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O POETA E OS TROPEIROS
O Poeta e os Tropeiros



Prólogo

TROPAS E TROPEIROS *

O homem de hoje talvez não tenha idéia real do que seja uma "tropa", no sentido econômico assumido no Brasil. Grandes lotes de muares, esfalfando-se por centenas de léguas, estirando-se por todos os quadrantes para conduzir especiarias do litoral e refluir à orla marítima com os produtos da terra - tal era a "tropa", o primeiro meio de transportes e comércio que o Brasil possuiu, e o seu maior elemento econômico e social de colonização e fixação do homem. E os mais inteligentes e operosos adotavam roteiros magníficos, com o fim de melhor aproveitar o esforço da romagem. Numa época em que o correio não passava de uma instituição quase inexistente, o tropeiro era o único agente de comunicações, conduzindo as cartas, notícias, encomendas e recados de toda a espécie.

É espetáculo interessante o de uma dessas tropas, aliás características dos campos gerais. Sete burros formam um lote, conduzido e atrelado por um homem que dele cuida. O primeiro animal da tropa tem uns arreios pintados e guarnecidos de numerosos guizos. O chefe da tropa vai a cavalo, na frente, com alguns de seus associados ou ajudantes; todos vão armados de cumpridas espadas e vestem botas de couro castanho, que sobem até muito em cima. Cobre-lhes a cabeça um chapéu de feltro cinzento claro. Essas tropas quebram, às vezes, a triste uniformidade dos campos. Para arreiar-se o burro, põe-se-lhe primeiro, ao lombo, uma albarda, "que é de madeira e tem uma forte saliência vertical nas suas extremidades da parte superior; suspendem-se nelas, de cada lado, as caixas ou sacos a se transportarem. A fim de diminuir a pressão dessa cangalha, forram-se internamente com capim seco, de longas folhas estreitas e que é estendido bem por igual; põe-se por cima desse colchão de capim um coxim feito de esteiras e cobre-se este com um pano de algodão. A albarda assim acolchoada é, ainda, guarnecida de um couro recortado; a parte externa deste tem dois orifícios para deixar passar as pontas da cangalha, em se suspendem as cargas. Amarra-se, na frente dessa cangalha, uma correia larga e, atrás, uma outra comprida: estas duas correias são indispensáveis quando se sobe ou desce uma montanha. Uma tira de couro cru fortemente amarrada e presa a um nó, dá a volta da cangalha e fixa-a solidamente. O animal, na cabeça, só leva um cabresto de couro cru, ou de crina de cavalo trançada, que passa por trás das orelhas e deixa a boca do animal livre para pastar e beber. A rédea, que se prende ao cabresto e com a qual se amarra o burro, quando este esta arreado, é presa à cangalha; uma vez tudo isto pronto, deixam-se os animais marchar livremente uns atrás dos outros. No fim de cada dia de viagem dá-se a cada burro, depois de aliviá-los da carga, uma ração de milho: esta é posta, como para os cavalos de guerra, num pequeno saco (bornal) suspenso ao pescoço do animal, ou então espalhada sobre pedaços de couro. É quando o arrieiro raspa os animais com um instrumento próprio chamado "raspadeira", e os solta no pasto, geralmente próximo ao rancho".

A disciplina de uma tropa é rigorosa, para dirigi-la é necessária uma soma de previsão, de cuidados, uma prática e uma energia de que só podem fazer idéia justa os capitães das expedições. Não só as dificuldades próprias dos caminhos, o mau tempo, as passagens dos rios, as travessias custosas, os atoleiros, os "roladores" das serras, - mais ainda o tratamento diários dos animais, as aguadas, os pastos, os transvios, as ervas venenosas, as moléstias comuns dos cargueiros, os meios de evitá-las ou curá-las - tudo isso constitui preocupação e ocupação constante do tropeiro. E, além de tudo isto, o zelo pela carga, que é um depósito sagrado e não pode sofrer detrimento algum.

A probidade do tropeiro era um dos traços característicos da profissão e rarissimamente a mercadoria ou dinheiro, entregues aos seus cuidados, deixavam de chegar ao seu destino. Eram homens reforçados e corajosos, prontos a debelar todos os acidentes da viagem, como práticos e honrados nos negócios".

* JOÃO DORNAS FILHO





O POETA E OS TROPEIROS

Efemérides das Digressões de um Burro Mineiro

"Esta é uma obra de ficção, personagens e histórias extraídos do imaginário de Minas Gerais, cujas semelhanças com pessoas ou fatos atuais se devem à mera coincidência das inumeráveis repetições que a vida nos impõe.
Tropeiros e burros às vezes se confundem numa simbiose existencial provocada por longas horas de vivência."

1796

1000 ditos - 00:00 horas

Prepare-se para uma longa viagem aos rincões de Minas Gerais.
Aqui se inicia uma estória de luta e afirmação da mineiridade.

999 ditos - 18:00 hs

A agenda de amanhã é cheia de esperanças.
Ouvi dizer que vou ao encontro do mapa da mina.
Sou mineiro. Desconfio que acredito.
Mineiro, escuto o encanto que sereia ...sussurra:
É Verdade! Suspiro...
Senhor, abre em mim um só caminho,
já que é impossível ser tão incompreensível, assim!

Sinto-me assim, nublado... e quando rola um cascalho, mineiro,
paro escuto olho oro e peço um triscar de luz...
...enquanto espreito, desconfio das pedras que não se mexem.

20:00 hs

Estou a beira de um riacho e se de um lado, mata,
do outro também é mata.

Só resta seguir as águas desta véspera de um encontro que pode mudar
todos os momentos restantes de minha vida.

Saudações à Grande Força Cósmica do Amor Universal.
Sinto-me agora... acalmado até que novo cascalho role.

998 ditos - 10:00 hs

Trilho um caminho cheio de pedras caídas...
Temos uma carroça grande a transportar.
Auxiliares capazes.

Entrei numa zona escura.
Ligo sonares em morcegos.






997 ditos - 11:00 hs

Voltar ao princípio não é uma decisão a ser tomada.
É um princípio a nos observar.

Cansado destas pedras por que caminho,
deixo-me levar pelos sentidos alertas.
Sentarei à sombra do angá,
à beira das águas que cobrem as pedras roladas
pensarei pescarei pesarei pegarei após a festa profana
o caminho novo que a Verdade sempre indicou.

996 ditos - 18:00 hs

Agora, passado o rio e sem árvores estandartes em toda
à volta do caminho... paro, besta.

O Vale descortinado abre-se em pernas e braços.
As águas faiscam o ouro de tolo.

E agora meu Pai, por onde sigo?
- Feche os olhos e siga confiante.

- Abra os olhos e siga desconfiando.

- Evite o vale de pernas abertasss.

995 ditos - 19:00 hs

Oh! Tormenta... pesa a carga e escorrega o caminho.

Que jeito! a gente para e espera.
Sonha de conta gotas de faz de trouxa com mulher carinhosa.
Chupa maracujá.

994 ditos - 20:00 hs

Águas passadas pedras corridas caminho comprido.
Olho no chão antes que a lama esconda a breve luz.

Encontro porta de venda.

- Por que tá com os zooinho tão fechado? pergunta a hospedeira.
(Sigo o conselho de meu Pai! - pensei em responder.)

Volto prá carroça grande, escuto viola causo e pouso...

Consulta aqui consulta ali, conselha.

Pergunto ao velho de olhos semicerrados com o coração apertado
pelo velho medo de ter errado a trilha:

- Sim Senhor, aonde vai dar este caminho?
- Vai dar no Criativo, sim Senhor.



993 ditos - 16:00 hs

O sol entra com intimidade no quarto de dormir.
Aquece a cama, limpa e desinfeta.
Tira a umidade da parede.
Deixa limpo pra dama da noite.

Estou impaciente com esta espera,
caminho há tanto tempo...
não consigo segurar meu pensamento - corcoveia
empina, reclama, estica, me olha, me implora...
liberdade, liberdade, liberdade.

Não adianta.
Neste próximo trecho do caminho, não caminho só.
Sem os companheiros não há passagem.
Sem as mãos, companheiras felizes... é melhor esperar.
Paciência.

17:00 hs.
Orei. Sonhei.

Continuo esperando qualquer sinal... qualquer aviso, qualquer coisa.

17:10
Chegam as companheiras de todo dia.
Sejam bem vindas.
Já não estou tão solitário.

17:15
Chegam os companheiros de tantos ditos.
Sejam bem vindos.
Falamos de trabalho.

17:45 hs.
Espero a Provedora destes ditos.
Mal consigo conter minha apreensão.
Sei que nada vai mudar.
O fumo que mastigo ressoa em meus ouvidos:
Minas... Minas... Minas.

Abre as portas pro caminho novo, imploro.
Mude o rumo das conversas, rezo.

992 ditos - 20:00 hs

Eta dia premiado, sô!
Chegam os companheiros de um novo mundo
- sempre estivemos juntos... dá licença pró abraço.
Chega a carroça prometida. Novinha em folha.
Chegam os bons pensadores de nosso tempo.
A Provedora mandou provimentos.
Mesmo assim... a inquieta ação persiste.
O medo viaja também sobre todos os trilhos da terra...... escuto o violeiro cantar.
Oh, dia prometido, amanhã... chega!

991 ditos - 15:00 hs

Eta dia sofrido! O dia sempre chega na hora do dia.
Sofro de atoa.
O dia parado, quente.
Grilos, moscas, zumbido transformador.
Quem já chegou se esparrama em busca de sombra.
Outros ainda preparam o dia a dia.
Há promessa de chuva nesta tarde.
Água fresca que falta aos suprimentos.
Paciência. A gente espera.
Amanhã vou conhecer a Minas siderúrgica.
O minério de ferro forjado por estes mineiros de pele ouro-velho.
Chega a notícia que tanto esperava.
O dia prometido cumpriu a promessa.
Vamos ter que voltar e tomar um caminho novo.
Antes, vou fazer a minha prece.
Cumprir as tarefas que necessitam de trabalho.
Garantir suprimentos para mais caminhada e antes de seguir,
uma última prosa a beira da porteira.

16:00 hs
Que dá vontade de chorar... dá. Mas desta vez aceito com resignação.
Agradeço ao Guia que protege enquanto contraria.

990 ditos - 22:00 hs

Hoje levei a grande carroça pros mineiros de um vale. Gigantes!
Os homens e o tempo passam devagar em meio a raios e trovões...
Algo de ancestralidade presente.
Caminhei do pavio ao fio. Esses mineiros são de fogo e aço.
Voltei prás montanhas de meu quadrilátero.
E agora meu Pai, livrai-me das carroças,
dai-me pasto e sossego, um pouco de mulher bonita de ver,
uma pinga jogada ao chão e cheiro acre do fumo de homem.

989 ditos - 20:00 hs

Dia de ventania.
Voou papel de um lado ao outro.
O vento muda. É viração!
O tempo muda. É mutação.
Sinal de que amanhã vamos carregar a grande carroça.
Desta vez vou ter parceiro ao meu lado.
Quem sabe assim, duplicando os sentidos alertas
brilhe, tão intenso, irrefutável, definitivamente no olhar
do parceiro que esperamos... o caminho de Minas Gerada.

988 ditos - 16:00 hs

Invento.

- Bom dia, cavaleiros!
O Poeta pediu-me esta interferência extraída do Diário de um Burro Mineiro, de 1796.


987 ditos - 17:00 hs

Os poderosos, cavalos ligeiros, se agitaram.
Por dois ditos correram em tapetes vermelhos levando pastas e papéis.
O reino se agita.
O povo, artistas, espertos e poetas, olham e ouvem.
Os senhores de corte migraram atrás de portas em pares.
Decretos clamam pela qualidade, outros por paridade.
Homens de fala mansa, mulheres de fala difícil,
homens de fala forte, mulheres de fala fácil.
Alternadamente surgem os mineiros que olham ouvindo
o Palácio.

É, vamos voltar de tropa!
e o mineiro que venera a Liberdade... vai voltar falante.
Sedicioso silente das serras do quadrilátero.

É hora de mudar o rumo, caminhar em paralelo
ao alcance do cheiro da mesma carne na panela
cozinhando ao longo deste primeiro século de cidade.

Dizem que quando um burro fala o outro baixa a orelha...
nestes ditos vi tantas orelhas caídas que só espero a hora de pasto e sossego,
mulher bonita de ver, uma pinga jogada ao chão
e o cheiro acre do fumo de rolo.

986 ditos - 14:00 hs

Brumado, o céu
entra esfumante pela porta aberta do celeiro
aquecido, olhos melados na chuva mole
a guardo, espero.

22:00 hs
O primeiro grilo, após a tempestade, anuncia:
o sol ressurgindo amanhã
a volta às trilhas escorregadias e sinuosas
a busca perseverante de um brilho no olhar companheiro
os olhos que pedem um descanso justo desta vigília.

985 ditos - 15:00 hs

Tarde quente de fim das águas... mormaço e silêncio
prenunciam um embate de descendência européia.
Meu amor me diz da última porteira antes de um mundo novo.
Espero que a última pedra desta trilha estreita indique um caminho antigo.
Um caminho onde a carga seja necessariamente abandonada.
Onde as carroças sejam inúteis, onde a liberdade seja abrigo.







984 ditos - 17:00 hs

Santa Casa de Misericórdia... boa tarde.
Bom lugar... amanhã, última porteira depois do parto,
não quero pasto... quero Minas Gerada!
O cheiro de fumo, a pinga jogada ao solo, a mulher bonita de se ver...
não posso querer, são do mundo dos homens
não posso levar, os homens são ciumentos
mas levarei lembranças... os pensamentos são livres de propriedades.

983 ditos - 17:00 hs

Hoje foi dia de afagos em minhas orelhas.
Talvez um consolo por não ter Minas Gerado...
Talvez uma afirmação de um caminho novo...
Talvez por ter chegado um burro novo, velho.
São estas maravilhas do comportamento humano... apaixonadamente.
Quando penso, sinto, e fico assim com o semblante entristecido.

982 ditos - 21:00 hs

Ugh! que pesadelo!
Foi assim:
Mulas sem cabeça me cercaram a beira da porteira.
Zurraram... zurraram à vontade.
Achou que me arrastaram?
Sou burro mas não sou besta!
Escutei enquanto levavam o Mineiro
confidente de tantas horas juntos
interpretando seu poema predileto...
Quem matou a Quaresmeira?
Prás barras da Justiça.
Depois o puseram frente a um bacalhau de olhos vidrados.
Sem toga pregou-lhe a lei na cara.
Besta eu fiquei quando vi meu companheiro sorrindo
debaixo daquela barba crescida em meio aos nevoeiros.
Acordei.
O Mineiro no meio daquele fumeiro. O Poeta derramando pinga no paieiro
Os dois sorrindo inconfidentes tramando a próxima tempestade
Vou dormir... assistir a trama e imaginar um final feliz neste teatro.

981 ditos - 15:00 hs

Sol quente de fim das águas.
Mormaço, moscas impertinentes, grilos
e a falta de perspectivas de novas caminhadas
nas trilhas de Minas.

Os homens da corte
prorrogam a carta de alforria
propostas não faltam
propósitos também
prosperam em cartas aladas
nas patas dos cavalos ligeiros.


980 ditos - 20:00 hs

O mineiro semeou o milho a semana inteira.
Sinal que tá tramando outra minerada.
Lá vem carga pro meu lombo, brotando daquelas pepitas
que a besta aqui ajudou a plantar.
O mineiro levou doce prá mulher bonita.
Chamou os amigos prá dez pedidas.

Todo dia toma pinga e queima paieiro com o Poeta.
Ninguém escuta a conversa daqueles dois um.
O outono já põe folhas nos caminhos.
Amacia as pedras da fronteira.
Os bons parceiros, aqueles que alimentam a pousada,
Nos esperam com palha seca, água fresca,
Homens barulhentos e filisteus.

Conheci os homens e seus mistérios.
Conheci as torres e seus cemitérios.
Cantou o cavaleiro marginal, banhado em ribeirão,
nas muitas idas e vindas em busca do Poeta, nestas canções
que canta dizendo o que não pude nesta vida de burro mineiro.

Limpo as remelas moles do canto dos olhos cansados
Fungo o nariz molhado do orvalho de outono na minha alma
Bocejo o destino dos homens de criar necessidades
Espreguiço o dia de prazeres e trabalho
Vou dar um bordejo numa neguinha Sincera lá na porteira lateral.
Depois, espreitar a safadeza no quintal
esperando o dia amanhecer cheio de segredos de fazer amigos,
como diz o mineiro que leva e traz poesia pro poeta.

979 ditos - 11:00 hs

O mineiro chegou danado...
Cheio de afazeres, distribuiu o manifesto
Inadimplemento, aos homens da corte.
Apagou as referências do passado.
Gosto e sinto medo quando as coisas se agitam.
O Poeta agora anda armado com a lâmina afiada de sua língua.
O canivete sem fio preso à cinta, e trama, trama pelas varandas
enquanto a mão, direita, espeta os homens sórdidos.

12:00 hs
Ainda bem que amanhã a quinta-feira é santa.
Sexta vamos rememorar a morte de Jesus,
aqui perto, em Vila Rica.
Com tanta agitação em ronda, ameaças de confisco
tentativas de rompimento de tratados
a busca da nova mina vai ficando protelada,
o pensamento criativo embargado pela revolta
o amor ao próximo diluído nos pensamentos de vingança
os ensinamentos de mis anos perdidos nas palavras embaralhadas.




13:00 horas
Oh!... Luz que nos Ilumina!
Oh!... Grande Força do Amor Universal
Manifeste sua Presença em nossas almas nubladas.
Ajude o Poeta e o Mineiro a não errar a nova trilha.
Ajunte o Poeta e o Mineiro a este povo da ajuda.
Permeie o conhecimento da natureza irmã nos pensamentos da poesia.
Permeie a convivência doadora nas mãos mineradoras.
Olhai por nós burros rezadores sem razão maior na vida que pensar na humanidade.

978 ditos -15:00 hs

Hoje vi uma cena insólita.
Um homem chupava a água do coco, deliciado.
O coco, apenas fruto, olhos e boca perpassados pelo aço branco
perguntou-me com a sabedoria dos que nascem no topo das árvores
o que seria do homem se outros evoluídos descessem à terra
e chupassem suas cabeças, deliciados com o novo sabor, natural.

Ainda bem que burro não tem o tal cérebro apetitoso.

16:00 hs
O povo nas estradas a caminho de Vila Rica
leva carroças coloridas prá celebração do crucificado
ajuntam-se na praça do enforcado
até que a noite de amanhã coloque na procissão
madalena de profissão duvidosa, mas verdadeira
amante do cavaleiro de armadura perfurada.
O mineiro, mulher e crias, o Poeta irmão, os burros mineiros
vão nessa rota encontrar inconfidentes nas grotas do Itacolomy.

977 ditos - 20:00 hs

Se é para amar não vou mudar meu pensamento dito de solidão.
Sei franceses - Sei Spantaneiro - Sei Poeta - Sei julgador de poetas

Senhor sou digno de minhas dores.
Perdoai minhas burrices, afinal fizeste-me burro, não é?
hoje longe choro tua volta esquecendo de voltar
morte vela sentinela sou do corpo desse meu irmão que já se vai
e histórias vem me contar...

perdoa pai
perdoa velho
perdoa irmão

c'est la merde!
ontem romperam fronteiras
notas dez desta melodia
quem me explica este destino
que grito agora responderia...
difícil dizer que estamos estrelas rosas.




Alguém que vive passagem numa cidade estrangeira lembrou os sonhos que eu tinha e
esqueci com a mesa, como a poeira se esquece do mundo todo num goteiral...
como adormeci no rio... hummm sonhaando...
na cal da pedra o sol lançou-se esquecido dormindo numa cadeira.
Alguém sorriu de passagem numa cidade estrangeira lembrou o riso que eu tinha e
esquecia entre os dentes como uma pétala se esconde sonhando numa fruteirosa.......

Quem ouviu Raquel e seu canto de lamento de Maria?

