. Silentes mortos os morros não clamam.
Moro em Minas e nunca vi montanhas como minério. Em mim estão vivas e de onde as vejo, nuas. E neste Céu, sol, que á nuvem sombra montanhas, pedras e Eu. Se desassombra a mim revela sombra sem raízes.
É preciso ser Mineiro, os pés na Terra e ver... Minas Gerada." (*)
Veja bem, não lhe pedi fechar os olhos!
"Sambaíba-de-minas-gerais dispersa por campos cerrados queimados
Amplas flores ásperas como lixa Flores e frutos pequeninos Casca curte o couro Folha madeira lixa
Madeira de carpinteiro de obras "internas"...
Sambaiba-do-rio-são-francisco Caimbé Lixeira Cambarba Craibeira Marajoara ...
Sambaíba-de-minas-gerais dispersa por campos serradas queimadas" (*)
"a coisa por aqui não mudou nada
embora sejam outras siglas no emblema
espada continua a ser espada poema continua a ser poema" (9)
"O homem é o único que desaprende lições de rugas, o único que tem arsenais de morte contra sua espécie, o único que depreda, saqueia, estupra e morre em fuga, o único que troca homem por máquinas, e se estarrece.
O homem é o seu absurdo, sua facção de pânico e medo, sua própria falência universal, seu azar de berço, mas é muito mais forte que o temor de um segredo, muito mais insumo que só a fé que ara um terço.
E sua própria confusão, seu vender-se ou alugar-se, sua cotação em baixa, baixo astral, supimpas fossas. O homem é coisa danada que não vai vingar se rejeitar por futuras inconhas de sua mão e roça.
O homem é o seu emprego, sua fome criminosa e cheque, pretexto e conveniência, o homem é falsa previsão. Ele somos o que, quando sonha faz jogar de beque a catimbar o quanto pode pra não parar o coração."(10)
I "Procuro a paisagem natural do meu país, a que tem cheiro, movimento e cor, sem verniz.
Queria conhecer o original a esperança, ver fundo nas raízes e nas veias sua herança.
Encontras nela uma gênese virtual, seu espanto de montanha e mar, seu tropical.
A paisagem só dos rastros, das cavernas sem herói ou turista, da informação pura sem lastro, o "gigante"sem a reflexão dos istas.
II Mas na Era da Arcádia Nool foi ufanista, contava prosa sobre um país que não existia; Rosseau escrevia cartas que Caminha animista predizia ao Rei o futuro de nossos dias.
Os viajantes vieram levar o país á Europa, fiéis á cor local, cientistas, mas sem molho; a paisagem que se quer é a que ria das opas, a que engordava porcos e colonos com repolho.
Seria o "afrodisíaco paraíso de mulatas", a depuração semiótica de um habitat nativo? (a paisagem há de ter música nas cascatas, não ter memória, manter-se do que é vivo).
Seria a "Canção do Exílio", a telúrica do banzo, o naturalismo "de carbono e amoníaco" de Zola? A valorização do "urbanoagreste", o realismo ranço, os matizes parnasianos das tietes das Escolas?
III A paisagem do discurso não seria a prosa de Rosa? O sertão de Euclides ao invés do pince-nez das lides? O substantivo Drumomond ao invés da caixa-de-bombom? A linha reta do concreto ao invés da curva do soneto? O antropofágico-verdeamarel ao invés de martelo e cinzel? O carnaval de Macunaíma ao invés de toda rima? A "invenção de Orfeu" ao invés do espelho meu?
"As imagens do Nordeste" ao invés d'ura d'alceste? Seria o "Motivo" de Cecília ou "O País de Emilia"? A Anta que reclamava justiça histórica para os índios? O Martim Cererê aborigene, bandeirante café e brasilino? A "escola das árvores", a "cocaína amazônica" de "Cobra Norato"? O "Código de expressão da "Paisagem de Del Picchia"? Seria a "casa de dentro" de Henriqueta, "Paisagens com Figuras" do Severino Cabral? Os jardins d Burle Max, o "Sertão em Flor" de Catulo Paixão? O Largo do Boticário que Bandeira quis tombar no "Opus 10", a "tradição do novo" de Afonso Ávila?
IV A paisagem do meu país seria o fazer da verdade? O olho-aprendiz de libertas quae será tarde?