Seja o que vier... venha o que vier... qualquer dia amigo eu volto a te encontrar....
o que será que andam contando pelas alcovas,
porque andam acendendo velas nos becos?
Hoje... Sábado de Aleluia quero falar de uma coisa
desviaram seu destino e seu sorriso de menino quantas vezes se escondeu
no fim de tanta veleidade, tanta cana... há que se cuidar da vida,
do mundo, com a conta da amizade
alegria sonhos caminhos verdes plantas sentimentos
merde poorra
e pé de goiabas.

976 ditos - 10:00 h

A ração de cana fermentou no bucho
ninguém foi capaz de segurar a onda...
o Poeta desviou o olhar, o amigo recebeu o coice
e agora este sentimento do mundo de cabeça virada.

Tanta alegria e prazer... braços e abraços
juras e tormentos celebrados na mesa farta.
Somos destinos aproximados por um trem que nunca chega.

Passado o ébrio, volta a vida do dia, volta a noite solidária,
voltam as palavras certas em meio ao caos de pouco cérebro
e muitas mãos de álcool e cogumelos inconfidentes.
Repito o ritual senhor da razão
mas meu coração ainda pede
perdão aos hospedeiros estupefatos
diante de tanta confusão provocada por um burro destrambelhado.

975 ditos - 21:00 hs

Passou a tempestade, os rugidos ainda se fazem ouvir, ao longe.
O Poeta serenado, o Mineiro encafifado, de tão parecidos.
Eu também me confundo com esses dois um.
Sei do Poeta. Sei do Mineiro.
Só não sei do guerreiro que sai pelos olhos indistintos.
O Poeta veste armadura e empunha a pena. O Mineiro luta.

Ah!... se não fosse essa humanidade querida
bem que me afastaria... iria prás minas que de tão gerais
cada dia menos aparece nas escolas e nos cardápios das mesas corriqueiras.

Enquanto "Minas" não for gerada... a espera nesse passo continua.



974 ditos - 13:00 hs

Ando pelas cercas e porteiras fechadas.
O pasto vizinho... verde me chama, sem passagem visível.
O Mineiro e o Spantaneiro e o Poeta andam tramando outra viagem.
A grande carroça está pronta prá partida próxima.
De tanta esperança já ando desesperançado, entregue à própria sorte.
Só não tem faltado a Provedora, pródiga em afazeres.
Será que agora vamos sair desta cidade?

973 ditos - 19:00 hs

Os Inconfidentes - Somos dez, você um, falta um.

A virtude do burro mineiro, é a discrição - um linguajar que diz sem dizer.
Hoje vou ser inconfidente. Contarei um pouco dos personagens destes ditos.

O Mineiro - fuma, bebe, proseia, reza, peca, pesca, pisca, briga, ama.
Nasceu no Quadrilátero ferrífero de Minas Gerais.
Irmão gêmeo do Poeta, dá pouco valor ao minério
para ele o que importa é a fronteira, o mistério das minas
mineiro, se guia pelo verde, esperança de um brilho dourado
enquanto busca, conspira e inventa rebeliões
olha prá dentro e espia o Brasil central todo por-de-sol
o Mineiro ama o vale aberto, minas virgem, sagrada.

O Poeta - não... fuma bebe proseia reza peca pesca pisca briga - ama.
Ninguém sabe onde nasceu, é cidadão mundano
alguns milênios mais velho que o Mineiro (gêmeo), segue a tradição
curioso com esta humanidade busca os limites do homem
admira o mar e o além e não distingue a cidade do campo
poeta mineiro, conspira e trama, vive numa peça de teatro
dá muito valor ao minério olhando prá dentro de si mesmo
o Poeta ama gentes fechadas, crianças virginais, sagradas

O Spantaneiro - não fuma, bebe, não reza, peca, não pesca, pisca, não briga, ama.
Nascido paulista, criado no pantanal, feito homem mineiro
de idade cristã, ninguém sabe ao certo aonde quer chegar
satisfeito, pela idade, vive nos limites do homem
sem fronteiras e paixões terrestres, tem os pés no chão
professor e estudante, conspira de olho na realidade
admira as minas, sem a ousadia profunda do Mineiro
o Spantaneiro ama a si mesmo, onde cabe virgens, sagradas.

Sincera - às vezes fuma, bebe reza peca, não pesca, pisca, não briga, ama.
Nascida na Vila, feita mineira pelos antepassados
Cantada em verso pelos poetas de minas e escrituras cristãs
de luz, não tem idade definida, e sempre quer chegar aonde está
vive nos limites da criação, criando-se a beirar porteiras
tem os quatro membros no chão, conhecedora do companheiro
professora sem ser estudante, nunca conspira prudente que se fez
na Tropa leva o cincerro, reúne a dispersão dos burros.
A Sincera olha prá fora, criada na beira das águas sem limites.


Burro Velho - fuma, bebe, reza, peca, briga, não pesca, pisca, trilha, , ama solitário.
Nascido baiano, fez-se mais mineiro, devagarinho
Quase só, trilha o caminho que só ele conhece, o da Provedora.
Sonha alto mas com pés no chão... viaja muito, caminha pouco.

Professor - não fuma, bebe, fala, proseia, explica, busca, pesquisa... é amado.
Nascido mineiro no quadrilátero ferrífero, irmanado ao Poeta e ao Mineiro.
Nunca está só, fazedor de companheiros, ensina caminhando.
Ainda não encontrou a mucama que merece, vagabundeia.

Capitão, - não fuma... bebe, canta, proseia, alegra, briga amorosamente.
Nascido na ilha, cercado de sal e água, vive como peixe... liso
nas horas difíceis, nas travessias escuras... é ponte, é poste, é força
adora as horas fáceis ao lado da companheira e suas crias.

Trança, - fuma, bebe, traça, tece, fita, ama tons e pinta.
Nascida mineira, tem o passo leve e os olhos... curiosice só
Com a força da juventude anda à beira da tropa, ao lado, atrás, fora.
Detesta estas paradas forçadas em vilas perdidas nas brumas.

Trancado, - bebe, fuma, inventa... inventa... inventa, ama na distâncias.
Mineiro bem nascido, tem o passo leve prá não se deixar prender
nas horas difíceis se tranca em meio a cálculos e alfarrábios
adora as horas forçadas em noturnas vilas perdidas nas brumas.

Estrela, - não fuma e bebe, espera e observa, briga e ama do mesmo jeito.
Nascida em vertentes mantiqueiras, mineira... fez-se universal
carregou consigo as manhãs nevoadas de promessas
está sempre contida, presença mutante no meio da tropa.

Genioso, - não fuma, bebe, não pesca, pisca ou peca, (m)ama.
Nascido mineiro nas vertentes do Paraopeba.
Ferreiro Harmonioso é o sobrenome que faz juz ao seu trabalho
pequenino, nunca falta sua presença, grande, nas horas difíceis
adora as horas paradas frente a forja.

A Provedora - essa só os Inconfidentes sabem, e não dizem prá ninguém.

Burro Mineiro? É só olhar no espelho! há... há há... há há há!

972 ditos - 10:00 hs

Agitação nas hostes inconfidentes,
multiplicam-se em galopes ligeiros nas estradas de Minas.
O Mineiro e o Spantaneiro tramam no fundo do coche escuro
e pelos sinais dos semblantes, está chegando a hora da partida.
Oh! Senhor... abra portas, abra porteiras, libere o caminho
destes sonhadores com a liberdade, procuradores deste povo
que faz a história, distribuidores deste conhecimento que liberta.
Enquanto espero semeio feijões na terra úmida.
Quando a tarde vier, e aqueles dois retornarem da corte
a vida neste arraial será pequena para conter os companheiros,
virá o momento de carregar a grande carroça negra
e novamente estarei trilhando os caminhos desconhecidos
desejados em cem ditos de oração.
Enquanto espero transplanto ervas da janela ao muro.

971 ditos - 17:00 hs

Esses dois... vendem égua querendo comprar!
Como estamos em Minas, foram voltados à porteira pelo Burro Velho, bem mineiramente,
os dois tomaram mais uma e o Mineiro aceitou o convite pro café, voltou
e de retorno trouxe uma pepita verde que encheu o Spantaneiro de vontade.

Hoje, cada um na sua, voltei até a porteira.
Mineiro tá procurando a Sincera
encontrou outra no cio, besta que não é, não pulou a cerca.
Encontros metafísicos são mais satisfatórios que cupinzeiros... filosofou.

970 ditos - 18:00 hs

Rio acima peixe bom
velho bugre entoando
seu antigo ritual
Spantaneirooooooooooo!!!

20:00 hs
o que quero é a TRADIÇÃO!!!
Onde está o Spantaneiro... onde???
Comi cogumelos à beira da porteira...
Oh! mundo cabeludo... esse é o preço de eu ser brasileiro... oh! Peão!

21:00 hs
Nada! não tenho nada a oferecer.
Sonhos... poesia e ilusões!
Nada a oferecer...

Oh! Deus dos desprotegidos... trem de lata...ninguém a me esperar...
a noite é o mistério... esperando o amanhecer
porra! o caso é sério... e nada significa.
Somos bestas sem mistérios... vamos levando.

Oh! Burro Velho! velho bugre torto e reto... acerte o rumo de tantos rituais antigos.
Oh! Mineiro tão perdido, torto e reto... acerte o rumo... cansado de tantos rios!
Oohh!!! desespero.... de um só que de tão só... só quereu bem.

969 ditos - 13:00 hs

O cogumelo comido à beira da porteira
provocou o revertério, transtornou o pensamento,
derramou o desespero de tanto tempo parado neste vilarejo.
Hoje, a mente clara, limpa e sossegada
transborda cheia de esperança e a poesia
enche meu coração de saudade da amada.
O olhar apaziguado estende-se pelas montanhas azuis,
águas cristalinas e o caquizeiro enferrujado pelo outono.






968 ditos - 16:00 hs

O mineiro recebeu uma carta que o deixou mais tonto que burro comendo cogumelo!
Dentro, um mapa de uma mina de ouro,
diz que fica prá lá dos campos das vertentes,
um caminho inverso aos dos bandeirantes.
Desconfio que acredito e dou a maior força
mas vou tratando da roça de feijão
já que de justiça ando desconfiado
eu, que vivo num país eternamente colonizado.

967 ditos - 11:00 hs

A Sincera põe ordem na desordem onde reside a minha ordem.
O velho Ruço põe cimento e concreteia os buracos cósmicos.
A velha Sincera tricoteia neste silêncio tão falador que a caracteriza.
As crias da Sincera pipoqueiam tagarelas à beira da poça d'água cristalina.
A Filha da Turca saciando seus impulsos, cumpre tarefas sem graça à beira do fogão.
Onde está o Spantaneiro? Onde está o Mineiro?
Onde está o Lima, poeta de lixa na ponta da língua?
Engulo a cachaça e a fumaça tão caras que tenho que tossir...
Onde está o Capitão... a suave mula Estrela e as irmanadas crias?
Onde estão os meus irmãos? Onde Deus se escondeu?
Procurando bem todo mundo tem pereba, piriri ou marca de vacina...
Hoje gotejam lágrimas de minhas narinas
Hoje grosseiras lágrimas surgem de minhas feridas
Hoje gulosas lágrimas consomem minha felicidade
Sem limites estou retido nas fronteiras dos ardores
Sem limites estou a plenos nervos, sem governo estou ajuizado
Enfim,... tô a toa na vida.

966 ditos - 18:00 hs

A carroça anda carregada... reclamei porque?
Vivo neste leva e traz ilusões, sonhos, fantasias
e um pouco de poesia a beira do riacho.
O Mineiro e o Spantaneiro, outro dia destes
inventaram de acompanhar os cavalos ligeiros.
Encontraram o Martelo e a Suada na beira da lagoa,
montaram nos piquiras e saíram a toda...
Depois... encheram o bucho de cachaça
e lá pelo amanhecer voltaram feito meninos de brinquedo novo.

A Sincera que não é besta ficou logo arrepiada
e faz uma semana que fechou a porteira.
O resultado da brincadeira virou coisa séria...
ainda bem que a Provedora encheu de carga a carroça
e agora ando da vila a corte, da corte a vila
carregando os sonhos e o piano do Burro Velho.







965 ditos - 11:00 hs
Ando de pensamento mergulhado na história das Minas Gerais,
homens e negócios, anos e permanências de sucesso...
mas nada é tão sublime como a simples poesia,
a contundente poesia da Aracnídea Vulva, do poeta Lima,
Poeta de lixa na ponta da língua.
ou mesmo a apaixonada poesia do irmão de cada dia.
Lá fora o outono seca o capim e as folhas caem amarelecidas
enquanto escorpiões metálicos refazem trilhas no caminho de pedra
crianças professam sabedoria e fantasias mescladas,
velhos buscam o que fazer com as mãos já que a cabeça ficou vazia
e os alucinados citadinos fazem tudo que odeiam.
Aqui, encastelado nesta citânia, espero a hora de partir
cansado da aventura pouca da falta de caminhos desconhecidos.
...
Bobagens do pensamento, já que o segundo seguinte é tão misterioso...
um abrir de porta, o toque da sineta, um gesto de mãos
podem revelar caminhos desejados, ou não.
Busquei nos alfarrábios do Professor:
"Desejos são sonhos dirigidos
sonhava, ai de mim, sonhando que não sonhava...
toda vida é sonho e os sonhos, sonhos são ... enfim, o desejo
sempre está onde não o pomos, mas nunca o pomos onde nós estamos."
18:00 hs
Um cavalo branco de origem estrangeira empina vaidoso no reflexo da garrafa.
Um mineiro tolo de origem perdida de origens saboreia o corcoveio.
A hora do angelus sempre descortinando nossos segredos egoístas
o vazio de nossas almas carentes de luz
nossa personalidade solitária
até que a lua ilumine o lado escuro
liberando as mulheres de pernas abertas
para o deleite da libidinagem dos homens sérios.
Hoje é sexta-feira, dia de mulas sem cabeça invadirem os becos escuros
e as travessas antigas destas vilas mineiras
esperando o efeito do álcool e fumo da madrugada
expor sem vergonha a abrir porta e soltar a aranha assanhada.
Eh! Eh! minas safadinhas... larguem as saias que lá vem ventania!
Depois, a manhã vem com o sol e todo mundo esconde o lado bom da vida.
Os mais descarados fecham o cenho e toma de regra prá todo mundo.
É hora de tirar a máscara e soltar o moleque que prendi no celeiro.

964 ditos - 17:00 hs
Semana de sossego.
O Mineiro foi minerar lá prás bandas do Rio
levado pela Provedora e companheiro do Burro Velho.
O Spantaneiro sumido pelos becos de Vila Rica
talvez de trabalheira com o filho da mãe de tradições.
Os professores, inconfidentes, cuidam de contar histórias
preparando os "tempos modernos" que a Provedora faz.
A Sincera acalmada pasteja o cansaço das molecagens
de uma noite passeada na Esbórnia.
Minas que não gerou enche o Poeta de não fazeres.
E assim vai terminando a semana aos pingados
debaixo de um tardecer brumado
ao som de teclados
Itiberê, brazílio moreira limado.

963 ditos - 11:00 hs

O Mineiro, cheio de surpresas tira do passado um arquivo de memórias
carregado de histórias misteriosas e parte alado em direção aos Campos Vertentes
e mais ao Sul das Minas Gerais e levando consigo a língua afiada do Poeta
esgrima com fantasmas decadentes nas barbas dos insensíveis magistrados
da desacreditada Justiça de meu país.

Descobre o cheiro podre do reino. Volta prás minhas montanhas silentes
feridas pelos mineradores do ferro disposto a dar uma boiada para continuar
a luta da reparação de casos esquecidos e sem nenhum valor para o momento que vivemos.

11:30 hs
Alguns momentos de reflexão sobre este povo mineiro
pisando há gerações em ouro e ferro
aprendo que o valor maior não está no minério morto sobre os seus pés
e sim numa inalcançável honra, num insofismável olhar de horizontes
numa esperança verde de esmeraldas inexistentes às ávidas mãos.
A mim que apenas basta o verde do capim
um celeiro aquecido para fabricar minhas remelas
e a companhia passageira da Sincera e nossas crias...
sempre encanta essa natureza humana capaz de grandes gestos e sacrifícios
por valores intangíveis como honra e fé.
Sacrificam-se vidas e gerações futuras numa aparente inconsequência de suas ações
recorrendo a poderes transitórios criados por eles mesmos para regular
a submersa loucura de suas presenças neste plano.
Oh! apaixonantes seres transplantados neste mundo...
Ah! curiosas criaturas criadas por um Deus misterioso...

Tá na hora de ir lá fora dar uma cagadinha na porta da venda do portuga!

962 ditos - 13:00 hs

Certas coisas, físicas, como o meu jeito de pensar com o corpo...
Coisas certas, titicas, como o meu jeito de cagar do corpo...
desaparecerão, quando no segundo de absoluta solidão, partir.

Certos coices, físicos, como o meu jeito de afastar os moscas...
Coices certos, pitimbas, como o meu jeito de pensar nos outros...
desaparecerão, quando o pensamento encontrar outra fonte de diálogo.

961 ditos - 15:00 hs

E os ditos de meu tempo escoam pela paciência diuturnamente em exercício.











960 ditos - 21:00 hs

Amo a Vida! soa estranho a minha orelha caída...
soa como alegria a outra orelha erguida!

A natureza fez-me assim na trágica condição de burro e mineiro.

Este amor não vem daquele que sou
vem daqueles que encontro e muitas vezes jamais revejo
vem das lições indicativas de um caminho sempre renovado.

O que vem daquele que sou
e que muito me agrada
é o conhecimento do joio
pelo brilho nativo do trigo.

O conhecimento do brilho dos homens de gênio.

Um conhecimento aos homens negado
por que somos burros e homens...
incapazes de ver a nós mesmos.

Mas... talvez prá compensar a insatisfação de nossos limitados poderes
talvez um toque divino para compensar a carga pesada neste corpo
talvez numa burrice... vou lhes revelar o que vejo:

Não é nada que esteja da ponta de seus dedos ao mais íntimo e secreto desejo
Não é nada que esteja presente na pequena percepção de seus sentidos alertas
É algo aos burros tão natural de ver...

alguns homens carregam no peito um cincerro!

Hu! Huu Hu! Hu Hu Huuuu!!!

959 ditos - 14:00 hs

Setenta e sete anos e ainda continua de orelha em pé...
Quem é quem é?
Setenta e sete anos e os olhos verdesfolhasoutonais ainda enxergam longe...
O pelo ralo a pele rosa o cheiro de flor do mato e a majestade no porte
O que é o que é?
















958 ditos - 15:00 hs

Tenho andado em boa companhia...
Ontem marchamos em tropa rumo a Vila Rica
subimos o outeiro no morro de São Sebastião
descemos rumo ao nascente rio das Velhas
voltamos aos mesmos lugares de onde avistamos a serra do Caraça.
Ali no alto do morro de São Sebastião
o Mineiro, o Capitão, o Spantaneiro e o Jacaré
olhavam as vastas terras deste vale ainda rico.
Ouro?
Muito mais que ouro, muito mais que esmeraldas.
Terra!

Depois, passados por vielas, becos e adegas
a tropa com mulas e suas crias a reboque
pousou a beira da lagoa... muita música
cana e poesia fecharam a noite sob o céu ouro e preto.

Agora o Mineiro e o Capitão tramam a próxima revolução.
Muitas idas e vindas ainda estendem o caminho deste dia.
Companheiros de longa era planejam construir uma vila...
uma nova vida onde palpite o sentimento que une
uma vida comum a criação e recriação de si mesmos
numa vila encravada no alto dos montes mineiros
onde a busca deste mundo novo encontre a base do descanso
após a jornada diária desta busca incessante
possível aos homens, suas mulheres e crias
e aos burros saídos das tropas
aspirantes a melodia do vento
e ao mergulho deste infinito
estado de ser em tanto amor.

Amanhã caminhos encruzilhados farão a distância aumentar...
por quanto tempo nem mesmo eles saberão
o que não passará será o tempo deste encontro
que perdura e se espalha por todos os benvindos olhares.
Por agora, acendem num gestual raro os cachimbos desta celebração
com os espíritos serenados pela certeza de terem encontrado a razão
e nada os fará diferentes e nem mudará o que são...