Seria a fome, o medo, a dívida, o pranto, o rosto do Jequitinhonha ou a Baixada? Não seria a louca confissão do canto dos Violões de Rua, o tupiniquim-vanguarda?
Seria o madeirame podre a aniquilar josés que migram a miséria atrás do Eldorado? A construção "sem culpa" do espigão e das sés IDOLARtradas do embuste contra o gado?
Seria o postal barroco ou o letal da fome, o olho vendo oco ou o que implode o nome?
Porque já é preciso (longe de Montezumas) encontrar a paisagem desse país inciso (se tivemos uma). (11)
I
AS VIGAS DA CASA são as costelas do homem
O ADORE DA CASA são os pêlos do homem
AS JANELAS DA CASA são os buracos do homem
O SAPÊ DA CASA são os cabelos do homem
AS TRAMELAS DA CASA são os culhões do homem
OS ESPAÇOS DA CASA são os vazios do homem
A CHAMINÉ DA CASA são as fugas do homem
AS CERCAS DA CASA são as prisões do homem
AS FRESTAS DA CASA são o que resta de frágil no homem
II
ONDE ESTÃO OS RIOS DO HOMEM as multinacionais beberam
ONDE ESTÃO AS ÁRVORES DO HOMEM as multinacionais eucaliptizaram
ONDE ESTÃO OS EMPREGOS DO HOMEM as multinacionais subempregaram
ONDE ESTÃO AS PALAVRAS DO HOMEM as multinacionais colonizaram
ONDE ESTÃO OS GARIMPOS DO HOMEM as multinacionais lapidaram
ONDE ESTÃO OS SONHOS DO HOMEM as multinacionais acordaram
ONDE ESTÃO AS FORÇAS DO HOMEM as multinacionais minaram
ONDE ESTÁ ESTE HOMEM que multinacionou o outro homem?
III
ONDE os votos que votaram na urna ENTONARAM
ONDE as dádivas que dadas no bolso USURARAM
ONDE os políticos que prometeram no poste FICARAM
ONDE as palavras que falavam na boca CALARAM
ONDE ESTE PAÍS DE ESTRANNHO VALE E HOMEM
onde um tem demais e o outro subtrai onde um tem o bolso cheio e o outro abaixo do meio onde um é político endinheirado e o outro nem assalariado
QUE PAÍS É ESTE E QUAL É O SEU PREÇO no mercado do engodo e do avesso?" (12)
"ao batizaram-te deram-te o nome: puta posto que a tua profissão é abrir-te em camas e dar-te em ferro ouro prata rios, peixes, minas, mata
deixar que os abutres devorem-te na carne o derradeiro verme." (13)
"fosse o Brasil mulher das amazonas caminhasse passo a passo disputasse mano a mano.
guardasse a fauna e a flora da fome dos tropicanos. ouvisse o lamento dos peixes jandais, araras e tucanos
não estaríamos assim condicionados aos restos do sub-humano. (14) "
Um poeta travestido, pelo meio da rampa sobe, sem medo dos Dragões Da independência ... vive o bardo, da inconfidência, mineiro. Sobre a mesa-presidente coloca o último decreto lei Sobre a forma de poema, um espinho para o "rei":
"Elevei-me ao céu . colhido transportado de mão em mão -hora brusca- oro suave e vi chegar o belo pássaro.
"Emocionado esperei a hora de ser levado e a hora veio e o belo pássaro do bico alado desceu a mim.
Estonteado girei girei (sensação incorporal) leve levado girando no ar e o BAQUE!
Que mundo é este? Passos pesados e ... vassourada!
Caí no chão ... e assim mentado ...medrei!
Que bicho é este que agora chega?
Cheiro cheiro de sangue, nariz molhado frio quente vermelha língua me lambe ...
UAU !!! PLUNK ... GLULP ...
EM DERREDOR DE MIM DESINTEGRADOS !!! ( Será Plutão!?!?)
(Vem-me a lembrança:
"Sermão da Quinta Dominga da Quaresma, 1654 Padre Vieira - São Luís do Maranhão
A este evangelho do domingo quinto da Quaresma chamais comumente o domingo das verdades. ...resolvi-me a vos dizer uma só verdade ... a verdade que vos digo, é que no Maranhão não há verdade. Cuidavam e diziam os sábios antigos ... em creta reinava Júpiter ... em Delos reinava Apolo, chipre reinava vênus, e assim de outras ... Dizem (fábula alemã) que quando o Diabo (Plutão) caiu do Céu no ar se fez em pedaços ... cuido eu que a parte que nos toca ... é a língua ... que letra tocaria ao nosso Maranhão? Não há duvida que o M.Maranhão, M.murmurar, M.motejar, M. maldizer, M. malsinar, M. mexericar e sobretudo M.mentir: mentir com as palavras, mentir com as obras, mentir com os pensamentos, que de todos e por todos os modos aqui se mente. Novelas e novelos, são as duas moedas correntes desta terra: mas tem uma diferença, que as novelas armam-se sobre nada, e os novelos armam-se sobre muito, para ser moeda falsa... E terra onde até o sol mente, vede que é verdade falarão aqueles sobre cujas cabeças e corações ele influi. Acontece-lhes aqui aos moradores, o mesmo que aos pilotos, que nenhum sabe em que altura está. Cuida o homem nobre hoje, que está em altura de honrado, e amanhã acha-se infamado e envelhecido..." (Vieira, Pe. Antonio. Sermões,v II, tomo IV ... Porto, Lelo, 1959, pg 155)
Ah! Padre Vieira, essa língua tão comprida ... espalhou-se!
Procuro manter-me íntegro integral mesmo a tanta degradação ...
Por poucos dias da tal lambida (em meio à bosta) voltei á Terra que me acolheu
chuva lavou sol secou chuva molhou sol aqueceu e no (bom) calor brotei.
Arvore sistemática que me tornei agora pendão maduro
vento balança o meu anseio ... voltar á Terra
e peço ao vento: liberte-me livre-me daquelas mãos que no passado me carregaram!(*)
VOO 375 CÓDIGO 7700 CENA 4
MANCHETES ... GLOBAIS ...
O povo brasileiro viaja num avião seqüestrado ...
O povo brasileiro viaja escoltado por um caça francês MIRAGE (M?) ... armado!
Subservivo ameaça atirar o povo brasileiro contra o símbolo calcáreo calcinado da Nova República.
O povo brasileiro viaja ... sobre (a) ssaltado.
Sobrevive o povo brasileiro, sub-ser-vivo.
OS PASSAGEIROS
No Brasil ju(ros) deu ...
Na aeronave comercial brasileira ( Boeing 737-300) três japoneses sorrindo de olhinhos apertados. ¼ de tão satisfeito ... parece dormir! O paralelo subiu ... hi,hi,hi ... A mala preta ficou mais leve ...hi,hi,hi ...
Os alemães (turistas?)... cada vez mais verme (lho) s.
A PASSAGEIRA
Tenho no corpo suaves ondas montanhas de muito ondular do coração partem dois rios correndo o corpo, querendo o mar mas na confluência da noite, na fundura das águas dos lençóis no pousar mais quieto do corpo sobre a planície do colchão é quando faz escuro no catre a língua é áspera de amor urgente então eu te pego, te arranho te adentro este teu corpo denso e cavalgo teu dorso quente te serpenteio e te cravo o dente
assim te quero mais te quero cais naufragado em mim te quero terra, semente semeando em mim a primavera que há em ti te quero homem penetrando tua fome, teu começo e fim e quando a soma dos corpos num só corpo resultar quero percorrer seus pêlos e este amor de mais doar quero respirar seus poros e este amor que vai calar quero te penetrar aos pulos te sentir lâmina, punhal o pênis, o pau sou luciana e sei onde ancorar o amor quando beijo a fina frágil face do homem sei do que me espera além do esperma e da solidão sei do vau deste rio e do vão desta sala sei da extensão e do limite de minha fala sou luciana mundana louca de língua coruscante sacana sou luciana cigana de corpo luxuriante mucama sou luciana do copo, da cana do tronco, da transa do sarro, da rixa da briga no país da cama vem guerreiro de noturnas viagens corpo afora nesta zona do brasil resido eu é onde campeia o aventureiro é onde sacio o gentio é onde o pai, o filho, o tio aprendem nos turvos lençóis as lições do amarrotado amor no jogo movediço e lento da carne e da sacanagem
pois aprende esta ciência: o corpo não carece de bacamartes de outras malícias e artes o corpo é vassalagem lapidação e garimpagem (15)
O PRESIDENTE CENA 5
Sobre a mesa, após a enxurrada de decretos-atletas treinados para driblar a CARTA, o ultimo decreto-lei, o único medalha de ouro olímpico, subjuga o presidente.