957 ditos - 11:00 hs

Hoje vou falar dos arrepios que a Jumanidade me trás.
Arrepios que só os burros são capazes de sentir.
Quando vejo um homem cuja cabeça se equilibra
por pouca massa em cabeça dura no lastro de moedas...
Tirem-lhe as moedas da cabeça e pastará de quatro... companheiro dos jumentos!
Quando vejo um homem cuja cabeça desequilibra
por muita massa em cabeça mole no lastro de esperma...
Tirem-lhe o esperma da cabeça e pastará de quatro... companheiro dos jumentos!

O que me arrepia não são as moedas e o esperma
estes homens são a carga mais pesada
ao lombo do burro que carrega pesada carga.

956 ditos - 18:00 hs

Hoje o Mineiro e o Poeta vieram pastar comigo.

Gratias!

Glória! Glória... Glória.

Agora irão ouvir o cincerro...
dividir a carga desta viagem...
com o burro mineiro compartilhar os conhecimentos univlersais.

Miserê! surge em pé...

18:30 hs
Caminhos já percorridos começam a se fechar.
Alguns companheiros de muitos ditos seguirão indiferentes.
Conservador e burro, sempre fico assim... meio amuado
Quando surge o sinal de pedras e árvores tombadas.
O Mineiro e o Poeta retornaram ao mundo dos homens
e desta vez espero... tenham lastreado o vazio com o vazio.

955 ditos - 18:30 hs

Ditos calmos.
A Provedora saciou seus anseios.
O Martelo e a Piquira pestanejam abastecidos.
O Spantaneiro sumido depois de mijar fora do pinico.
O Capitão trama na Corte.
O Burro Velho meio de lado.
O Lima, poeta afiado, esquece-se de que lado... fica.
A Sincera e suas crias... irradiam pelos campos mineiros.
A Filha da Turca... pasta de orelhas em pé.
O Poeta e o Mineiro depois que sentiram o gosto do capim... silenciaram.
Ando de sonhos mantiqueiros...
Quando os ditos se arrastam entre o quente e o frio.
Quando os olhos esverdeiam de erva fresca e orvalhada.
Quando vem esta lembrança dos campos vertentes desta serra mineira.
Na Mantiqueira...
a vida começou a colonização da terra, ouvi dizer.
a vida encontrou a parceria química, ouvi dizer.
a vida que me encaminha oculta a esmeralda que me basta.
No entanto, aqui na vila da corte provincial
seduz... espíritos cadentes.
Seduz... espíritos nada santos.
Seduz... espíritos ardentes.
O Mineiro e o Poeta já sonham com pastos vertentes...
Aleluia... Alelu ia!

954 ditos - 18:00 hs
A Sincera e suas crias retornam à cocheira.
A Torre irradia a Ave Maria.
Retorna o barulho das patas ligeiras chegadas da Vila.


953 ditos - 21:00 hs
Muitos ditos se pastaram.
Por muitos ditos se afastaram
e agora retornam o Poeta e o Mineiro e a velha tropa de carroça nova.
Juntaram os sonhos, bateias e pinga e fumo e um mapa de um caminho novo.
Burro Velho arrumou provisões e carroças novinhas em folha.
Daqui a oitenta e três ditos chegaremos a um velho mundo novo.
Até que enfim... ao fim juntar remela
em tantos ditos confinado nesta cocheira.
Estou roliço e os pelos brilham.
Nessa viagem não levo carroça,
A carga compartida.
O sonho partilhado.

952 ditos - 0,20 hs
Os ditos estão curtos neste inverno.
Já é segunda-feira, o lombo carregado
Orelhas murchas de tanto palavreado
A Saudade aperta os arreios.
O Domingo já se foi, o semblante carregado
Olhos cansados de século restaurado
A Tristeza aperta o peitoral.
Meus amigos se espalharam:
A Sincera e suas crias mudaram de pasto...
O Capitão foi tramar na Corte.
O Spantaneiro mandou recado lá do Matogrosso!
Oh! Poeta onde está você? no século que passou...
O Mineiro?...
Ah! esse carrego no lombo, apressado.
Agora que tem mapa novo nas mãos é um tal de corre prá lá corre prá cá...
Provisiona... Negocia... Regateia... Roga crédito... Rola prazo... Inventa e Desconta.
Organiza... Recruta... Distribui... Acompanha... Provisiona... Alimenta e Desconta.
Quando esta tropa estiver no ponto, vai ter festa, choro e riso, fumo e pinga, juras.

951 ditos - 0,30 horas
Parece que as rodas da carroça nova
que andavam meio fora do eixo
encacharam...

A Filha da Turca anda meio estrabiada.
O Professor foi mordido, de política, outra veiz.
Trança, cheia de cor vermeiada,
dá uma força na carroça nova.
Agora dá licença que vou adiantar tarefa...
depois bota sela, arreio de prata...
encontro a Sincera na beira do rio...
e então tá na hora de trazer as nossas crias ao pasto próprio.

950 ditos - 11:00 hs
Véspera.
Amanhã, carroças alinhadas
a tropa em fileira
chegaremos a um novo desfiladeiro
do outro lado... um pasto novo... trabalho prá todos... felicidade.

Carregamos quinhentas eras de muita história.

949 ditos - 11:30 hs
Travessia complicada desta vez...
Muita carga prá pouco burro... estropia.
Estropiei.
Agora, livre das carroças, bordejo a tropa alinhada.
Vez em quando dou um galopinho... mas no resto vou a passo.
Na passagem pelo desfiladeiro chegou um momento em que a alma e o corpo cansado
permitiram-se um acordo... atravessamos a pedra da Boa Esperança, e agora, na descida
do desfiladeiro aguçar a vista alertar os pés estender as mãos levantar orelhas quentar a
pele no sol da manhã quietar os sentidos na madrugada entender os bichos e as pedras
soltos... prá chegar inteiro ao fim desta trilha.

941 ditos - 17:00 hs
Querido diário... há há!
Ando muito tarefado prá ficar contar historinhas de boi dormir.
Cê que conseguiu chegar té qui inda tem muito qui fazê!
Faltam 16 léguas de morro acima.
Daqui seis léguas tem encontro na clareira que fica na beira do rio.
Vamu vê quem tá filado?
O Poeta já está lá
Aqui pertinho a Sincera
Capitão e Professor mais à frente
Trança e Trancado atrás deles
Spantaneiro tá desguiado
Burro Velho cravado corcoveia
Genioso, o ferreiro harmonioso, fogueia
O Mineiro montado neste Burro (inteiro)
cuida prá que tudo dê certo
que todos cheguem no dia
deste encontro de uma nova mina.

Somos dez, você um, falta um.

940 ditos - 12:00 hs
Burro Velho abriu caminho
Professor e Trança atravessaram
e encontraram o Poeta na beira do rio.
Sincera cuida das provisões... Genioso cuida do fogo
o Mineiro e este Burro Mineiro aguardam na passagem
Capitão e Spantaneiro com as carroças, Trancado com os equipamentos.

Os inconfidentes durante estes meses de viagem,
sussurram aos quatro ventos, a liberdade.

939 ditos - 22:00hs
Metade da tropa acampou no olho d'água...
voltei à Provedora... levei junto Professor.
Caminha Burro Velho!... sussurrei de pé apressado...
tem muito capim no mato fechado.
A travessia da passagem escura, clareou o caminho novo.
Capitão chegou com carroça velha.
Agora ladeira abaixo.
A Provedora racionou o bastante e nos mandou o suficiente.
Nove léguas de atenção no caminho entre ferro e ouro.
Minas... esta memória de um momento... esta esmeralda no olhar, espera.

938 ditos - 11:00 hs
Spantaneiro chegou...
Começamos a viagem sem volta.

937 ditos - l7:00 hs
A árvore de nome de meu pai, floreia... perfumou esta manhã
acordei com a revoada de abelhas à porta da cocheira.
Agora, revoada de aleluias... sabiá apaixonado canta alto
vez em quando passa pela moldura um pássaro caçador.
O céu laranja longe... no pico de dois irmãos
olho tudo isto com a preguiça de meus olhos pedindo horizontal.

Há dois ditos estou de pouso na Serra do Calçado.
Ao norte a serra onde um dia rolará a moça.
Ao sul as pedras onde moedas irão rodar.
Ao leste vilas ricas de minério.
Ao oeste as terras vertentes de minhas Gerais.

A tropa dispensada de tarefas espalhou-se:
Ao norte Professor, Burro Velho, Trança e Trancado
Ao leste Capitão e Estrela
Ao oeste Spantaneiro e Casco Mole, seu irmão
Aqui o Mineiro e o Poeta pitam paieiro, pingam... tramam, inconfidentes.
Esperando Sincera escuto o Poeta ao Mineiro:

Somos dez, você um... falta um
disseram-me os dedos
todos.

O Mineiro distraindo os olhos na fumaça do paieiro pindurado
no canto de sua boca
silencia.

Aproveito prá contar como foi a viagem pelas trilhas do sonho siderúrgico...

Spantaneiro chegou e trouxe junto um burro chucro.
Chamado a servir na tropa, entreguei o bugre ao Capitão.
- Soldado! apresentou-se ao Capitão.
Acostumado com as terras moles dos baixios bati o olho e nomeei:
- É Casco Mole!
A noite, à roda da fogueira lá pros lados de Sabarabuçu, Casco Mole fez a festa.
Era véspera do nosso destino.
Com aquele jeito diferente, arreganhou os beiços da tropa inteira.
Depois sumiu no mato atrás do Professor.
De madrugada, corpo moído de tanta carga
escuto Casco Mole zurrar perdido lá pros lados de Curral Del Rey.
Professor largou o coitado no meio do matagal... me fiz de mouco.
De manhã cedinho retomamos nosso caminho.
Prá minha surpresa Casco Mole tava junto, passou o dia amuado...
perguntado, disse que era saudade do Professor,
acostumado, disse a ele que o Professor agora ia andar sumido,
Casco Mole largou da tropa e foi prás bandas de Vila Rica.
O Mineiro encontrou o Poeta no Destino
voltou à tropa e comandou marcha puxada
trinta horas sem dormida, comida pouca, carga pesada.
Travou embate com o Sargentão que atravancou caminho dele,
rancou faísca nos cascos, segurei firme a parada dura,
rodiei a tropa estimulando os companheiros:

- Vamos tropa de burro-mineiro!
Minas espera o caminho novo!
Orgulhei de ver tanta valentia junta.
Na hora da chegada, aquele povo todo com roupa de festa
remelas centenárias amoleceram,
rolaram pelos pêlos crescidos na jornada,
baixei cabeça, cantoei no escuro e chorei minha alegria.
Burro Velho entrou todo açodado, o povo aplaudia o fim de tudo,
e tendo o pranto serenado ouço o grito juntado de surpresa:

- Professor chegou! Professor chegou!

Depois, já pró dia amanhecer, juntei a tropa e levei todos ao bom pasto.
O Mineiro contou a tropa e comandou a volta.
Dia claro dei falta de um bom companheiro,
Spantaneiro não estava junto... aflito olhei o horizonte, e nada.
- Onde está você Spantaneiro? rezava.

Professor, Burro Velho, Trancado e Trança ficaram em Curral Del Rey.
Capitão, Estrela e Sincera acocheirados na Serra do Calçado
relembravam nossas histórias, satisfeitos.
Preocupado, andava da cocheira à porteira a procura do Spantaneiro.
Lá pelas tantas, surge a carroça nova brilhando ao sol:
- Casco Mole! gritou o Capitão.
Spantaneiro trazia ao lado o bom irmão.

936 ditos - 18:00 hs
Glória tua...Gracias...Glóóória tu uuu aaa
As adoráveis andorinhas chegaram com a primavera.
São grandes! E cantam glórias.
Assim... pastei o dia.

O Mineiro tá lá de novo tramando na corte.
Pelo olhar... vai armar defesas, atacando.
Deus me livre!!!
Segura a espada dele, Poeta!
Pronto! Tá feito. Chamou os inconfidentes.
O Desembargador travessou um espinho na garganta.
O negócio é o seguinte:
Um dia o Poeta, indignado, publicou um manifesto
intitulado "Quem matou a Quaresmeira"
provocou a ira do velho Desembargador.
O Mineiro foi lá e tentou um acordo...
deu um boi prá festa do padroeiro...
o Desembargador desembainhou a caneta e tacou ferro nele.
O Mineiro tá cozinhando o galo velho em fogo brando desde então.
Agora trama um julgamento em praça pública.
O Poeta e o Mineiro vão redigir um manifesto aos montanheses.
Vou sair da reta que não sou besta!



935 ditos - 11:45 hs
As andorinhas continuam a glorificar o dia.
E eu quase num saio desta cocheira. E choveu de noite.
O pasto lá fora está dizendo: venhameVERDEperto...
Mas e a preguiça e o excesso de paciência acumulados neste início de primavera?
Inda mais que o resto da tropa espalhou-se. Num vi nenhum estes ditos!
Inda mais que o Mineiro e Poeta rumaram outra inconfidência.
E a passarinhada num assanhamento de puteiro.
Sei lá o que aqueles dois um fizeram...
A corte mandou um oficial de gabinete na cabana do Mineiro.
A filha mandou o oficial de jaleco pedir pinico emprestado.
O Mineiro fez demanda... esse um tem sempre de barganhar... vai gostar, sô?

934 ditos - 14:00 hs
Professor encheu as burras e agora sumiu lá pros lados do Curral Del Rey.
Spantaneiro rumou pr'oeste.
Capitão colocou o burro na sombra e ficou a ver Estrela pela fresta da cocheira.
Sincera e Trança zanzando a toa na vila.
Trancado tentando abrir o cadeado que fechou a russa dele.
Burro Velho dizem que foi abrir picada lá pros lados das Vertentes.

O Mineiro e o Poeta tão cozinhando o galo velho na pimenta vermelha.

933 ditos - 00:01 hs
O Mineiro é impositivo.
Spantaneiro... divagando perdeu a carroça nova - ficou muito tempo parado
nas terras moles do Mato Grosso - moleceu a munheca.
Chegou de volta ao Quadrilátero, e tome de Ouvidor... Oficial... tem cobrador.
Capitão.. trabalhando perdeu uns cavalos de força - ficou algum tempo parado
nas terras moles da corte do Rio de Janeiro - passou dos três dígitos.
Chegou de volta ao Quadrilátero, tomou ladeira de morro acima, faiscou... tá cobrador.
Professor... agora tem cinco patas, carroça nova, cocheira nova...com puta dor.
Trancado... é... continua tentando destrancar a porteira que o russo trancou a russa dele.
Burro Velho... recebeu lista de provimento, sumiu lá pros lado da Provedora.
Sincera... tá no pasto dela.
Estrela perto... do jeito dela.
Trança... traça um bordado de urgência. Coisa de comadre.
O Poeta... onde o Mineiro vai, ele vai atrás... muitas vezes na frente.
Contei.. como vejo: - Somos dez, você um... falta um!

7:00 hs
O Mineiro voltou zangado... tá no ritmo de nova mineirada.
Desta vez vai ser um Deus nos acuda!
Tem burro correndo de lado a lado.
Tem burro alado! Virge Maria!

12:00 hs
A coisa ficou preta!
O Mineiro vai e volta de mãos vazias.
As provisões acabaram.
Burro Velho sumido lá prós lados da Provedora... e nada.
Eu compreendo a aflição que toma conta desta tropa de burros mineiros.
Sei do coração daqueles dois um.
Desencanto e desengano entregam os pontos.
A traição paira sobre os semblantes carregados.
O Poeta sussurra aos ouvidos moucos, conspira, confidencia.
- O Mineiro tem o mapa da mina nas mãos...
Que adianta ouro sem milho e feijão?
Que adianta minério diante da fome?
Que adianta o desespero?
Que adianta a confiança?... desconfiando.
Que adianta a conversa fiada?
Diante de tanta burrada, sem destino, zurrar não basta.

Chegamos muito perto do destino... mas,
o destino é volátil como as nuvens, dissipa
frente aos olhos incapazes de conter a dispersão.

"Começaria tudo outra vez, meu amor" canta o violeiro.

Ahh! que vontade do desterro... mundo novo sem carroça,
sem amizade com o rei, sem a mulher que sonharei,
sem poetas, sem mineiros, sem cortes profundos em minh'alma.
É!... nada disso adianta mesmo.
Vou dar uma cagadinha na porta do portuga...
virar-lhe e bunda enquanto grita:
- Burro de uma figa! Vai cagar noutra freguesia!

17:00 hs
Cabisbaixo, o Mineiro, Poeta ao lado, comunica a tropa o toque de reunir.
- É o fim desta trilha.
Sinto muito por todos, mas acabou o provimento, insistir não é prudente,
tem milho no arraial, tem palha seca no paiol, tem muitas águas pela frente.
Olhos mansos, ordena:
- Arrumem as carroças, todas. Arrumem a tralha, toda.
Rumem de volta, ruminem em sua volta quem continua, quem nunca mais.
Desta vez Burro Velho não voltou... deixou o Mineiro à mingua.

932 ditos - 18:00 hs
Spantaneiro afrouxou de vez.
Confiou no inconfiável, arriou.
O Mineiro implacável... folgou ele.
Capitão, sumido lá pelos lados do Curral Del Rey,
trata de colher provisões... trabalha duro este burro de casco firme.
Amanhã vai em missão secreta lá prós lados do São Francisco.
Trancado foi convocado prá se juntar aos inconfidentes, esta noite
tem conspiração numa bodega... o Mineiro e o Poeta vão confiar
segredos e incumbir este sereno de desenvolver negociação
com os mais próximos do poder.

Professor de cocheira nova... nem dá as caras.
Trança... ainda brinca de fazer trancinhas.
Sincera e Estrela cuidam das crias, agora que a provisão falta.
Burro Velho... este parece que sumiu de vez.
- E agora, Poeta? pergunta o mineiro com aquele olhar de desafio.
Que vamos fazer sem a Provedora?
Burro Velho deserdou... de nada valeu a caminhada!
O Poeta, amigo da desdita, apenas ri, enquanto o violeiro canta:
"Na vida temos que ter algum motivo prá sonhar...
mas quem sofre tem que procurar,
pelo menos viajar... razão para viver..."

931 ditos - 14:00 hs
Desde que se enfrentaram nas barras do rio das Velhas
o Mineiro e o Sargentão travaram um embate surdo
e agora perto de conseguir o alvará da liberdade
de muitos rostos e personagens do passado
novamente surge a figura do Sargentão
atravancando o caminho dele.
Ontem foi um dia de batalha.
O Mineiro alertado pelo Capitão, ouvidou desta tramóia
urdida nos bastidores da velha capital.
Hoje fatos novos revelaram o autor das armadilhas
que por pouco derrubavam todo o esforço desta viagem
aos mais recondidos rincões de nossa história.

930 ditos - 14:30 hs
Burro Velho voltou, não deserdou conforme se desconfiava.
Coitado, tava lá lutando por alguma coisa que nem ele desconfia.
O Mineiro, paciente, ouviu a explosão oral deste burro desbravador.
Compreende sua angustia e solidão, picando trilhas no facão.
Solitário como é, quando volta de missão, volta teso como pau.
Rodeia... mas não enturma. Rodeia... mas logo volta ser patrão.
Sem saber, é querido e saudado como grande, nas rodas de fogueira.
Sem saber, é odiado e xingado como pequeno, nas voltas que tardeia.
Sem saber, é a vida renovada quando surge lá da mata, fogueado de tanta carga.
Um dia saberá que nossos tratos é ele que trateia.

O Poeta, que não confia em ninguém, confiou ao Mineiro o mapa de mina nova,
pediu que entregasse cópia ao Burro Velho, único de nós capaz de levar à Provedora
um pedido substancial de provimento para uma expedição de tamanho vulto
que seu término está previsto para quando o milênio novo for festejado mundo afora.
Burro chucro, mateiro solitário, escoiceou, corcoveou, xingou o padre, bateu pata
e resmungou... nem abriu o envelope azul. Um dia, quem sabe, descobre o segredo.

Agora, mais um passo nesta jornada, lenta e vagarosa como os ditos que se passam.
Sessenta e sete ditos faltam para o fim ou para o princípio de uma grande viagem.
Com as provisões que o Burro Velho trouxe, chegaremos ao zero dia, depois...
Enquanto isso, Sincera e Estrela, amotinadas, exigem dos companheiros aquilo
que nem mesmo elas podem se oferecer, e nem mesmo eles, e nem mesmo a vida.
Capitão e o Mineiro, lombo arriado de tanta carga caminhada, pacientes, se impacientam.
Aquele, acostumado a ver intermináveis distâncias móveis, acomoda.
Este, confinado pelas montanhas permanentes, se revolta.
Acho que vou me recolher, foram mexer com marimbondos... vai sobrar ferrão!














929 ditos - 22:00 hs
O Mineiro, inconfidente, sentiu cheiro de traição.
Fincou pé na encruzilhada.
Amoitou e anotou as idas e vindas do Sargentão.
Pitou... cuspiu a cada tragada do paieiro.
Fez poça no chão.
Capitão, burro de orelha grande, ouviu longe.
Vez em quando dava um pitaco nas orelhas do Poeta.
Este por sua vez, temperamento fogueado, corria a cata do Mineiro.
Zum zum zum prá cá... zum zum zum prá lá...
O Mineiro cada vez mais desconfiado.
Mentiroso tem perna curta! Tem rabo comprido! falava.
Desde que o Burro Velho voltou com notícia boa da Provedora,
aqueles dois um tão de correria - Capitão despachado prás bandas do Rio -
deixou duas carroças novas desacompanhadas... passaram a mão nelas.
Uma tá sumida, com gente estranha a nossa tropa.
A outra, o Mineiro e o Poeta entregaram ao Genioso, ferreiro harmonioso
que há muito tempo rodeia nossa tropa, e finalmente incorporado e aceito nela.
Mandaram carregar de ferramenta. O pequenino suou prá botar ordem em tanta tralha.
Depois de tantas idas e vindas, expedições de procuração em sete anos
que passaram, inúmeras falsas promessas de ditos melhores, mapas falsos,
minas esgotadas, feridas abertas que nem trilhas, sangue derramado, deserções,
novas adesões de sonhadores companheiros, provedoras de exploração...
nada afastou o Mineiro e o Poeta de um sonho amanhecido no quadrilátero.
A força da esperança necessita da utopia para manter a unidade dos bons corações.

Em todos estes anos, a cada encruzilhada de três pernas, drumoniavam as pedras
aceitando o rumo novo, deixaram no caminho os desapontamentos, e de onde só
a Alma se alimenta, tiraram a energia esverdeada dos olhos lacrimejantes.
Desta vez, aqueles dois um sabem... não vão chegar a mina prometida.
Desta vez, sabem que chegarão mais perto do nunca...ao vale de esperança.
Desta vez, é realidade, mil pepitas vão encher os embornais.
Desta vez, a melhor tropa de burros mineiros e tropeiros, sem antolhos, partirá.
Quanto ao Sargentão... Burro Velho tirou-lhe a farda, farto de tanta traição.

928 ditos - 18:00 hs
O sol bordeja a moça deitada
recheada de minério de ferro em suas entranhas.
Coitada! um dia os vermes comerão suas viscerais metamorfoses.
É o destino do homem sobre a face deste planeta de terra.
Um dia - já tem olhos voltados para as estrelas distantes -
Quando nada mais restar, os mineiros irão buscar as estrelas.
Nós, a tropa de burros mineiros, nos aproximamos do destino caminhando
neste passado de distâncias medidas nos segundos megas e baitas mapas.
Spantaneiro recuperou suas carroças - nova e velha - e perdeu-se na noite de Vila Rica.
Capitão voltou e tomou dos ladrões de beira estrada uma carroça mais nova que a perdida, rumou com carroça novinha em folha pros caminhos de Fernão Dias.
A outra foi confiscada em nome da nova inconfidência.
Sincera e Estrela pastam viçosas em torno da vida de suas crias.
Trança agora anda satisfeita, ficou pronto o bordado novo.
Professor - carroça nova, cocheira nova - anda a cata de mula mucameira.
Burro Velho, depois de trazer provisão prá trinta ditos, sumiu pros lados da Provedora.
Trancado e Ferreiro Harmonioso, ahhh... esses tão ralando os cascos em trilhas íngremes.
O sol vermeiado deitou macio nas cabeleiras da moça de pernas abertassss.
O Mineiro e o Poeta reunidos com pinga e fumo de rolo, juntaram os ditos que passaram
de correria e manifestos, redigiram, redirigiram, recuaram, retornaram ao bom caminho.
Hoje, sussurravam a possibilidade de agregar um burro novo e promissor nas tramas
desta tropa - filho de tropeiro autêntico, alimentado pelo suor de semelhantes, fez
carreira nas trilhas dos renovadores do sonho siderúrgico - no feitio do tão desejado e
esperado companheiro capaz de completar o que nos falta para a grande viagem.
Somos dez, você um... falta um! ... lembram-se?
É pepita verde de esmeralda! É a esperança dos novos tempos!
Brindou derramando pinga na terra mineira, o Mineiro entusiasmado.
Já vi este brado, já vi este brilho, já vi este entusiasmo.
Vou dar um bordejo na Sincera que anda meio de lado.

927 ditos - 10:00 hs
Trancado é gênio!
Juntou os pedaços e desvendou o segredo de um mapa cifrado de histórias.
É a nova mina revelada. É o caminho novo há sete anos trabalhado.
O Mineiro e o Poeta, autores da descoberta, jubilaram.
Estamos perto, muito perto do sonho tão acalentado neste ditos que se escoaram.
A tropa treinada nas vicissitudes está de casco afiado.
Agora... falta apenas um. Será o companheiro ontem abordado?
Será o Filho do Tropeiro, o autêntico Burro Mineiro que faltava?
O nome ainda não revelado deste novo inconfidente, será mantido a sete chaves.
Desta vez não haverá inconfidência que abra a minha boca de dentes amarelados,
pelo menos enquanto esta esperança esverdeada, de vez, amadurecida, não se fizer.

900 ditos - 14:00 hs
Vinte e oito ditos se passaram para estarmos aqui de retorno em véspera de mesmo fato.
Amanhã o Mineiro e o Professor rumam ao encontro deste burro novo,
o filho de tropeiro, lá nas terras altas de um lugar de pioneiros, sempre esperança,
sempre esperando Minas reconhecer os seus talentos de mineiridade
expostos às fronteiras do oceano.
Aqui, no quadrilátero, olhamos desconfiados esta mineiridade que olha pro mar!!!
Nestes vinte e oito ditos, estivemos a repetir o bem feito...
Voltamos ao passado de onde surgiu Fernão Dias,
repetimos nossa história meio à neblina fina que encobre a visão catarata...
envelheceu, São Paulo.
O Mineiro, carregado de poucos haveres, ficou estropiado.
Spantaneiro, casco mole desde que voltou das terras molhadas,
pegou carroça nova e dividiu a carga.
Os dois rumaram prás bandas da Corte, encontraram Capitão...
Capitão pensou as feridas do Mineiro. Curou a Alma.
Os três rumaram ao São Paulo envelhecido, encontraram Genioso, o Ferreiro Harmonioso.
Genioso aliviou a carga do Mineiro.
Quando o dia, aliviado, se prostrou, os quatro mineiros saíram ao encontro do Burro Velho.
Burro Velho recebeu a carga do Mineiro. Aliviou o Poeta.

895 ditos - 11:00 hs
Lá nas terras altas, vertente de Minas ao vale do Paraíba, voltaram a se encontrar:
O Mineiro, o Poeta, o Professor e o Filho do Tropeiro.
Mineiraram folgadamente. Abriu-se o mapa das minas,
descortinou-se perante aos olhares companheiros do Filho do Tropeiro
as pepitas almejadas e o rol de provisões para a travessia do caminho.
Acordou-se espíritos inconfidentes...
agora, sete ditos de penitência nos separam da partida ao caminho novo.
Tradições de mineiros... sete idas a porteira... sete rezas comungadas.
Três ditos se passaram, nunca estivemos tão perto do caminho certo.
Desconfiado... burro vivido nestas montanhas, quedo o passo com cuidado.
É tempo das águas, os caminhos molhados, as pedras fugidias do meu passo.

894 ditos - 19:00 hs
Quatro ditos se passaram, nesta conta de sete.
A tropa de burros mineiros e seus amigos tropeiros,
espalhou-se pelos pastos, cocheiras, botecos... regaços.
O Mineiro e o Poeta, confabulam... fazem listas... escolhem nomes... sonham.
A Sincera e suas crias... agitadas se preparam para o velho costume de partidas.
Capitão ficou a ouvir Estrela... bordejando sua aflição nas areias.
Spantaneiro recolheu-se às bodegas de Vila Rica... sonhando águas e peixes.
Genioso, o Ferreiro Harmonioso... afia, afina, graxeia, sempre pronto.
Trancado... continua libertinho.
Trança... ali pertinho.
Burro Velho... sumido.
E o Filho do Tropeiro... tá na porteira.
Não sei quem vai... não sei quem fica... nem sei se vou.
Burro vivido nestas montanhas, sei que o que parece... nunca é.
Sei que no meu caminho cada pedra, musgo, escorregadela... muda o rumo.
Cada morro, curva, riacho e árvore do meu caminho... ruma o rumo.
Agora... o vento do vale do Paraopeba parou de trazer chuva.
As águas andam turvas, as pedras traiçoeiras.
Amanhã será um quinto di, , a, de orações, penitências e falta de notícias.
Ninguém caminhará.

893 ditos - 12:00 hs
Cinco ditos se passaram nesta conta de sete.
o sol reapareceu... o milho se aqueceu... as maritacas chegam dizendo do verão
o cachorro late... a portuguesa estronda risadas... a Filha da Turca é turrona
o tempo passa morno neste quinto dia de penitências, orações e notícias parcas.
o Mineiro pita, Poeta pinga, Professor ressaca, Sincera brinca, Capitão apita, Estrela pisca,
Genioso, Trança, Trancado, Burro Velho e o Filho do Tropeiro, quietos. Ninguém caminhará.

892 ditos - 16:00 hs
Sexto dia de penitência:
o bando de maritacas cresce, o matraqueio sem rumo se espalha pelos ares.
o macaco preto, mudo.
os grilos telegrafam, anunciam o atraso do burro cargueiro?
Nada entendo, tudo ouço com orelhas de veleiro.
Meu coração queda no passado, vela pela cria desguiada.
Meu pensamento vagueia sem saber se cuida da alegria ou da tristeza.
a tropa fez silêncio de resignação, nosso destino está traçado.
Esta é uma tarde de muito medo do futuro, amanhã.
Oh! que vontade de sair em carreira desabalada ao encontro do Filho do Tropeiro!
Que vontade de sair em carreira desabalada ao encontro da Filha da Turca!
Que coração mais dividido, meu Deus!
O silêncio é um duro castigo, uma dura lição nesta vida, logo ele,
o silêncio - livre arbítrio doado por nosso Pai, devasta as mentes inquietas;
revolve do fundo da terra os nossos pecados,
sela nossos beiços secados, espora o medo, explora o medo, esperna o medo...
Lá... fora da cocheira, nem os insetos se mexem, poucas folhas se atrevem...
o sol mormaça o ar, transforma o tempo em espera do tempo melhor.
Fico assim, prisioneiro de meus temores: o zurro e o coice,
o suspiro longe, dos companheiros de meus sonhos mais antigos.
Oh! solidão que não me engana!



891 ditos - 11:00 hs
O sétimo dia ainda penitencio.
Desde cedo estendo o olhar para as águas vertentes - de Minas ao Paraíba.
O caminho real está deserto nesta manhã de muitas águas noturnas.
Cadê o mensageiro... Filho do Tropeiro? Oh! esperança, ilumine o caminho real.

12:00 hs
Nada.

13:00 hs
Meu coração agitou-se... Localizada a Filha da Turca
- extraviou-se - encontro o mensageiro para a palavra - não dita.
Telegrafo: "Sei pt último aviso pt não saud'ações pt"
Provisões racionadas pt desligamento concluído pt reticências"

14:00 hs
Releio os últimos ditos.
Pai - é Natal, espera de filho.
Pai - é Natal, espera de amor.
Pai - é Natal, espera de vida.

15:00 hs
Neste momento, o Filho do Tropeiro - a frente de uma grande jornada -
para, toma tento, desvenda, avalia... reunido com seus melhores batedores.
Desta reunião poderá surgir o encontro que buscamos há 350 ditos.
Marcará o fim deste diário.

16:00 hs
O diário continua...

890 ditos - 17:00 hs

Neste ano de muito trabalho, muitos ditos caminhamos por matas, riachos, trilhas, vales.
Escrevemos nossas idas e vindas.
Enquanto, nas muitas horas de espera...
espera de Caminhos melhores;
espera dos Provimentos;
espera dos Companheiros;
espera do Cansaço terminar;
espera do 12...
brincamos.
Sempre brincamos sério.
Paciência.

No dia 31 de dezembro, expira o prazo dado, ao Mineiro, pelo Governo da Capitânia das minhas Gerais,
de concessão do direito da lavra em Nossa História, tesouro escondido nos interiores de muitas cavas
e além do minério.

Bem que o Mineiro buscou... trouxe os companheiros - tropa da melhor qualidade.
Buscou Nossa História além das montanhas do Quadrilátero.
Hoje, reuniu forças prá dizer aos companheiros...
de muitas léguas, enviou o mensageiro mais ligeiro,
usando poucas palavras - de bons ventos - desejando um breve reencontro:

Somos dez pt Você um pt Faltou um pt reticências

O Mineiro olhou em volta e avaliou a tropa inteira,
nem todos voltarão quando o ano bom vier,
nem todos estarão presentes no Diário de um Burro Mineiro, de 1797.

Neste momento registro a última informação da localização de todos nós:

Poeta - meio nevoado.
Professor? passeia.
Spantaneiro? ... asvezescedo, asvezestarde.
Capitão? rodeia.
Sincera? tá por perto.
Estrela? orbita.
Trança? campeia.
Trancado? trancado.
Genioso? ferreia.
Burro Velho? Sossegado.

Aqui encerro este Diário - no ano de 1796, na Serra do Calçado, Minas Gerais - de um Burro Mineiro,
homenagem aos pioneiros, tropeiros e esquecidos heróis
da construção de nossa identidade, prisioneira e libertária.




































885 ditos - 00 horas

META...MORPHE...OPSIS
Mudança...Forma...Aparência
Chegamos a nova véspera.

Amanhã... Metha.
Antes... Opsis.
Depois... Morphe.

Está voltando aos ditos... "O Diário de um Burro Mineiro".
Estamos a novecentos e alguns ditos da passagem secular.
....
Abriu-se a porteira.

Vamos contar de novo:
... somos dez. Você um. Falta um.
Disseram-me os dedos.

Hora de reunir a tropa:
Professor... já chegou. Tamos combinado.
Sincera... também.
Trança... tá a caminho.
Trancado... na hora chega.
Spantaneiro... rodeando.
Capitão... tá desguiado.
Poeta... faz tempo que não sai da cocheira.
Genioso... o ferreiro, harmonioso, sempre a beira da forjaria.
? ? faltam dois. Quem são eles de quem só desconfio?
Gostaria que fossem Burro Velho e Tropeiro.
· O Mão Grande se apresentou. Tamos de conversa.
· A Filha da Turca doidinha prá ser chamada.
· Tem burro que nunca vi... rodeando.

Nesta minha vida
Não tive amigos
Tive ídolos
Feitos de barro, como eu!

Perdi-os
Quebrados
Nos pedestais
Onde guardei-os.

Sussura o Poeta, obrigando a contar de novo.
Somos dez. Você um. Falta um.










882 ditos - 14:00 hs

Professor... tá no cocho.
Genioso e Trança tamémtão!
Spantaneiro... tá na estrada.
Poeta e Mineiro pito e pinga... hã?
O Mineiro chegou... chegou meio de mansinho.
Trancado quieto no canto dele.
Capitão tá combinado.
Sincera tá de capela.
? quem será?

Dentro de dois ditos chega a provisão.
Tropeiro é assim mesmo. Vem no tempo dos burros.

878 ditos - 8:00 hs
Professor e Spantaneiro já apontaram no alto da serra.
Trancado... trancado.
Genioso, tá na beira da forjaria.
Poeta e Mineiro no pito e pinga.
Trança dengueia.
Sincera arruma a trouxa.
Capitão galopa na areia prá aguentar as montanhas.
Tropeiro, o provedor chega amanhã, bem de cedinho.
Criador de necessidades o homem segue indiferente
às necessidades criadas pelas necessidades dele.

874 ditos - 10:00 hs
Inda tô nesta tarefa de juntar tropa.
· Mineiro e o Professor tem hora aqui tem hora lá, nas Áreas Prohibidas.
· Trancado trancado na cocheira dele.
· Trança trançando.
· Capitão tá de reserva.
· Spantaneiro de casco mole.
· Ferreiro, harmonioso.
· Sincera, roçando.
· Poeta, pito e pinga... só.
· Tropeiro já veio já voltou.

Os mineiros do quadrilátero rumam pros Sertões do Leste.

870 ditos
Burro Velho chegou!
· O resto continua não fazendo o mesmo.
· Seis meses de pasto deixa o burro frouxo.

Burro Velho, conta comigo:
Somos dez. Você um. Falta um.
Burro Velho, burro velho, que susto... pensei que... deixa prá lá!
Burro Velho chegou. O Mineiro já tem um bom conselho.






866 ditos
A tropa está em movimento.
Professor e Spantaneiro partiram na frente. Exploram caminhos dos Certões do Leste.
Genioso, o ferreiro harmonioso preparou todas as carroças e ferraduras e tralhas afim.
Trança segue lenta junto de carroça nova.
Sincera, a retaguarda, ao sinal do Mineiro galopa galante ladeando a tropa e volta.
O Poeta ficou esperando a espera de Capitão.
Trancado guardado como reforço para a parte mais íngreme da jornada.
Deu aquele vazio aqui no pouso da serra do Calçado.
Tantos meses aguardando a ordem de partida... e agora, partiram.
Fiquei assim assim.
Meio bobo, meio pasmo.
Totalmente besta.

Capitão chegou.
O Poeta se mandou.
Spantaneiro e Professor sumiram lá na Mata.
O Mineiro se bandeou para o Curral Del Rey e tá de trama com o Burro Velho.
- Preciso de mais provimento!
- E isso é caro?
- Não isso é barato.
O Mineiro levou a carroça cheia... voltou provido.
O resto da tropa tá meio espalhado na retaguarda.

Ah! Já ia me esquecendo... o Poeta deixou um Ih! Veio.

O Fio que Partiu
No meio do caminho tinha um fio.
Bem no meio do caminho tinha um fio.
As retinas dos meus olhos esverdeados não anteviram aquela pedra.
A pedra que reteve o Fio que Partiu.

E escreveu embaixo:
A quem possa interessar.

861 ditos - 16:00 hs

Pouso da Serra do Calçado
Um distante barulho de serra
Um violão em afinação
Capitão chegou... dei uma de Burro Velho...
dotei sua carroça de provimento, não o bastante, só o necessário.
Professor e Spantaneiro internaram-se mais ainda nas Areas Prohibbidas.
Já se pastam alguns ditos sem notícias.
Sincera de tarefa em dia estica as canelas e deixa os guizos por perto.
Trança apertada de costura porque tá trançando demais.
Genioso, desafiado, só vê parafuso e porca de carroça mexida.
Enquanto não puser nos eixos, nada em volta a não ser placas e cabos.
Trancado... trancado.

· Mineiro e o Poeta andam de tramas lá pros lados do Córrego Ferrugem.
· Burro Velho e o Filho do Tropeiro pastam nos baixios do Curral del Rey.




Chega de galope o mensageiro, levantando zoeira
traz notícias daqueles dois que se embrenharam na Mata Mineira dos Certões do Leste...
estão de volta pras Minerações se aproximando de Vila Rica esta noite.
Amanhã vai rolar cachaça, pito, poesia e viola.
Risadas, causos... muita prosa.
Amanhã é dia de festa.

À noite deste mesmo dito
buscamos novos caminhos
percorrendo caminhos já trilhados
pelos antepassados pioneiros de vida nos Certões do Leste.
Encontramos resistência, subsistência, camaradagem.

Eh sodade!!!

À noite do dito seguinte.
Chegaram!
Os companheiros que se embrenharam nas matas dos Certões do Leste, chegaram.
Teve pito, prosa, pouca pinga e vinho bom.