Eis que entram, nesta quadra, tal e qual manada, os assessores do ocupante do Alvorada:
- Senhor, um subservivo tomou de assalto uma aeronave comercial!
O presidente, calado.
- Senhor, um subservivo é neurótico!
O presidente, calado.
- Senhor, subservivo ameaça as instituições democráticas!
O presidente, calado.
- Senhor, subservivo a serviço das forças ocultas!
O presidente, calado.
- Senhor, subservivo quer acerto de contas!
O presidente, calado.
- Senhor, subservivo ameaça a integridade do Chefe Supremo das Forças Armadas!
O presidente, calado.
- Senhor, subservivo é o chefe da indústria dos 7 boatos capitais!
O presidente, calado.
- Senhor, um subversivo ... um subversivo ... um subversivo ...
O presidente, interessado!
- Senhor, o subversivo é ... o subversivo é ... o subversivo é ... é do Maranhão !!! O presidente suspira aliviado e assina o último decreto-lei.
NO BRASIL CENTRAL. CENA 6.
"Lastros de luz Astros de fogo Rastros de sangue" (16)
Um ponto de mira. E o tiro pela culatra. (17).
Depois da queda O empresário lamenta (não chora) Alma vendida Nas transas e trocas Gothe a Gothe vertida.
Raimundo-Paiva-Fiel Peças-Piao Que o jogador move.
Salvador Evangelista Neste Avião Que o jogador remove.
"Irmãos humanos que ao redor viveis, Não nos olheis com duro coração, Pois se aos pobres de nós absolveis Também a vós Deus vos dará perdão. Aqui nos vedes presos, cinco, seis: Quanto era carne viva que comia Foi devorado e em pouco apodrecia. Ficamos, cinza e pó, os ossos, sós. Que de nossa aflição ninguém se ria, Mas suplicai a Deus por todos nós.
Se dizemos irmãos, vos não deveis Sentir desprezo, embora condenados Tenhamos sido em vida. Bem sabeis: Nem todos têm os sentidos sentados. Desculpai-nos, que já estamos gelados, Perante o filho da Virgem Maria. Que seu favor não nos falte um só dia Para livrar-nos do Inimigo atroz. Estamos mortos: que ninguém sorria, Mas suplicai a Deus por todo nós.
A chuva nos lavou e nos desfez E o sol nos fez negros e ressecados, Corvos furaram nossos olhos e eis- Nos de pêlos e cílios despojados, Paralíticos, nunca mais parados, Pra cá , pra lá, como o vento varia, Ao seu talante, sem cessar, levados Mais bicados do que um dedal. A vós Não ofertamos nossa confraria, Mas suplicai a Deus por todos nós.
Meu príncipe Jesus, que a tudo vês, Não nos entregues á soberania Do inferno, que só ouvimos tua voz. Homens, aqui não cabe zombaria, Mas suplicai a Deus por todos nós." (18)
Enquanto a ambulância corre e o médico recose...
"... A mesma urgência sentia o Visconde, depois que o escrivão deixou o palácio. Cláudio continua vivo e pode desmentir as "declarações" diante dos desembargadores Torres e Cleto, enviados pelo Vice-rei. Escolhe seu ajudante de maior confiança - o Resende - para missão sigilosa. Pede a ele que, pessoalmente, marque um encontro secreto com Macedo e Pamplona nos arredores da cidade, em lugar ermo - de modo que ninguém os veja. Não quero testemunhas. Olha que é coisa séria. Chega o Visconde, acompanhado do seu ajudante, ao lugar aprazado. O ajudante distancia-se um pouco e serve de sentinela. Lá já estavam os dois contratadores. Cada um chegou com meia hora de diferença do outro, para evitar suspeitas. Cada um teve de seguir um caminho diferente para lá chegar. O ajudante foi impecável na planificação do encontro - alegra-se o Visconde. Não falam nas torpezas de Saldanha e Manitti. Isso é assunto já resolvido. Um único problema os inquieta. Cláudio está vivo e pode continuar falando. Pode desmentir o escrivão e restabelecer a verdade das suas declarações. Cada um encontra uma maneira para classificar o comportamento do antigo amigo: irresponsável, louco, torpe, traidor. O Visconde toma a dianteira na decisão. - É preciso matar Cláudio. Ele está na sua casa, Macedo, é mais fácil para você. Mais difícil, serei o primeiro suspeito da lista. Um dragão, talvez - sugere Macedo. Seremos vitimas dele, comenta Pamplona, para o resto da vida. Veja o escrivão. Um dia teremos também que dar cabo à sua vida. O Visconde insiste no nome de Macedo. Há sempre uma maneira de te inocentar. Macedo não tem confiança no Governador. Podemos dizer que Cláudio te