Gravata, um burro de primeira, pé calçado prá cidade,
personagem antigo destas paragens, meio sumido, pouco citado, deu suor no Mineiro que procura ação.

Em compensação, ao por do sol, juntou turma da pesada no Pouso da Serra do Calçado.

Manhã seguinte.
Partiram...
Meus companheiros partiram.
Capitão tomou rumo do Caminho Velho.
Professor e Spantaneiro se embrenharam nas Areas Prohibbidas.
Antes, durante os poucos ditos que o Pouso da Serra do Calçado
juntou metade da tropa arranchada,
Mineiro e o Capitão se encarregaram de uma encomendinha do Burro Velho.
Capitão, que não se subordina a nada ou a ninguém, irreverente naturalmente, limpou vomitada nos cascos limpos que chutam o balde abrindo fronteiras culturais.
Depois, tome de carregar a tralha.
As Minas não esperam.
Nem as minhas, respondeu de olhos aguados de tanto azul, o Spantaneiro.
Nem as minhas, olhou por baixo da sobranceira, o Professor.
Nem as minhas, zarpou ligeiro, o Capitão.
Genioso sempre de tarefa adiantada, trabalha o ferreio harmonioso.
Sincera, galopeia no entre e vai de provimentos.
Trança, sossegou na retaguarda.
Gravata, interno.

Poeta, recolhido, observa pelas frestas da cocheira, de olhar comprido, pinga e pito, só.

Dito seguinte. Noite.
"De Mineiro a Gente Gosta"
Gente num gosta é de juiz e político por fora.

· Poeta voltou do recolhimento e provocou confusão.
· Mineiro agradeceu a parte que nos toca.
· Todos concordaram que o a parte do político nos toca.
· Agora, o juiz de fora, confundiu povo com profissão.

O Mineiro voltou do Curral Del Rey picado com o Burro Velho.
Mas voltou com carroça cheia.
Já saiu zangado. A Provedora deixou acabar o provimento e não cumpriu o combinado.
Depois pegou atravessado a Filha da Turca, deu um chega prá lá e seguiu pisando duro.
Depois confiou a Sincera seus contratempos. Racionou os mantimentos.
Depois ouviu com paciência o Poeta.
Antes teceu os movimentos de Trança.
Prá não perder viagem fechou contrato com o Trancado, irmão.
Harmonioso, o Ferreiro Genioso chegou e retratou o tratado.
Agora, mais sossegado estica os olhos pro lado das Areas Prohibbidas e sente saudades do Professor.
Spantaneiro bom companheiro, acompanha o irmão querido.
Antes disso tentou saber de Capitão... em vão.

858 ditos - 12:00 hs

O Pouso da Serra do Calçado tá zuendo moscas.
Sincera mandou as crias pro pasto do vizinho.
Ruma com o Poeta pros lados de Vila Rica.
Mineiro zanza de um a outro levando provisões.
Aqueles dois mandaram dizer que vão indo bem pelas Vertentes do Caparaó.
Dois ditos de sossego no Pouso da Serra do Calçado... pela frente,
depois, tome de corrida entre Provedor e Professor.
A silente mata mineira abriu-se a nossa frente. Vamos de caminhada.
Noite do dito seguinte.
Sincera e o Poeta voltaram das cercanias do Tripui.
Noite de pito, pinga e carteado.
Voltaram cientes para os muitos ditos de tarefa pela frente.
Professor e Spantaneiro, depois de chegarem às vertentes do Caparaó, silenciaram.
O resto da tropa continua de cocheira cheia.
Lá pros lados do Rola Moça desceu uma cadente.
Sucesso... nos Certões do Leste! desejei.
Há muito acompanho o Mineiro... de sela e arreio.
Desde os primeiros passos desta mineirianidade crescente.
Manhã seguinte.
No pouso da serra do Calçado ficaram, pássaros e mulheres de vassoura.
Tem tropa pros lados do Piracicaba, do Paraíba e Paraibuna,
Velhas e eu... aqui sentado... eh! Sodade!

859 ditos - 20:00 hs

Foi só reclamar do sossego que perdi o meu sossegado traseiro nesta cadeira de pousada.
E tome carga pro Piracicaba. E tome de carga pro Paraibuna.
É chegá e já to indo. Agora é a tropa que tá precisando de uma checadinha rápida.
· Tropeiro anda meio entristecido.
· Burro Velho arredio
· Professor tirou uns ditos prá brincar de mocinho.
· Sincera no leva e traz, correiando petições da Corte prá própria Corte.
· Spantaneiro se embrenhou pelos becos de Vila Rica e não há zurro que atice o burro.
· Trancado vai abrir a cocheira amanhã, espreguiçar as costelas e voltar prás remelas.
· Genioso, tá limpando a ferraria.
· Capitão foi convocado a prestar serviço atravessando o Paraíba.
· Trança afiou os cascos nas pedras soltas e tá doidinha prá cavalgar frente à tropa.
· Poeta, pito e pinga.
· Mineiro, anda de suspiro fundo.

Inevitável, o tempo cuida, trata.

850 ditos - 10:00 hs

Muita água rolou no Pomba, no Paraibuna, no Muriahe.
Muita poeira levantada nos cascoreios da tropa.
Muito pouso e arranchado nos caminhos da Mata Mineira.

Muita tralha,
"cabrestos, buçais, cangalhas com retrancas e peitorais, seligotes, bastos, socadinhos, catuchas, lombilhos, pelegos, caronas, albardas, mantas e baixeiros sobrecilhas, sobrecargas, badanas, arrochos, topes de baeta vermelha ou de panos de cores vivas nos fardos, cabeçadas, couros crus dobrados ao meio e com o pêlo para dentro a cobrirem as cargas e defendê-las do mau tempo".

Pouca escrita.
Pouca provisão.
Pouca parceria.

Burro Velho emburrou de vez.
Brigado com o Filho do Tropeiro, cortou a provisão.
Não abre novas trilhas, não vê os horizontes.
Ensimesmado, perdeu-se nos conflitos da corte.
Filho do Tropeiro, assoberbado, recolheu-se no fechamento
característico dos homens forasteiros da Mata Mineira.
Trança, encantada com sua imagem na poça d'água
perdeu-se na encruzilhada e tomou o caminho torto.
Mineiro, recebeu as sobras do conflito, coices e machadadas faiscaram no seu olhar.
Largou de vez o empenho de trazer, juntos, burro chucro e marchadeiro e mula arteira.
Não nega o valor e o quanto gosta destes companheiros vacilantes,
mas a tropa, o sonho, e as Minas Gerais vêm em primeiro.

Poeta, Professor, Spantaneiro, Sincera, Genioso, Capitão e Trancado, continuam.
Juntos, esquadrinharam a Mata Mineira.
Mapearam seus contornos e entradas.
Mergulharam em encontros enriquecedores.
Mão Grande e sua viola traduzem a poesia das terras altas.
Um novo, velho, inconfidente, vindo da Mata, encheu de cores esta história - o Tinteiro.
Encontraram nas serras do Carangola um burro escalador - o Brigadeiro.
Lima - burro poeta, inconfidente e anarquista, afia a voz nos serões intermináveis,
desvenda em versos a intimidade das fêmeas fogosas, e revela os segredos dos machos.

Mineiro e Genioso desvendaram o mapa de um caminho novo.
Em breve, abrirão ao mundo os escondidos da Mata.
Então será o tempo de buscar novos rumos, sempre em direção as terras de Minas Gerais.













845 ditos - 9:00 hs

Ontem foi dia, noite, de Mão Grande.
Empunhou a viola e acompanhado de Trancinha (irmã de Trança)
desfiou a inconfidência e suas marílias e suas manhas.
Hoje, vou reproduzir um pouco deste personagem das sombras.

Mão Grande por Mão Grande:

"A trilha é o caminho que temos prá percorrer. Percorrer os Sertões do Leste procurando pelos tropeiros de Minas, que estão por aí juntando os pedaços de Minas. Pedaços que tem o sabor de um pé-de-moleque, de um pão de queijo, das coisas gostosas que a gente não quer esquecer, e não devemos. O capitão desta tropa mineira não traçou rota nenhuma, afinal de contas Minas tem tantas trilhas que o mapa dessa alma sonora ficaria rabiscado demais e difícil de entender. Confiou a arriscosa função a este tropeiro, talvez o mais lento de todos, porque além das fazendas, da linguiça e das notícias de lá, traz amarrado no rabo do seu burrinho Melodia, o inseparável violão. E não há sombra prá este tropeiro que não seja um convite, amarrar o Melodia numa tronquera, respirar fundo o ar da solidão e inspirar-se na mineiridade da sua própria natureza. Isso com certeza faz a jornada mais lenta, devagar como os passos dados em Minas, passos sóbrios, desconfiados, mas atentos. É preciso tempo para a contemplação e nada como as ladeiras e serras mineiras para tornar este tempo mais devagar, quase eterno, misturando passado, presente e futuro. Mas este violeiro é como a maioria dos mineiros, não larga o passado, se fia na tradição, às vezes por medo, medo de superstição. Ainda toca o violão com cordas de tripas, faz a música com facão, talhando barrocamente compassos, tirando uma lasquinha de nota ali e outra aqui para que não se pertube a eternidade do tempo, da música que conta de sua maneira as impressões desta terra de baetas, geralistas, tabaréus e tapiocanos."

841 ditos - 19:00 horas e o sol ainda clareia nossos olhares

Chegamos ao nosso primeiro destino.
Caminhamos por estas trilhas em longos ditos.
Encurtamos nossas vidas em setecentos e muitos dias.
Por montanhas e vales de pernas abertas.
Por pousos e ranchos.
Por rios e matas.
Por trilhas.

Somos dez, você um, falta um.
Disseram-me os dedos.

A Mata Mineira não esconde mais os seus segredos.
Inconfidentes, contamos os passos desta jornada.
A tropa vai chegando aos poucos e subindo a última ladeira.
Vai rolar pito e pinga nas serras do coração de Minas Gerais.
Viola e canto no lamento mineiro.
Muito choro, muita prosa, muito abraço.

Nem todos estarão presentes - alguns quedaram no caminho -
a não ser nesta lembrança, que de tão oculta, só o Poeta saberá.
Nos despedimos da Mata Mineira.
Voltaremos.
A Mata é surpreendentemente bela.
Há de se levantar. Há de se proteger.

Agora voltaremos nossos olhares para outros recantos de Minas Gerais.
Quem virá conosco?
Quem nos dará o provimento?
Não sabemos.

É chegada a hora da última contagem.

Professor? Chegou e anda a busca de mucama para o leito quente.
Genioso, o ferreiro harmonioso? Sempre junto, sempre presente, sempre afiado.
Spantaneiro? Chegou, devagar, quase parando no azulado das águas calmas.
Sincera? Presente, sempre ao lado do Mineiro e suas crias.
Trancado? Trancado, como sempre, e quando procuro, tá à frente.
Capitão e Estrela? Não chegaram, mas tão pertinho.
Poeta? Pito e pinga inconfidência.
Mineiro? Já chegou e já partiu em busca de provimento para o caminho novo.
Falta um?!
É o Burro Velho, sempre embrenhado no mato sem cachorro?

Outros burros mineiros se acomodam nesta tropa original:
Filho do Tropeiro, bom de sela e montaria.
Tinteiro. Pintando a borda das montanhas.
Mão Grande. Afina as tripas da viola, do alto, onde escuta longe.

Agora dá licença que a festança começou.

830 ditos - 7:00 hs

Missão cumprida.
A missão encumprida.
O Mineiro recebeu carga extra.
O Natal se aproxima.
Estradas enlameadas.
Muita carga.
Pouca provisão.
A tropa dispersada.





























824 ditos - 00:00 hs

Inconfidências.

Ainda nas trilhas: Poeta, Mineiro e Sincera.
Professor estropiado na cocheira.
Trancado, trancado.
Genioso no ba(ia)nhado.
Spantaneiro, espantado.
Capitão, sem comando.
Burro Velho, moitado.
Mão Grande, viola, pito e pinga.

Somos dez, separados.
Somos um, juntados.
Quantos somos?
...
Falta um.

807 ditos

O Mineiro foi ao Provedor-Mor:

- Burro Velho, os provimentos da tropa estão no limite dos sete ditos sagrados!
A tropa está dispersa. O carregamento no telheiro.
Sessenta dias a jornada no retorno da Mata.
Dá prá adiantar o retorno?

- Mineiro, agradeço a lembrança que o Poeta não enviou.
Tamémtôpricisando de sessenta dias.
Quéumconseio?... vorta prás Áreas Prohibbidas.

O Poeta sussurra aos ouvidos do Mineiro:
Qui tá...
Queta!

O Mineiro olhou seu amigo quedar-se, o velho Burro Velho, picador de burro chucro,
Guentava firme num mato sem cachorro.
Antes de despedir-se, um olhar de ternura pelo caminho percorrido.
Deixou a esperança de sessenta dias que o Burro Velho precisava.
Amanhã volta prá Mata Mineira.

806 ditos - 12:00 hs

Um ar de tristeza, saudade, nenhum romance.
Um vento fresco sopra das montanhas tão perto...
É a esperança.

As Minas Gerais gerada, rasgada no Caminho Novo.
A Tropa rebelada revela a estrada real.
Está voltando ao ar a inconfidência mineira.

E a Tropa?
Hora de juntar os burros.

· Mineiro chamou o Poeta e no meio da fumaça e no cheiro da pinga abriu o mapa do rumo novo.
· Chamou a Sincera no meio da falta das patacas, racionou a provisão.
· Chamou Genioso e traçou o caminho e os meios.
· Chamou Spantaneiro a meio caminho da Mata e o mandou garantir a retaguarda.
· Chamou Professor e o encontrou no meio da Diamantina a caminho da boiadada do Norte.
· Chamou Capitão, enferrujado na maresia, tropeçou na primeira pedra e voltou prá beira-rio.
· Burro Velho chamou o Mineiro e avisou de novo carregamento nas terras mineiras.

Mão Grande e Tinteiro já se ofereceram prá obrar em Vila Rica.

O Mineiro e o Poeta se enfurnaram na bodega, quando saíram despacharam mensageiro enviando carta aberta:

"Prezado Provedor-Mor.

Socorro!

Estamos retidos nas Areas Prohibbidas. A provisão dura apenas os sete sagrados dias.
Temos missão a cumprir nas Areas Mineiras. Vila Rica nos espera há 300 anos.
Não podemos faltar a este encontro.

Entregamos nossa carga aos Tropeiros da Mata.
Por setecentos e trinta dias somos parceiros. Desde o primeiro encontro com a alta corte.
Busco novo encontro na clareira.
Carregamos 5.000 pepitas de minério puro, as mais belas imagens da história de um povo hospitaleiro, criativo.

O caminho de volta tem muitas encruzilhadas. Muitos aventureiros e perdidos. Nossa tropa combalida.
Sem provisões, sem um guia que nos leve de retorno à casa grande onde o destino das 5.000 pepitas, aguarda.
Sem provisões a tropa se torna alvo fácil dos oportunistas.

Somos obstinados. Somos homens de palavra, do fio de barba basta. Voltaremos para o nosso Quadrilátero."

Ah! Esses dois um não tomam tento.
É virá ano, vêm as águas, falta milho, falta pão.
Só não falta viração.

800 ditos - 14:00 hs

O Poeta de pena nova rabisca sem parar.
O Mineiro de caderneta em punho, registra as contas.
Chamado, o mensageiro vem no passo ao novo envio.
O Provedor-Mor não deu retorno ao pedido de socorro.
As provisões estão no fim. A tropa pronta prá partir.
O Poeta vendo o Mineiro preso nos laços dos matreiros,
Apela ao Provedor da Mata a liberdade de partir, honrados.








Ao prezado Provedor da Mata
Nossas saud'ações em alta.

Gostaríamos de falar com vosmicê pessoalmente - tentamos cumprir seu convite no causo de problema,
Mas o companheiro tem cadeado na porteira - como Filho do Tropeiro,
Sabe que mata-burro num é lugar de passá cum a tropa.

Quanto à carga encomendada... faltou o possível.
Nossa tropa é de tradição e Tropeiro Mineiro cumpre o combinado.
Vai, então, compreender a natureza do nosso sentimento de tristeza e preocupação
e perdoe a sisudez do relato de prestação de contas - Segue mensageiro com o cadernete do Mineiro.

Tão dizendo por aí que seus companheiros aqui tão de atraso e isso nos deixa faiscando os cascos.
Sabemos que vosmicê é homem da tradição e num vai de nos deixá à mercê dos urubus.

Combinado é prometido.
Vamos lhe entregar a carga ajustada e relembrar o tratado:
Vosmicê perguntou se a carga era justa prá levar até a Mata Mineira.
Estava escrito nos seus olhos a sabedoria da empreitada possível.
Respondemos que era justa. Tropeiro Mineiro num nega carga.
Gostamos de desafios. Só não contávamos com a tal porteira fechada, a cadeado
- somos experimentados nas estradas, mata- burro num tava no nosso tratado e nem no seu (temos certeza). Gostamos dos nossos burros mineiros e tropeiro que se preza, preza os burros.

Dessa forma queremos expressar que temos o mesmo sentimento de gostar dos seus.
Sua tropa é de primeira linha. São treinados para superar montanhas.
Disciplinados e determinados e honestos.
Como pode então uma união tão preparada faltar com compromisso?
Vosmicê sabe a resposta. Tava escrito nos seus olhos naquele dia.

Tamos de despedida, é hora de ir embora. É tempo das águas. A carga é pouca, a provisão acaba.
Mensagem que vai, num volta. Mensagem que vem, só piora. Tem burro de cortar o coração.
Tamos de partida. Carga na região mineira nos espera.
Homem justo, que é o companheiro, poderá reformar o combinado e
Nos liberar dos excessos, sem prejudicar nossa obrigação.

Do seu amigo, Poeta, à 794 dias do destino.


798 ditos

Mensageiro que foi a Mata... perdeu a mensagem no caminho.
Mineiro e Sincera fazem da tropa coração.
Acabou a provisão.
Professor quieto na cocheira.
Spantaneiro tá que nem burro guenta.
Ferreiro, harmonioso, come ferradura prá segurar a forja.
Trança anda de rodeio.
Capitão perdeu o caminho da volta.
Poeta é pinga e fumo o dia todo.
Mão Grande anda rodeando... rodeando de viola e canto de cigarra.
Burro Velho vive na promessa de trazer provisão.
Filho do Tropeiro tá negando fogo.



792 ditos - 20:00 hs

As águas de março têm deixado as picadas perigosas e o riacho, rio.
O Mineiro conseguiu tirar a tropa da Mata.
Agora traça e trama roteiro para carga dos festejos de Vila Rica.
Vida dura. Sobra ouro, falta pão.

Uma nova parceira surge nos horizontes, lá à derriba da Serra do Curral Del Rey.
Gente fina, inglesada, bem cuidada, prometem uma provedora de mão cheia.
Lá, no meio deles tem um burro novo, o Jambreiro, cheio de vontade.
Anda doidinho prá romper as cercas, antevê o mundo novo que o Mineiro conta.
Mas as pernas mal acostumadas com ladeiras precisam de um trato, tutano.
O Mineiro tem dado um bom trato no companheiro desejado para uma longa jornada na região das minas.
Mas, como é da natureza da província, paciência que as coisas andam, devagarinho.

Que que é isso?
Ah! É gente do matogrosso. Parentado com o Casco Mole lá das terras pantaneiras.
Mandou mensageiro pedindo instrução para carga da terra deles.
Povo empoeirado e aventureiro, tem que ir com cuidado prá não ficar atolado.
O Mineiro devolveu mensagem dizendo que prá ir até lá, o sal tem que tá no cocho, primeiro.

790 ditos - 14:00 hs

Chegou mensagem de Spantaneiro:
"Se somos enganados pela vida e depositamos um grande valor por uma coisa
ou outra, podemos nos pegar lutando por aquilo por que queremos, opondo-nos
a tudo e a todos. Podemos pensar que aquilo por que lutamos é duradouro,
verdadeiro e real, mas não é. É impermanente, não é verdadeiro, não é
duradouro, em última análise sequer é real. "

Nesta vida, caminhamos com os que ficam, à beira do caminho. Sussurra o Poeta.

É tempo das águas, ainda. Tempo das metamorfoses.
Burro Velho chama o Mineiro e mostra o caminho novo. Convida.
Mineiro chama a Tropa. Convida.
Aos poucos chegam os companheiros.
Professor bem de mansinho, chega sem se fazer notar.
Ferreiro e Bigorna (mula nova), traz junto o Tranqüilo.
Spantaneiro perdeu as rédeas da carroça nova! chega gritando o mensageiro.
Ah... Meu Deus!
Mineiro junta os machos,
Ferreiro toma as rédeas de sua carroça arrumada.
Vão pros caminhos do Pico, meio caminho de Vila Rica.
Galope estradeiro.
Spantaneiro está sozinho no meio dos libertos.
Mineiro dá um abraço longo, molha a paisagem Spantaneiro,
Professor bem de mansinho chega perto,
Ferreiro, de olho forjado em muitas horas de fogo e ferro, setencia: tá no ferro.
Spantaneiro, sem carroça, finalmente chega na Serra do Calçado.
Tá em casa de Mineiro.
Bem acolhido, calentado, faz parelha ao lado do Mineiro, Poeta no lado esquerdo.
Varam madrugada adentro.
Poeta no pito e pinga sussurra o fim dos sete anos das minas fugidias.
Revela-se inteiro ao companheiro, depois parte,
deixando Spantaneiro e Mineiro no revolto do aço mal feito no eixo da carroça nova.

788 ditos - 02:00 hs

Mais mensagem do Spantaneiro!

"A mente , quando usada de modo positivo - para gerar compaixão, por exemplo
-, é capaz de criar grandes benefícios.
Pode parecer que esses benefícios vêm de Deus, ou Buda
Mas são simplesmente o resultado das sementes que plantamos."

Tem mão do Professor nisso, Poeta sussurra, no intervalo do pito ou da pinga,
Justo quando o Mineiro preparava sua carta de resposta aos orientos de Burro Velho.
Trancado saiu da cocheira, avisou: Tô vivo! Voltou prá dentro dele.
Tem burro sumido que tá voltando, sussurrou o Poeta.
Eh! Burro Velho, burro velho, sabedor das coisas.
Mineiro tá juntando a tropa.

Sincera tá sem sossego.
Rodopia, galopa, recua, avança, sossega.
Capitão carrega sal.

"Somos dez, você um, falta um. Sussurra o Poeta.
Quem falta? Olha em volta o Mineiro.
Professor, tá junto.
Spantaneiro, parelho.
Ferreiro, harmonioso.
Trancado, tá vivo.
Sincera, partida.
Poeta, pingando.
Capitão, no sal.
Trança, nem sinal.
Burro Velho, sinaliza.

Eh! Diacho de um que num chega nunca!

784 ditos - 17:00 hs

Rebelião à vista... sussurra o Poeta.

Sincera empina.
Ferreiro trinca.
Trancado estanca.
Professor desguia.
Spantaneiro trava.

Sem alternativas o Mineiro leva a carroça pró Mercador, burro bem tratado, crina prateada:
- Eh! Mineiro, vão chegando.
- Eh! Mercador, tá bonito e roliço!
(tira duas pepitas e entrega ao velho companheiro de extravio)
A conversa vai direto ao ponto:
Eh! Vida dura. Burro Velho atrasou o ponto. Tô de quatro. Vende a carroça. Vou levar no lombo.
Mercador vai de pronto: Oh! Liberto, leva a carroça do Mineiro e dá um trato!

De volta à serra do Calçado, Mineiro e Poeta, arregaçam as mangas.
Poeta põe pito e pinga do lado de fora.
Tem três dias que os dois tão lá: trancados.

Spantaneiro sem carroça, passa lépido em rumo de Vila Rica.
Mineiro sem carroça, fica olhando até que o companheiro some.
Ferreiro, sabedor das necessitudes, põe mensageiro a disposição.

- Aqui chegamos... tudo em volta parece sem sentido, a tropa, o diário, o trabalho!
(Poeta, chega na fresta da porta entreaberta, pega a pinga e o pito com cara de safado)
Mineiro continua aos zurros... Spantaneiro diz que tudo é impermanente!
- Sincera, chega de sonho!
- Ferreiro, baixa o fogo!
- Professor, traz as putas!
(Poeta, chega na fresta da porta entreaberta, um sorriso nos olhos semi-cerrados, fecha a porta)

- Agora, escute companheiro, pare de zurrar, de ouvir sussurros.
As Minas Gerais não têm mais ouro.
Minas Gerais é assim algo como um tesouro.
Um tesouro que a gente procura.
Chegamos a este ponto juntos:
Se você sofre, sofro.
Se você perde, perco.
Se você cobra, cobro.
Sonha, sonho.
Vide, verso.
Sente, penso.
- Orá bolas!
- Bolo.

O tal de inevitável.
Vê. Companheiro.
Contraocê, copia.
Contraovê, reproduz.

783 ditos - 22:00 hs

Noite, véspera, sempre durmo bem, difícil tem sido acordar para o dia.
Amanhã, me desespera.
Burro Velho me diz, espera.

Sempre que rumo novo aguarda os meus passos, é assim.
O terreno empedra ou barreia.
O tempo alterna.
Provimento escasseia.
Eh! Minas Gerais, lá vamos nós outra vez.
Dessa vez não sei prá onde.
Nem sei se quero ir.
A vontade é largar a tralha e sumir.
Cansei deste emparedamento permanente.









780 ditos - 11:00 hs

Novidades chegam.
É o Jambreiro.

Hoje Poeta falou prá ele:
Somos dez, você um, falta um.
Jambreiro quis logo saber do resto da tropa.
Como é da natureza, burro novo é talentoso.

Mineiro trata o Jambreiro com paciência.
As pernas já tão mais firmes... se frouxar sai no galope.
Apesar de todas as urgências que as nossas necessitades geradas em meio às pepitas, trazem,
Não é época de galope, a saída é no trote compassado com as batidas do coração.
Tropeiro largado de chofre dá com os burros n'agua.

Poeta escuta as histórias do Mineiro, entusiasmado com o Jambreiro.
Esse tem garra! Tem vontade! É burro bom de companhar a gente!
Poeta derrama a pinga pro santo. Solta uma baforada de fumo barato.
Olha por entre as pestanas longas confundindo com a barba espessa.
Sei não! Diz entre dentes. Tá mais com jeito de estrambelhar. Muito fogo em pouca venta.
Esses gringos eu conheço... se galopar freiam, se freiar picam... espora.

Eh! Poeta, para de agourar, precisamos de sangue novo na tropa! Berra o Mineiro.

Não é agouro nem desanimação, é a verdade.
Até concordo que o Jambreiro é aquisição de bom calibre.
Só acho meio estranho essa mistura com os gringos...
se fosse ocê não contava muito com o entusiasmo.
Acho que ele tá mais prá gente do que prá lá.
Se ocê trouxer o Jambreiro prá perto da gente, até concordo, o bicho é bom.
O mais, é esperança. Só.

Mineiro quetô o facho. Ficou olhando as montanhas azulando no horizonte.
Conheço esse jeito de ficar quieto. Tá matutando as palavras do Poeta.

777 ditos - 13:00 hs

Mercador, faltou com a palavra.
Burro Velho, negô fogo.
Mineiro fincou pé.
Vamos de rumo novo.
Hora de soltar raízes.

- Sincera ruma coisas.
Adeus, Serra do Calçado.
Vila Rica, Ouro Preto.
Coração do Quadrilátero.
D'As Minas Gerais, aguarde.

776 ditos - 14:00 hs

Mercador, cumpriu combinado, atrasado.
Burro Velho, olha o trem!
Mineiro foi prá Estação.


770 ditos - 12:00 hs

Tempo nublado na Serra do Calçado.
Este vale desnudado deste alto vai ficar na lembrança.
As despedidas são sempre nubladas.
Tormentos passados, que valem?

Sinais da fraqueza
Tentais na verdade
Sinais da franqueza

Estação do Trem!

Pousos, não há mais pousos.
Há pousadas, hospedarias.

O tempo muda. É viração.

Linhas de fino aço tecem caminhos sem porteiras e mata-burros.
Carroças de pau e ferro na poeira dos vagões.
As Minas Gerais sem ouro, sem ferro, sem mata, ainda têm um belo horizonte.

O vento muda. É vibração.

Fim da tropa.
Um tempo percorrido no passo de quatro.
Fim das carroças e burros arriados.

Trem de Ferro... Cidade... Casa de Tijolos e Telhas de Barro.

Fim do pouso da Serra do Calçado.
Fim da tropa.

E os companheiros, Mineiro? - pergunta o Poeta depois de decretar o fim de um tempo.
Mineiro, assim meio sem jeito, pegado de surpresa pela definitude do decreto do Poeta,
da passividade de sua mudança inevitável, sonha longe no apito do trem.

Os companheiros são os companheiros, ora!
Companheiro é aquele que companha, num é mesmo?
O fim da tropa é natural. Tudo muda no transporte.
Agora é tempo da cidade. Vila rica de homens pobres.

Chega de estradas, barrancos, provações.
Vamos juntar as forças.
Chega de provedores prisionadores.
Chega de sargentões e capitães do mato.

Viva uma nova liberdade.
Liberdade na cidade.
Viva plena idade.





768 ditos - 15:00 hs

Sincera chegou de mansinho.
Buscou na vila a provisão que nos faltava para o passo no caminho novo.
Determinada quer mudanças.
Chega de estradas sem destino.
Chega de sofrimento de tanta falta.

O Mineiro, sente a necessidade de suas crias.
Sincera não quer mais seguir com a tropa.
Poeta satisfeito com Vila Rica e suas bodegas aconchegantes.
Ferreiro, sem carvão prá forjaria.
Spantaneiro sem carroça, já não sai da Vila.
Professor, esse não tem raízes.
Trancado, não sai mesmo da cocheira.
Burro Velho, misterioso, enrola.
Jambreiro, sumiu na mata fechada.

O trem de ferro vai trazendo as mudanças.
Vá lá, a gente muda.
Troca a Tropa das trilhas pelos trilhos.

764 ditos - 09:00 hs

Chega mensagem do Spantaneiro:

"Por mais que eu pense
Que eu sinta, que eu fale
Tem sempre alguma coisa
Por dizer.
Oh! lua de cosmo
No céu estampada
Permita que a tropa
Possa amanhecer.
Quem sabe, de novo
Nessa madrugada
O Burro Velho resolva aparecer."

Poeta sussura ao vento:

Ah! Burro Velho, burro velho querido, manhoso, matreiro,
Sabedor de muitos caminhos na solidão de seu mundo,
Explorador de matas fechadas, negociador duro nas paradas,
Não há zurrar que o abale, não há nada no mundo que o comova,
A não ser quando o lombo cansado enverga sob o peso de suas longas horas.

Chega (com atraso) mensagem do Ferreiro:

"Diante das palavras me sinto numa clareira... risos, sofrimentos, emoções.
Expectativas e esperanças de novos rumos.
Ferreiro está pronto para nova caminhada.
Talvez um rio com águas claras para lavar o suor frio
e as marcas de carvão do rosto.
A tropa procura pelo pico da terra prometida...
Para que lado esta? Diria que adiante."


Duros tempos esses de longas horas de espera.
Todos plenos de vontade de caminhar.
Todos prontos para partir aventurados...
Duros tempos esses de longas horas de espera.

Emociona ver os companheiros de tantos dias versejando sentimentos
A espera de um breve toque, um sinal apenas do sino da capela.

Burro Velho diz, espere.
Jambreiro nada diz, nada.

As horas consumindo nossa arte, nosso conhecimento, nosso... desconhecido.

E as portas fechadas em que a mão não bate?
Portas sem casa. Chaves que abrem o vazio.

O vento frio que soprava, aqueceu-se.
Prenúncio de noite clara de luar.

Esperar.

760 ditos

Jambreiro pegô estrada! Chega gritando o mensageiro.
Mineiro olha Poeta. Sem palavras os dois se entendem.
Quê qui houve? Pergunta espantado Spantaneiro.
Jambreiro é como a gente, num guenta corda nem marração. Setencia o Poeta.
Tem sangue bom, se a corda aperta, arrebenta. Nasceu prá ser seu próprio patrão.
É inconfidente! Vou chamar o Jambreiro prá se juntar a gente. Diz Mineiro.
Sei não, diz Poeta, tem perna fraca o companheiro. Pouca estrada na liberdade.
Vai em frente, quem sabe com o tranco Jambreiro chegou no ponto.
Liberdade é exercício, oportunidade não negamos.
Depois, a gente sabe, entre nós só ficam os apaixonados pelo vento livre.

755 ditos - 06:00 hs

Mineiro, Sincera e suas crias rumaram pro litoral.
Sincera conseguiu um carregamento de sal.
Espaventado, chega na beira imperial, o Spantaneiro.
Ouviu notícias que as pedras vão rolar.
Entusiasmado chama a turma pro espetáculo.
Que espetáculo!
Diante multidão incalculável as pedras rolantes despencaram.
Fim da festa explodem fogos de variadas cores.
A turba entusiasmada explode em aplausos.
Hora de voltar prás montanhas de Minas.
Mineiro deixa a companheira e suas crias na Serra do Calçado.
Acompanha Spantaneiro, ainda sem carroça, a Vila Rica.
Descobrem que Professor andou por lá atrás de igrejas e ressurreição do nosso Senhor.
Acomodados numa bodega em rua estreita, conspiram uma nova empreitada.
Preparam os planos da mudança da Serra do Calçado.
De volta, Mineiro e Poeta retomam a rotina dos longos dias espectantes.

Jambreiro, fugido dos gringos, ronda pelas cercanias.
Vamos a cata dele saber dos rumos que vai tomar.

752 ditos - 16:00 hs

Burro Velho voltou!
Burro Velho chamou!
Burro Velho tá vivo!
Burro Velho apareceu, gente!
Chega gritando o mensageiro.

Gloriosa tarde de sol poente.
O mundo parece mais leve.
Um ar de alegria de véspera toma conta do pouso da Serra do Calçado.

Tem carga lá pros lados do Curral Del Rey!
Vamos tomar um porre esta noite? Convida o Mineiro ao Poeta.
Abre as burras Sincera, que hoje é dia de festa!
Burro Velho, velho burro danado, some, desembesta na floresta,
e quando menos se espera, olha ele aí de volta.
Tropeiro de boa cepa é assim, tarda, às vezes, é a carga.
Ou a estrada, ou os bandidos traidores da mata.

- Tarda mas num farta! Palavra de tropeiro é fio de bigode!

Calma aí companheiro, diz o Poeta sussurrando,
Devagar com o andor que o santo é de barro.
Concordo com tudo que ocê disse, mas não esquece do passado:
Burro Velho enxerga longe, suas cargas são pesadas, desafios pela frente.
Provisão bem racionada, nunca chega a ser o bastante, Quando muito suficiente.
Exigente, com ele num tem errada. Se ele tarda o mesmo num pode a gente.
Fica esperto na negociada prá num sobrar pepita e depois faltar o pão.
Mineiro se afasta com a cara preocupada.
Fica olhando o sol poente lá prás bandas do Rola Moça.
Sempre é dura esta parada. Espero que desta vez seja diferente.

745 ditos - 18:00 hs
Mão Grande surgiu.
Assim, meio derepente como é o jeito dele....
Muita letra em muita música como é o jeito dele.
Quer ser, pode ser, merece ser,
Mas ainda não é um dos nossos,
Sem desmerecimento, é claro...
É o espírito da fêmea inato em almas que se matam....
Sobra falta de vontade.

Mineiro tomou o porre prometido.
Juntou Poeta e Mão Grande no mesmo copo.
Contou dos companheiros desta viagem:
Sincera, cocheira forrada.
Genioso, suficiente.
Trancado, trancado.
Professor, pronto.
Capitão, trocado.
Spantaneiro, ferrado.
Trança, ligada.
Mão Grande, afiado.
Bigorna, atenta.
Poeta, deitado.

Somos dez, você um, falta um.

É o Burro Velho! afirma o Mineiro.
É o Merecimento! afina o Mão Grande.
Diacho de um que nunca chega! sussurra o Poeta.

WilliAM! Lança mais uma! grita o Poeta ao fundo da bodega.

Finda a noite... o dia prometido é o amanhã.

744 ditos - 07:00 hs

A Tropa tem tarefa.
Quanto é? Quanto é? Quanto é? Quanto é? Quanto é? Quanto é? Quanto é? Quanto é? Quanto é? Quanto é?
Perguntam os dez que somos.

Ressoa o sussurro do Poeta:
"Calma aí companheiro, diz o Poeta sussurrando,
Concordo com tudo que ocê disse, mas não esquece do passado:
Burro Velho enxerga longe, suas cargas são pesadas, desafios pela frente.
Provisão bem racionada, nunca chega a ser o bastante, quando muito suficiente.
Exigente, com ele num tem errada. Se ele tarda o mesmo num pode a gente.
Fica esperto na negociada prá num sobrar pepita e depois faltar o pão."

É o pão de cada dia! Responde a todos o Mineiro.

Quem vai? Quem vai? Quem vai? Quem vai? Quem vai? Quem vai?

739 ditos - 07:00 hs

Surge um mapa na mão do Poeta.

- Gente é uma tela de verdade! grita o Poeta.
- Um momento... não tem nada escrito? observa o Professor.
- Num tem nome, marca alguma? indaga a Sincera.
- Burro Velho vai entender? pondera o Spantaneiro.
- Que tamanho tem esta tela, e o peso, e as dimensões? esfrega as mãos o Ferreiro.
- Que Qui Eu faço? arregala os olhos a Trança.
- Aproximem-se! Orienta o Mineiro.

Esta tela é um mapa, concorda amigo Poeta?
Sem palavras, Professor.
O nome já foi utilizado, Sincera. Volte à primeira linha.
A marca esta nesta tela, observe, deixe seu olhar acostumar.
Burro Velho é o guia, Spantaneiro. Acostumado a ler os mapas.
Ferreiro, você é o primeiro, vamos ao que interessa.
Trança, enquanto espera, pinta.

Poeta, vem comigo ao Ferreiro.
Genioso? anseia o Poeta.
Harmonioso, decreta o Mineiro.

Entram os três na forjaria.
Eh diabo de lugar quente!
Sossega Poeta qui depois vamos a bodega.

Ferreiro, vamos partir nesta missão.
Burro Velho racionou a provisão.
É o suficiente prá avançar um bom pedaço.
Desta vez vamos de três. Burro Velho com a gente.
Você leva nossa carroça. Trança do seu lado.
Burro Velho vai à frente, Poeta do seu lado esquerdo.

E ôce onde é Qui vai? provoca o Poeta.

Somos dez, você um, falta um.
Como sempre, vou com vocês a buscar o um que falta!

Ferreiro, vamos planejar nosso roteiro:

Esta tela que o Poeta trouxe é a porta de entrada.
É como chegar a Estação do Trem.
Você sabe onde chega e nem tem idéia de até onde pode chegar.
Burro Velho nos deu uma missão, chegar até a Estação.
Se vamos nesse Trem, não sabemos, Burro Velho só fala em partes.
A viagem é curta, dois a três meses de tropa.

Spantaneiro, Sincera e Professor, vão ficar em Vila Rica.
Capitão e Trancado tão de reserva. Cuido deles depois.

Poeta se mandou pela porta aberta da Forja do Ferreiro.
Mineiro fez que não notou e seguiu traçando os planos:

Vamos levar só o necessário.
Quanto mais rápido formos, o necessário vira bastante.
Desta vez, sem desperdícios e desatenção.
Faz a lista do necessário prá gente ver se tem o bastante.

Vamos desenhar nosso mapa de serviço:
Enquanto Trança borda o mapa que o Poeta trouxe, vamos rever o mapa da Mata.
Quero que você marque um lugar onde possamos acampar a cada noite nestas trilhas.
Onde, a volta da fogueira os tropeiros se reunam. Café e prosa (e pinga e pito, sussurra o Poeta e some).
Onde, Burro Velho que caminha só, possa fazer uma pausa no caminho torto.
Onde eu saiba, a quantas andam os companheiros.