atacou. Ele não está satisfeito de estar preso na sua casa. Pamplona se oferece para fazer o trabalho. Pede apenas a colaboração do amigo. É preciso que entre em silencio na casa, é preciso que entre escondido na cela de Cláudio pela madrugada. Não farei barulho. Vai estrangula-lo. Ninguém saberá quem foi. A morte de Cláudio vem enlutar os fiéis do Pilar e aumentar os temores da população de Vila Rica. Outra vez, esta se vê às voltas com atos de violência praticados pelas autoridades portuguesas, e que não chega a compreender. Há rumores vagos de que um grupo de poetas preparava uma rebelião em segredo. Por todos os lados e em voz baixa, chamam a morte de Cláudio de "misteriosa". A atmosfera do diz-que-diz toma conta da cidade enlutada. As pessoas passam dia e noite dentro das casas, enquanto os filhos são proibidos de brincar nas calçadas. Tem-se a impressão de que se vive numa cidade onde o habito é o deixar as janelas fechadas dia e noite. Uma cidade fantasma. Os poetas foram presos e um deles já morreu. Onde os alegres passeios pelas ruas tortuosas e íngremes? Onde os flertes com as moças que ficavam, à tardinha, lá de cima das sacadas, passeando olhares pela rua? Onde aquele sorriso de prosperidade burguesa que ia se tornando característica dos habitantes das Gerais? Onde os passeios líricos pelos recantos pitorescos das redondezas? A cidade está de luto pela morte de Cláudio. Chega a versão oficial dos fatos, logo confiada aos cidadãos. Descobriu-se que, na Capitania de Minas Gerais, alguns vassalos da Rainha, Nossa Senhora, animados do espírito de pérfida ambição, formaram um infame plano para se subtraírem da sujeição e obediência devida à mesma Senhora. Pretendiam desmembrar e separar do Estado esta Capitania para formarem uma República independente por meio de uma formal rebelião. Estes rebeldes serão perseguidos e castigados de acordo com a Lei. ...A igreja está cheia. Rezam para esquecer, rezam para pedir a Deus proteção divina. Os homens já não sabem o que fazem. Vejo o vigário interromper o santo sacrifício da missa, para pregar o sermão. Carrega uma enorme responsabilidade hoje. Para com os vivos e para com o morto. Interrompe o sacrifício da missa para falar de uma vida que não quis auto-sacrificar-se. Os bons cidadãos de Vila Rica - todos amigos de Cláudio - incumbiram-no da fala que, antes de ser religiosa, traduzia responsabilidade humana e social para com o semelhante. Caminha para o púlpito e os fiéis, sentados nos bancos ou de pé pelas laterais, seguem-no com os olhos admirando sua coragem cívica, faz o sinal da cruz. Ouço sua voz: - Ninguém toca impunemente no homem, que nasceu de Deus, para ser fonte de amor em favor dos demais homens. O corpo do homem que quer ajudar o homem é duplamente sagrado. Quem dele faz brotar o sangue atiça a cólera de Deus. Este, raivoso, não pune pelas vias diretas do castigo. Deus não é vingativo. Dá as costas aos homens maus. O desprezo de Deus é a maior punição que o homem pode sofrer. Mas Deus quer que os seus filhos estejam unidos e amantes, por isso desde as primeiras palavras da Bíblia Sagrada até a última, Deus fez questão de comunicar constantemente aos homens que é maldito querer manchar as suas mãos com o sangue do seu irmão. Não existe maior ofensa a Deus que uma mão suja de sangue do irmão. Deus é magnânimo na sua bondade infinita: o homem é fruto da bondade de Deus e para que apenas dela fale. Para isso Deus fez o homem livre. A liberdade, repito, a liberdade humana nos foi confiada como tarefa fundamental, para preservarmos, todos juntos, a vida, a vida do nosso irmão pela qual somos responsáveis tanto individual quanto coletivamente". (19)
Lupus et gruis Qui desiderat ab improbis pretium mereti, peccat bis, primum quoniam adiuvat indignos, deinde quia iam non potest abire impune. Cum os devoratum haereret fauce lupi victus magno dolore coepit illicere pretio singulusut extra herentillud malum.T andem gruis est persuasaiure iurando que credens gula elongitudinem collifecit lupo periculosam medicinam. Pro que cum flagitaret praemium pactum: "Es ingrata", inquit, "quae abstuleris incólume caput nostro ore: em postulas mercedem?"