Vamos acertar a provisão de cada um.
Burro Velho tá ferrado.
Poeta não precisa.
Roda nova prá carroça.
Ache a Trança e vê o que precisa.
Põe burro novo no travessão, traz o Tranqüilo lá do pasto.
(Tranqüilo, burro castanhado, jeito quieto, acostumado a andar junto do Ferreiro, tem origem desconhecida, não bebe, fuma, pesca, pisca e se tem conversa só o Ferreiro e a Bigorna sabem).

Bigorna tá contente?... Segue em frente.

Agora dá licença que vou cuidar da Tropa que vai pros lados de Vila Rica.

...

Mais tarde.

Poeta chega os olhos avermeiados pela forja sempre acesa.
Na porta do Ferreiro, indaga:

- Já foi?
- Foi já!!!

Inda bem... Oh! Capitão...Meu Capitão!
Muito temos prá encontrar, pouco temos prá falar.

- Pito e Pinga?
- Fala baixo, na véspera de partida o Mineiro fica seco.

Os dois se afastam rumo a bodega sempre aberta. Capitão que saber das coordenadas.

Olha aí Meu Capitão, coordenadas é com o Mineiro, comigo só safadezas, faz favor...
Quer saber das inconfidências, eu conto.
(Cadê esse pito que nunca chega? pingá sem pitá num dá!)
Eh! Spantaneiro... tenho palha e fogo, tem rolão aí?

Spantaneiro sempre enrolado, na manta, olha esverdeado o Poeta no fundo da bodega.
Esperança no azulado das águas paradas do Pantanal.

Ferreiro chega à porta e chama o Mineiro.
- Encontrei Trança lá no pasto, rolou no capim, ficou molhada, escorregou, deu meia volta, galopou...
- Deixa livre companheiro, amanhã volta... se não voltar pego a Piquira e o Martelo. Vamos seguir com o combinado.

A vila sossegou. A lua ainda dorme.
Trança e suas crias no Curral Del Rey.
Professor sumiu no Mato Dentro.
Burro Velho, ainda inconfidente, de desconfiado, hoje é dia de Dragões, fechou a porta do armazém.

Em Vila Rica, portas e janelas também estão fechadas.

Na Cadeia onde pousam os insurgentes
Autoridade não convidada
Convive a nossa liberdade
Cercando a praça aos seus não convidados
Cerceando a passagem hospitaleira

Mesmos agentes diferentes.
Mesmos postos diferentes.
Mesma gente.

Amanhã, os 198 baitaditos de brasil idade.
Vão-se os homens fica a identidade.









736 ditos - 08:00 hs

Mineiro ainda tá de ajuntá tropa.

Pegou Professor no pulo.
Professor veio procurar o Poeta.
Encontrou o Poeta e disse a ele que gostaria de encontrar o Poeta.
Poeta escutou. Se mandou.
- Lá vem Professor me pedir prá escrever cartinha. De amor ele é mestre.
Professor fez que não ouviu. Sumiu.
Mineiro o achou... acenou com uma viagem de risco.
- Prá Vila Rica só tem provisão prá ida. Quem for num tem carga garantida na volta.
Professor já foi preparar os livros.

Ontem, Trança voltou.
Hoje tornou a voltar prá encruzilhada... ficou prá tras.
- Se amanhã não chegar... Mineiro vai deixá prá tras. (Sussurra o Poeta, inconfidente)

Burro Velho recebeu a lista de provisões prá ir até o Piracicaba, passando por Sabarabuçu. Ida e volta.

Mineiro prometeu voltar daqui a quatro ditos. Vai trazer o roteiro da viagem.

Alô Bigorna! Grita o Poeta indo ao encontro do Mineiro.

- Mão Grande apontou lá no alto do morro... arruma um lugar na Tropa de Vila Rica prá ele.

Mal Mineiro ouve...

- Eh Mineiro cuméquivãoascoisas aí?
- Eh Mão Grande cabei de ouvir...
- Cuméquié... vão? Tô de experimento novo. Oia quibelezadiviolacaipira.
- Cabei de falar com Professor. Sábado antes do por do sol eu te espero. Só tem provisão prá ida, depois...
- Epa quiéassimquieugosto!
- Intão inté.

- Ferreiro! grita o Poeta no meio da fumaça da forja vermeiando os olhos e longe da pinga.
Tamos de atraso... mas... nós não Ferreiro, nós tamos na frente, atras de Burro Velho.
Mineiro, tá atrasado, ainda tá catando burro no pasto. É a Tropa de Vila Rica que tá faltando juntá.
Spantaneiro... só se algum inconfidente contar, sumiu nos becos.
Sincera, nos baixios de Curral del Rey, tá cuidando das provisões de amanhã.
Professor, cê viu, tá no comando, num sabe ainda, nem precisa.
Mão Grande, surgiu cheio de sonoridade, quer dizer, solitudo.

- Acaba de forjar... quando a lua estiver meio alta, volto.

733 ditos - 17:00 hs

Tarde calma na Serra do Calçado.
Spantaneiro mandou mensageiro...
Ferreiro e Bigorna arrancharam esta noite em Vila Rica.
Tranqüilo também.
Encontraram o Poeta Lima que lixou o pêlo deles.





Mineiro conversa com o Poeta:
- EH Poeta, tôcansadoabessa.
- Eh! Pegou mania do Mão Grande...
- Pego o jeito de cada um, meu Querido Amigo. Primeiro, o Seu.

Segunda o jeito do Burro Velho:
- Quando custa?
- Nada!
- Ah! Não vem ôce cum essa cunversa de cultura de novo!
(Burro Velho bate com as quatro e sobe na mesa)
Desse jeito a cunversa acaba. Quanto custa cada saco!
- Do seu jeito custa caro. Responde sereno o Mineiro. (Suas mãos estão trêmulas)
- Quanto é?
- Sssqnta.
- Quanto?... Tá muito! Vam baixá.
- Prá quanto?
- Sei lá!
- Ôh... faz o seguinte: consulta o outro fornecedor... se o meu for mais caro, faço de graça.
...
Fim de conversa, Burro Velho corta um por cento, Mineiro agradece. Sai.

Terça o jeito da Sincera.
Quarta o jeito do Professor.
Quinta o jeito do Ferreiro.
Sexta o jeito da Trança.
Sábado o jeito do Mão Grande.
Domingo o jeito do Spantaneiro.

- Amanhã é Segunda-feira, jeito de quem mais?
- Vamos tomar uma pinga que isso passa.

Poeta põe suas mãos no ombro do Mineiro e sai leve rumo à bodega.

Alô! Bigorna! Grita o Poeta e segue em frente.

Cadê o Professor? Numficoudevimcá?
Tá falando quenem Mão Grande, de novo.

Mão Grande chegou Sábado
No Poente, como ficou combinado.
- Tem Lobo na Vilasou!
- Vila? Lobos? Qui conversa é essa Mão Grande?

Mão Grande entusiasmou, falou... contou do tesouro que vê... lá do alto onde vive.
Mineiro escutou. Sincera achegou.
- Mão Grande tem carga lá pros lados da Vila.
Só tem carga prá ida.
Quêquiocêacha?

Mineiro sai. Volta com o Poeta o Pito e a Pinga.
- Então?
- Parece bom.
- Tá fechado Mão Grande. Prepara as coisas prá partirmos antes da primavera.
- Intão inté.
- Inté +.

Trança chegou Sexta-feira.
Quando a Lua estava meio alta, como ficou combinado.
Na Ferraria, como estava combinado.
Ferreiro, Mineiro, Bigorna, Tranquilo já estavam presentes.
Mineiro passou as coordenadas, limites, ousadas.
Combinado... partiu.

Hoje, Mineiro deu uma volta pelo povoado.
Sincera, que o acompanhava, conduziu a caminhada até a casa dos Breus.
- Eh Breu, tamos de partida da Serra do Calçado. Falou o Mineiro.
- Vende o rancho prá nós! Falou Sincera.
- Prá onde cês vão? Perguntou Eh Breu.
- Vamos prá Vila Rica, companheiro. E os negócios, como vão?
- Vão de mal a menos pior. E os seus?
- Vão indo... devagar como deve ser.
- Qué Qui eu venda seus trecos também.
- Vende Eh Breu, vende.

Tarde calma na Serra do Calçado.

730 ditos - 00:00 hs

Dias de muito trabalho.
Mineiro e Ferreiro iniciaram a jornada com a encomenda do Burro Velho.
Travessa picada, ribeirão, serra e lá vai a tropa pros lados do Piracicaba.
Ferreiro leva Trança ao lado, meio demorada prá pegar o ritmo.
Tranqüilo vai atrás, vez em quando mostra a cara empoeirada e some na rabada.
A tropa de Vila Rica, sem comando, ficou parada.
Spantaneiro, sem companheiro ao lado, não adianta nada.
Sincera mesma coisa.
Professor dengô.
A carga espera decisão.
Mineiro, apertado pelo Burro Velho com muita carga e pouco prazo, largou de lado.
Capitão atolou nas areias moles do litoral com o carroção sem carga.
Trancado, trancado.
Mineiro já prometeu que na primeira folga vai visitar o companheiro.
Tá devendo um acerto de carga mal tratada com o bom Trancado.
Jurou ao Poeta que desta vez acerta tudo.
Tarde fria nas serranias de Minas.

729 ditos - 18:00 hs
Bom, meus companheiros. Chegamos ao meio do caminho.
Burro Velho, como sempre, agitado. Mas no fim sempre guia o caminho à frente.
Temos mudanças a fazer. Algumas provocadas, outras não desejadas.
Vamos ao pior, primeiro.
O alinhamento não está correto, quando tem um ponto, tem que alinhar fora do ponto.
Mais vida! esclamou o burro velho.
O amarra cachorro dos provedores, olho grande e olho apertado, pediu mais pedras.
Burro velho só bateu a cabeça concordando meio desconfiado
O conteúdo tá meio preso! esclamou nosso guia.
Até que concordo com isso, pensei.
Viseiras que você colocou nos burros de carga, Burro Velho!
Podem ser retiradas, exclamou.
Alertei sobre o peso.
Depois a gente arruma! Disse Burro Velho. Isso nos favorece no futuro. Portanto nada a reclamar.

720 ditos - 16:00 hs

Mineiro foi ao Burro Velho.
Abriu o mapa do roteiro.
Levou o resultado dos dias de caminhada árdua.

(Dias atrás, Mineiro levou, junto com Burro Velho, o resultado da viagem empreendida, aos provedores.
Foi um fiasco. Burro Velho soltou fogo pelas ventas. Achou que era ouro. Era birra. Ouro de tolo.)

Agora?
Sucesso.
A tropa alcançou o território almejado.

Mineiro levou pepitas verdadeiras. Burro Velho exultou. (Desta vez os provedores não foram chamados.)
Vai ser surpresa. Quando os olhos grandes e os espremidos virem o resultado da empreitada,
Vão arregalar as pupilas com a belezura que a tropa trouxe.

Desta vez, mineiro colocou a carga na frente do Burro Velho, saiu de perto...
Burro Velho mergulhou os dedos na carroça pequena, tirou pedra por pedra,
Quando virou, com as mãos trêmulas, um sorriso iluminava o burro velho,
companheiro maluco de jornadas impossíveis.

Eh Eh! Turma porreta! Quase exclamou sem dizer nada. (Resquícios de uma baianez de origem)
Parabéns! É eu sou maluco mesmo. Só doido prá encarar uma empreitada dessas. Resmungou.

É!... maluco mesmo. E nóis atrás das suas doideiras. Ralando os cascos. Ferindo o lombo.
Vão vê se na volta tem sal do bom no cocho da tropa, né, companheiro...
Intão tá, ficou satisfeito? Intão vou indo. Tem muito caminho pela frente ainda. Prá semana volto.

Burro Velho, casco duro, pelo duro, orelha em pé, desta vez amoleceu um pouco.
Ficou comovido. Coisa rara. Ficou até gentil. Coisa rara.

Mineiro saiu de manso. Foi pro pouso da Serra do Calçado. Abriu o barril. Tomou um porre.

Ferreiro foi o primeiro a aparecer. Como de costume.
Num sei como consegue ficar tão branquinho se tá sempre no fogo. Deve ser de espírito.
Queria saber das coisas. Como de costume.
É mais curioso que mula nova.

Trança deve tá lá. Na cocheira dela. Trançando talvez. Sei lá.
Vou mandar mensageiro comunicar as novidades.
Afinal, se não fosse o mapa bem traçado a gente demorava a chegar no destino.
Ela é assim... vai devagar, às vezes de tão quieta a gente nem vê.
Quando assusta... já chegou e foi embora. Difícil de acostumar.

Tranqüilo, oh Tranqüilo burro bom de companhia!
Se num fosse a tranqüilidade dele... sei não.
É assim, meio que num leva jeito, mas é jeitoso.
Caprichoso. Dos detalhes.
Num escorrega nem em morro mijado que vacada passa.

Poeta passou de passagem.
Tá de retiro em Pasárgada depois que Mineiro deu um chega prá lá nele.

Oi Bigorna! Gritou e foi embora.

Spantaneiro tá de safadeza lá em Vila Rica.
Meio sumido como é do jeito dele. Num puxa carroça nem que a vaca torça o rabo.
Sem companheiro do lado dele, para. Empaca. Fica assim meio amuado.
O que fala num conta. O que pensa nem Deus advinha.
De inconfidente só tem o in.

Professor, sumiu.
Sincera, tá que só pensa em tijolo e massa.
Capitão continua atolado na areia mole do litoral.
Trancado? Ah, o Trancado... tá trancado.
Mineiro foi lá na cocheira dele, levou meio saco de sal e deu tchau.

Sinto saudade do tempo de não fazer nada.
Quando a tropa tem carga, missão, a vila fica assim, parada.
Sem notícias, sem novidades. Pouca pinga, fumo nada.
Mineiro sem Poeta.

711 ditos - 09:00 hs

Chegou mensagem do Spantaneiro.
Fiquei assim meio de língua queimada por café requentado.
Ele diz:

COMUMENTE É ASSIM

Cada um ao nascer
Traz sua dose de amor
mas os empregos,
o dinheiro,
tudo isso,
nos resseca o solo do coração.

Sobre o coração levamos o corpo,
Sobre o corpo a camisa,
mas isto é pouco.

Alguém
Imbecilmente
Inventou os punhos
e sobre os peitos
fez correr o amido de engomar.

Quando velhos se arrependem
A mulher se pinta,
O homem faz ginástica pelo sistema Muller
Mas a tarde
A pele enche-se de rugas.

O amor floresce,
Floresce
e depois desfolha.




É, o Spantaneiro tá mesmo de safadeza lá em Vila Rica.
Êhh! Dá um tempo nesta melancolia.
Cê tá muito tempo enfiado nos becos, companheiro!
Vem passar uns dias na Serra do Calçado.

Poeta, passou de passagem e mandou uma mensagem:

Tantas palavras, tantas pesquisas,
o não entendido
jaz esquecido à vida semente.
Buscando encontro, temendo a partida.

Nas ruas, nas casas,
Onde olhares
Vive o amor esquecido
Tecido em teares de pernas abertas.

Nada não sabemos
Nos esquecemos sementes ao vento.
Existe um caminho, exige coragem,
Por ele caminham alquimistas e bruxos.

702 ditos - 10:00 hs

Tempo de calmaria tensa na Serra do Calçado.
Daqueles tempos indefiníveis
De angústia e espera de algo que não sabemos.
Parece que flutuam no ar mensagens indecifráveis
As mãos inquietas fremem sem nada palpável
A busca não é de pedras, pepitas
Cabrestos desarriados.

- E não seria assim o mundo?
O dual que vem do universo das cosmogonias míticas da cultura grega
Não diz da luz e das trevas, do dia e da noite?
O Jardim do Eden, da tradição cristã, não é um mundo de dois,
Onde um lado é o espaço das delícias, o outro o da dor?

Deste modo, num dia destes, o Professor instigava o pensamento do Spantaneiro.
Falavam do amor, estes dois desgarrados incabrestáveis.
Ao falar do amor sem frutos, Professor afirma que o amor é doce aflição.
Já o Poeta afirma que é amargura de fruta imatura.

O Mineiro anda nestes dias que sucedem a missão cumprida, assim, pensativo.
Poeta sempre ao lado, sem pito e pinga, como bem sabe que a hora pede.
A Filha da Turca é motivo permanente de suas dúvidas.
Viajante, o Mineiro procriou em pastos diferentes seu amor voluntarioso.
Seus frutos, permanentes lembranças de suas fugas, volta e meia surgem
Sombras de memórias de tempos distantes
Prisionadoras de sua liberdade intinerante.

Acostumado a um mundo de patas em poeiras
Anseia para os homens a liberdade dos muares
Nascidos, levantam-se, firmam seus membros sobre a relva
Seguem caminhantes, cambaleantes e logo galopam a liberdade.

A carga da encomenda do Burro Velho foi entregue em partes.
Antes de iniciar a jornada para o restante, folgou a tropa.
Ferreiro e sua Bigorna mantêm o fogo aceso entre idas ao mercado central.
Bigorna anda meio inquieta com a vinda de novos rumos neste seu caminhar em paralelo.
Tranqüilo segue sua rotina de guardar a retaguarda.
Trancado, trancado.
Trança, trançando.
Sincera, ativa, prepara suas crias, Flor do Campo e Dançarina, para uma jornada ao litoral pelo caminho novo.
Vai aproveitar e ver como Capitão e sua Estrela se arranjam nas terras baixas.

O dia avança trazendo tarde morna, nevoada de outono.
As mudanças anunciadas para Vila Rica arrefeceram:
Notícias de violências contra Spantaneiro
Abrandamento dos efeitos de virada do verão para o outono
Medo das grandes transformações, carroções para vagões
Acomodação das desilusões
A volta ao trabalho das cargas pesadas do Burro Velho
Paiol e cocheiras forradas para o inverno
Tudo contribui para imobilizar mudanças necessárias, adiam o evitável.

"... todos precisamos da palavra, do exercício da palavra para expressarmos o mundo.
E todos precisamos ser livres poeticamente para amar uma pessoa."
Continua o Professor em sua instigação exploratória da dualidade, junto ao Spantaneiro.
Este, quieto e calado, como é de sua natureza poeticamente livre para amar muitas
E a si mesmo.

Mineiro ainda com o gosto de cica em sua boca sussurra ao Poeta:
- Professor tá refletindo a dualidade do amor, é preciso ser livre para ser aprisionado!
- Dia e noite, delícias e dor, meu amigo.
- Que tal Pito e Pinga?

E assim estes dois um se afastam rumo a bodega envolvidos pela solidão de viver no mundo.

693 ditos - 08:00 hs

Estupefato!

O Mineiro juntou a tropa e rumou prá Vila Rica,
Professor, Ferreiro e Spantaneiro em passo largo...
Ligeiro fizeram os tratos.

Descarregado de tantas missões
Aliviado de obrigações
O Mineiro destrambelhou.

Enfurnado numa bodega de Vila Rica bebeu todos os copos possíveis numa noite só.
Spantaneiro convidou um paulista para retratar nossa missão.
Não é tropeiro nem mineiro.
Hora errada lugar errado.
Mineiro esvaziado de toda prudência extropiou o convidado.
Incorporou o Poeta Lima e lixou o couro do Paulista.
Picou, esporou, espezinhou.
Fez o que não faz.



Noite passada
Cachaça expiada
Chega cedo o Professor.
Chamou Mineiro no canto
E pediu de volta a indulgência.

Mineiro ficou calado, olhou em volta procurando o Poeta.
Poeta encolhido na sombra do angá picava o fumo... alheado.

- Que merda é essa queôceprontou?
- Só dei um repasse no Paulista...
- Professor e os outros tão achando que fui eu!
- Tô sabendo.
- Professor tá querendo um reparo.
- Vou repassar o Paulista.
- Numprecisa, ficaquietoaímesmo, deixa o Paulista com o Spantaneiro.
- Pode ficar sossegado, depois dessa ou o Paulista fica ou pica a mula.
Se fica presta. Se pica num presta.

Ferreiro chega de manso, harmonioso como sempre.
Poeta levanta e vai embora e de passagem grita prá Bigorna:
- Ehh Bigorna, num apareceu nenhuma anca larga no caminho!
Ferreiro faz que num é com ele e vai junto com o Mineiro preparar carroça pro Burro Velho.