O lobo e o grou Quem deseja (aquele que espera) Dos mausa recompensa de um serviço, erra duas vezes, primeiro porque ajuda a indignos, depois, porque já não pode-se ir embora impunemente (sem ser prejudicado). Como um osso devorado ficasse preso na goela de um lobo, vencido (este) por grande dor começou a aliciar com (a promessa de) um prêmio a cada um deles (a todos) para que (lhe) extraíssem aquele mal. Finalmente um grou foi persuadido pelo juramento (do lobo) e, confiando à goela (dele) o comprimento do (seu) pescoço fez ao lobo a perigosa operação. Pelo qual, como reclamasse o prêmio pactuado: "És ingrato", diz (o lobo), "tu que tiraste incólume a cabeça da nossa (minha) boca: eis que pedes remuneração?"
Malu tueri haud tutum"
(M.A. Gonçalves - trad. Fabulas de Fedro-L.H. Antunes 4 ed 1952)
Ossos entalados e grous desconsolados.
O viveiro destas aves???
A fábula de Fedro tão antiga quanto presente.
"O atributo do valor é a rigidez...
que atrai o homem
e o mantém a trela."
Oh! fosse eu banido de toda a verdade! Só louco! Só Poeta! (Nur Nar! Nur Dichter! - frag.pg 13)*
Não digas mal dos poetas; eles gozam do privilegio de poderem expor suas idéias e intenções mais profundas sem terem que se atormentar com a "prova" que o "filósofo" tem depois de atamancar laboriosamente. (Briefwechsel mit Erwin Rohde, p410)*
"o poeta que é capaz de mentir ciente e voluntariamente é o único que pode falar a verdade" (Zaratustra - Von den Dichtern - frag 103 pg 108)*
*Poemas, F. Nietzsche (versão portuguesa de Paulo Quintela) Centelha - Coimbra - 1986.
Passeata de poetas
1) Desculpe-me o autor. Li, guardei o pensamento, perdi a fonte. 2) Epitáfio (Tristan Corbiére - 1842/1875) Ezra Pound -ABC da Literatura. 3) Sabedoria das Nações (idem) ibidem. 4) Canto e Palavra (O relógio-parte) A Poesia Possível - A . R. Sant'anna. 5) Idem (WC) Ibidem. 6) Idem (O apartamento) Ibidem. 7) Idem (A higiene do corpo) Ibidem. 8) Canção (Guilherme de Poictiers - 1071/1127) E. Pound-ABC da Literatura. 9) Geléia Geral - Artur Gomes - Couro Cru & Carne Viva. 10) Verbete - Márcio Almeida - Falúdica 11) Leitura da Paisagem - Márcio Almeida - Falúdica 12) O Homem - Ronald Claver - Senhora do Mundo 13) Terra de Santa Cruz - Artur Gomes - Couro Cru & Carne Viva 14) Eco lógica - Artur Gomes - Couro Cru & Carne Viva 15) Senhora do Mundo (parte) Ronald Claver 16) O crime - Macio Almeida - Falúdica 17) Poesia - Laís Corrêa de Araújo - Descurso de Prazo 18) Balada dos enforcados (François Villon - 1431/1489) Erza Pound - ABC da Literatura 19) Em liberdade (parte final) Silviano Santiago *Poesias do autor em Deus ex machina - não publicado
PREMIO CASA DAS AMERICAS - 1989
OBRA: VOO 375 CODIGO 7700
LITERATURA BRASILEIRA GENERO POESIA
AUTOR: AUGUSTO DUTRA
NOTAS SOBRE O AUTOR:
Formado em Administração pela Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG. Nascido em Belo Horizonte/MG em 21 de janeiro de 1950. Empresário do setor de serviços. Não tem nenhum livro publicado. Participou de algumas publicações em jornais e revistas.
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