Ontem o Mineiro recebeu o mensageiro da Corte.
Desde então às vezes para e fica assim... estupefato.
A Corte aprovou Minas Gerada! Concedeu a lavra de toda as Minas.
A tropa vai partir numa viagem sem tempo.
Percorrer As Minas Gerais por vales e topos.
Grandes transformações trazem agitação no Pouso da Serra do Calçado.
Sete anos se pastaram e muitas minas exauriram.
Mineiros pioneiros e inconfidentes se reuniram em torno de uma causa.
Liberdade, antes que seja tarde.

A noite cai sobre a Serra do Calçado
O outono prepara o inverno.
Mineiro manda mensagem aos companheiros:

Há um mundo que vejo
Há um mundo que desejo

Não importa onde estou
O que faço ou as trilhas que traç, o
,,
Ambos sempre, onde vou.

Saud'ações em alta.










684 ditos - 23:30 hs

Noite fria
Manhã luminosa
Movimento de Tropa na Serra do Calçado.

Mineiro acordou cedo.
Tomou o café quente.
Preparou o paieiro.

Chegou Sincera e trouxe a lista dos provimentos:
Prepara partida breve rumo ao Caminho Novo.
Chegou mensagem do Spantaneiro:
Ao lado do Poeta Lima misturou as palavras
Rimou língua pátria com pata alada
Escorregou em pedra molhada.
Chegou mensagem do Genioso, o ferreiro harmonioso.
2 + 2 são quatro.
4 x 10, noves fora, eleva a 3... é a tralha que vamos precisar.
Genioso prepara a ferraria pra lavra d'As Minas Gerais.
Chegou mensagem do Professor:
- Vade retro satanás!

Professor, só de vadiagem, tava cevando uma mucama lá no Curral D'El Rey.
Enturmado com os cativos ouviu falar numa tal Bombom.
Mereceu versos trabalhados, pinçados nos românticos.
Despachou mimos à musa parda.
Bombom cativada pela ceva do malandro
Sonha noites de princesa em dias de branco.
Encontro marcado nos escondidos.
Professor ficou à margem do caminho.
Absorto e excitado nem percebe que se achega
Dez arrobas de bom toucinho.
Estupefato enquanto corre em busca do cavalo
Conjetura se foram demasiados os inflamados versos de amor
Deixando assim inchada sua musa inspiradora?
Antes mesmo de alcançar a sela
Chega ofegante a doce Bombom:
- Você é o Professor? Sussurra mimosa.
- Vade retro satanás!
Assim começa o dia na Serra do Calçado.

- Bigorna é onde se malha o ferro quente, a doma de sua natureza, a forma de sua nova utilidade.
Grita o Poeta passando ligeiro antes que o Mineiro se lembre da peça no Paulista.

Mas o Mineiro está com o pensamento pleno.
Espera ansiosa da carta de lavra que a Corte mandou.
- Chega hoje mensageiro?

Depois vem tarefa árdua pela frente.
O Mineiro sabe que é missão prá Tropeiro experiente.
Burro Velho é o mais experiente guia do Quadrilátero.
Conhece bem as fronteiras, os caminhos e os meios.
Sabedor dos perigos nos desvios Burro Velho é bom conselheiro
e o Mineiro sabe o quanto precisa dos bons conselhos.

Um bom tropeiro parte em missão de provimento das minas e dos mineiros
Quando tem junto um Guia Conselheiro.

- tal era a "tropa", o primeiro meio de transportes e comércio que o Brasil possuiu, e o seu maior elemento econômico e social de colonização e fixação do homem. E os mais inteligentes e operosos adotavam roteiros magníficos, com o fim de melhor aproveitar o esforço da romagem. Numa época em que o correio não passava de uma instituição Quase inexistente, o tropeiro era o único agente de comunicações, conduzindo as cartas, notícias, encomendas e recados de toda a espécie.

A tropa que vem à retaguarda já está pronta, bem treinada.

Sete burros formam um lote, conduzido e atrelado por um homem que dele cuida. O primeiro animal da tropa tem uns arreios pintados e guarnecidos de numerosos guizos. O chefe da tropa vai a cavalo, na frente, com alguns de seus associados ou ajudantes;

Burro Velho, também alcunhado de O Trilha, não é aventureiro.
Ciente de seus passos caminha devagar prá não vergar a montaria.
Nestes próximos dias o Mineiro andará meio arredio,
a espera do dia do aconselhamento.

Poeta se achega e sussurra:
- Chegou a hora de reunir a tropa.
Chame Sincera
Chame Professor
Chame Spantaneiro
Chame Genioso, o ferreiro harmonioso
Chame Trancado
Chame Trança
Chame Capitão
Chame Tranqüilo
E leve todos ao Conselho do Burro Velho.

680 ditos - 08:00 hs

Liberdade, antes que tarde!
a mim que te retorno suave
desejo o prazer passado
nesta carta de aconchego.

Vivo o mundo diário,
onde acordar e dormir... são plenos da sua presença.
O Poeta vive o mundo imaginário
Onde acordar e dormir são possibilidades.

"Mas quem pode livrar-se por ventura
Dos laços que Amor arma brandamente
Entre as rosas e a neve humana pura,
O ouro e o alabastro transparente?
Quem de uma peregrina formosura,
De um vulto de Medusa propriamente,
Que o coração converte, que tem preso,
Em pedra não, mas em desejo aceso?"

Sim, o desejo aceso.
E quando apenas desejo
Ausente?

"Quem viu um olhar seguro, um gesto brando,
Uma suave e angélica excelência,
Que em si está sempre as almas transformando,
Que tivesse contra ela resistência?"

...

Um amoroso dia na Serra do Calçado
Irradia
Chama
Bem vindos todos os poetas apaixonados
Hoje é dia de vadiagem, de esquecer as pepitas
Hoje é dia dos olhos dela.

675 ditos - 2:30 hs

Noite de achego na Serra do Calçado.
Sincera achegou das beiras águas sem limite.
Spantaneiro achegou em seu pouso de Vila Rica.
Burro Velho apartou de Curral D'El Rey.
As ruas estão vazias.
Os outros tropeiros se achegaram às suas vilas.

Noite de achego sem tempestade.
Momento de silêncio
O destino tem as cartas prontas... vai distribuir...
Pensamento nas cartas... desejos que fremem... sempre queremos às.

670 ditos - 11:45 hs

Aos companheiros,

Conseguimos.
Chegou a carta de alforria e o direito de lavra.
Abracei-a junto ao coração, como se abraça uma carta de achego.
Tomei-a em meus braços como coisa minha.
Sete anos se passaram em busca deste tesouro n'As Minas Gerais.
Olhei-a em minhas mãos como coisa nossa.
Quantas histórias ficaram no caminho?
E os companheiros? Quantos ficaram?
Somos dez, você um.

Hoje quero mandar a todos a parte que lhes cabe, na alegria e emoção sentidas,
ao receber e abrir o envelope que trazia nossa carta de alforria.

Não temos tempo para comemorar.
Nosso destino é além desta clareira.
Temos tudo a repensar:
A parte que nos toca, a carga correta, a provisão justa, o dízimo nesta tropa.

Alegrai-vos,
Somos os escolhidos para conduzir Minas Gerada.
Um abraço
Com amor aos amigos
Todos fraternos, do Poeta.

666 ditos - 14:00 hs

Desordem na copa.

"Alguma coisa tá fora da ordem... mundo de animal"
assobiou o Poeta, enquanto via burro brigando pela sombra.

Deixa os burros quietos! Ordenou o Mineiro.

"Outras palavras... outras palavras"
"Outras palavras... outras palavras"
"Outras palavras... outras palavras"
assobiou o Poeta, enquanto ria dos Tropeiros que se juntaram debaixo do poste.

Nestes dias, as coisas andam quentes na Vila.
Mineiro e Ferreiro, cada um na sua jornada
Não deixam a mesa e a forja o fogo apagado.

Burro Velho deixou carga pela metade, e tá lá no meio da copa.
Trança, deixou carga pela metade, e tá lá no meio da copa.
Sincera deixou carga pela metade, e tá lá no meio da copa.
Spantaneiro, deixou carga pela metade, e tá lá no meio da copa.

O Poeta e o Lima, o poeta de Vila Rica,
Erotizam os versos e apimentam os olhares
Escancaram as portas do bordel
E sob o nariz adunco do dono das damas da noite
Trazem à luz diáfana do poste no beco
Fantasias explícitas.

665 ditos - 8:00 hs

TRANÇA FOI ABDUZIDA!
Ouviu-se um grito na manhã preguiçosa deste dia de todo santo.

Ferreiro martelou na bigorna.
Mineiro foi o primeiro a chegar.
Ouviu sem entender o grito de alarme.

- Que diabo é isso, Ferreiro?
- Procura o Pai dos Burros que ele explica!

Mineiro foi à cata do Professor.

- Professor que diabo é isso que o Ferreiro inventou?
- É apenas um silogismo em que a premissa maior é evidente, mas a menor, e por conseguinte a conclusão, apenas provável. Ele pode estar falando de rapto (por fraude, sedução ou violência) ou usando como metáfora uma expressão militar, Trança foi abduzida, foi deslocada para a retaguarda de uma coluna em marcha.
- Entendi, Ferreiro deslocou a Trança para a retaguarda e colocou Tranqüilo do lado dele. Eh! Ferreiro danado! Tá certo! Concordo com essa mudança na disposição da tropa. Tá certo.

Mineiro saiu murmurando: Tá certo... Tá certo.

656 ditos - 23:00 hs

A carga encomendada pelo Burro Velho chega ao destino.
Os últimos cargueiros deste leva e traz.
Burro Velho chegou às fronteiras do desconhecido.
Em alguns dias estará só. Ele e seu destino. Ele e sua obra.

A tropa vai partir.
As Minas Gerais esperam.

Mineiro toma as providências para manter o companheiro de tantos ditos abastecido todo o inverno.
Chamou Ferreiro e de uma sentada acertaram os procedimentos.
Foram ao rancho de Burro Velho e enquanto Ferreiro ajustava os apetrechos - cabrestos, buçais, cangalhas com retrancas e peitorais, seligotes, bastos, socadinhos, catuchas, lombilhos, pelegos, caronas, albardas, mantas e baixeiros sobrecilhas, sobrecargas, badanas, arrochos, topes de baeta vermelha ou de panos de cores vivas nos fardos, cabeçadas, couros crus dobrados ao meio - Mineiro conclamava um voluntário para cuidar do rancho do Burro Velho, uma base onde no retorno de suas incursões pelas terras virgens, esse veterano explorador encontre apoio para aprofundar suas convicções, para continuar sua obra.

No limiar de século não só se mudam as datas, mudam-se, principalmente, as sociedades.
O trem de ferro vem aí. Tropas e Tropeiros ficarão confinados às fronteiras das terras virgens.
Assim seguirão o seu destino caminhando com os que ficam à beira do caminho.
Sempre existirá esse sentimento de despedida, esse momento da partida. A nostalgia.
Depois, novamente no caminho, vem a alegria das descobertas.

A Tropa vai no rumo da Mata Mineira. Novamente.
Vai até lá, onde as notícias do trem de ferro já chegaram.
Os Tropeiros vão abastecer as cangalhas e rumar prás Gerais.
Antes que o trem chegue e deixe os burros prá trás.

654 ditos - 10:00 hs

Burro Velho foi à Mata!

A notícia cai sobre a vila causando enorme surpresa.

- Burro Velho foi à Mata? Pergunta o Mineiro, desconfiado.
- O Filho do Tropeiro e o Burro Velho, juntos? Desconfia o Poeta.
- Isso prá mim tem novidade. Meleia o Spantaneiro.
- Onde sai fumaça tem fogo. Sela o Ferreiro.
- Será? Ensaia Sincera.
- Shhhh... Silencia Professor.

A roda em fofoca se espalha pela vila.

648 ditos - 18:00 hs

Oh Senhor! Que me trazes as pedras e a lama no caminho... penai por nós.

Poeta olhou divertido o Mineiro se ajoelhar debaixo do pé de goiabas bichadas
e implorar a liberdade.
Ficou assim desde que descobriu que a jornada ao lado velho companheiro,
Burro Velho, está no fim.
Anda inquieto, estropiando os burros mais queridos na pressa da partida
do Burro Velho às terras desconhecidas.
Sabe que não tem mais volta quando se penetra no vale de pernas abertaas.
Hoje, no auge do desespero, naquelas horas em que tudo dá errado,
Cabresto que arrebenta, carga que não para na lombeira,
Burro que se perde do burro da guia, Arrieiro arriado... chegou um mensageiro:
É carta do Professor! (Professor que anda de sumiço na falta do que fazer, escreveu ao Poeta.)
O Poeta correu a carta pela tropa, chegou nas mãos do Mineiro.
Molhou a paisagem o companheiro. É carta de amigo! Setenciou.

Como balcão de bodega é lugar de confidências, vou inconfidenciar um pedacinho:

"O dizer poético é um dizer que abre espaço de silêncio. Para que?
Para que o desejo esquecido não sabido fluir.
A gente não sabe qual é o desejo da gente.
A gente esqueceu; é preciso lembrar, e para lembrar preciso esquecer as coisas lembradas.
É preciso esquecer para lembrar".
Veja você, meu querido Poeta, a que categoria você foi se engajar: a dos poetas.

(Ele vai explicar que a inteligência tem a ver
com o uso que a gente faz com o espaço vazio para as idéias dançarem.)

É preciso ter espaço vazio para as idéias dançarem.
É preciso esvaziar.
Por isso é que é preciso esquecer.
Há uma arte que é baseada no pôr, e há uma arte que é baseada no tirar.
A pintura é baseada no pôr, uma tela branca em que se coloca coisas;
a escultura é baseada no tirar. Ela só vai tirando excesso, esvaziando espaço,
desentulhando coisas, abrindo os caminhos, abrindo os canais, criando espaço.
Para que? Para que a gente recupere a imensa alegria de pensar, a imensa alegria de pensar!".

Toda esta divagação é para homenagear o caro poeta e as efemérides saborosas.
Saborosas de "sapere", saber saboroso..
"Quem faz isso são os poetas,
e quando a gente lê poesia
a gente descobre a suprema sabedoria
que tem a ver com a vida que se resume nessas duas palavras: carpe diem".

647 ditos - 7:30 hs.

Poeta chamou o Mineiro
Foram para as pedras
Lá, bem longe dos ouvidos, sussurrou:

"só o desejo inquieto, que não passa, faz o encanto da coisa desejada..."

Professor e sua carta ainda fluindo pelas almas do povoado.

Mineiro desceu da montanha
Tirou o cerrado do senho
Olhou em volta à procura do seu Arrieiro.

Chamou Spantaneiro.
Chamou Capitão.
Chamou o Ferreiro.
Chamou o Professor.
Chamou Sincera.

- Preciso de um Conselho.
As Minas Gerais nos aguardam.
Vamos preparar nossa partida.
Cinco amanheceres para Minas Gerada.

Voltou os olhos para as montanhas...
lá pros lados de Vila Rica.
Voltou para o alto da colina.

644 ditos - 9:30 hs

Dois amanheceres prás Minas Gerada!
Mineiro distribuiu a lista dos tropeiros convidados à lida com as minas gerais.
Poeta distribuiu cartas de adesão. Uma beleza, quando voltaram preenchidas.

Dois amanheceres.

Ferreiro tá de carvão até as sombrancelhas.
Tranqüilo de tão tranqüilo capotou com a carroça,
Spantaneiro, é que nem água, escapa por qualquer brecha.
Depois aparece onde menos se esperava.
Capitão tá chegando. Desatolou das terras moles do litoral.
Professor tá despachando a correspondência.
Sincera, tá, mas do jeito dela. Pé dentro, pé fora.
Trancado, do mesmo jeito.
Trança, trançando.

Dois amanheceres e essa coisa mal parada.
Conheço o Mineiro há muitos anos.
Quando junta os tropeiros... sempre sombreia o olhar.
São os sinais da estrada brilhando onde antes havia o nada.
Na última hora marcada para fechar a tropa desta empreitada, chegou carta.
Junto uma garrafa de pinga, bem dosada.

Aquele que não tem nome falava de alguns nomes.
Lembrou os Silvérios dos Reis.
É o risco dos que sonham! Lembrou.

Mineiro repassou uma a uma as cartas de adesão.
Procurou o traço de união nos estilos absolutamente díspares.

Vida de Tropeiro é assim mesmo
Não é ficar lustrando o balcão, meu único e fiel amigo.
Tropeiro num güenta ficá muito tempo num lugar só.
É gente solidária. É gente solitária.
Vão junto e é só.
Assim se ajudam.
E ajudam aos que ficam à beira do caminho.

Enquanto caminham pelas trilhas e desvãos
Cada qual com seu passo próprio
Vão tecendo encontros inesquecíveis.

Mineiro guarda a carta de Seu Amigo
Inconfidente de primeira hora
Longe do coração.

Dá ciência aos companheiros
Sem segredos é o compromisso
A palavra é livre entre os Tropeiros.

Dois amanheceres prás Minas Gerada!

Vamos de volta às cargas da jornada do próximo amanhecer.

640 ditos - 8:00 hs

Amanheceu o dia prometido.
Aconteceu a noite prometida.

Spantaneiro aguardou em Vila Rica.
Capitão chegou das terras baixas,
pousou na serra do Calçado, rumou cedo.
Mineiro, Poeta e Sincera, mais tarde.
Professor chegou ao por do sol.
Ferreiro, Tranqüilo levaram um agregado.
Mão Grande pulou a cerca e não foi visto.
Tinteiro chegou, molhou a paisagem e partiu.

Minas foi Gerada.

A Tropa debandou.
Foi um tal de burro solto pelas vielas de Vila Rica
Que quando o dia amanheceu só restaram os veteranos.
Professor se mandou pro Curral D'El Rey.
Os três restantes prás terras baixas.

Ferreiro recolheu a Gerada.
Protegeu de maus olhados.
Sumiu pela estrada afora
Até agora quem viu não viu mais.

Mineiro voltou pela Estrada Real.
Pousou onde nasceu a Conspiração.
Ouviu manifestos Inconfidentes.
Voltou prá Serra do Calçado.

E agora?
Está lançada a sentença.

Poeta, sempre perto, verteu lágrimas
A traição esquartejou as lembranças de liberdade
A praça acolheu o povo em silêncio e renovou os ideais.

Mineiro plantou sementes na Corte Provincial.








637 ditos

Ainda sob os efeitos de Minas Gerada:

A Tropa chegou dividida em lotes.
Primeiro Capitão, e logo Spantaneiro arrumou carga pro lombo dele.
Depois Mineiro e Sincera trazendo na bagagem o Poeta, adormecido.
Spantaneiro martelava o couro esticado tal qual um carpinteiro.

- E o pouso Spantaneiro?
- É prá já... e sumiu pelas vielas.

Professor chegou só. Assim, meio de lado.

- Eh! Olha ele aí! Tá sumido, Professor.
- Correiando. Correiando.
- E as mucamas?
- Correndo. Correndo.

Chega o Ferreiro. Tranqüilo na poeira. Traz consigo um agregado.

- Onde é que é?
- Aqui mesmo, companheiro. Deixa as mulas e sobe a escada.

Ferreiro some escada acima. Tranqüilo na poeira. Agregado vai de lado.

Chega o Poeta Lima. Noite difícil pela frente. Ouvidos moucos o esperam.
Chega o Tinteiro. Noite de glória pela frente. Olhares atentos o esperam.
Chega de volta Spantaneiro. Chama ao canto o Mineiro.

- A Vila tá cheia de visitante esta noite, só agora arrumei pouso prá tropa inteira.
- Ótimo.
- Tem um porém. Cê vai tê qui pô dois tropeiro junto na cama de casado...
- Professor e Capitão já se pegaram por causa do ronco de cada um. Vai sobrar é pru Ferreiro!
- Ferreiro é pequenino... mas olha só o tamanho dos companheiros... Tá ferrado!

Spantaneiro some salão a dentro e recomeça martelar que nem carpinteiro.
Num tem jeito, tenho que avisar o Ferreiro da cama de gato que aqueles dois armaram prá ele.

Eh, parto difícil!
Finalmente tudo começa, Minas Gerada, bebida e comida, muita dança e...
Surge o safado do Tranqüilo de nega assanhada rodeado,
Rodeia todo pavonado e some pelos becos.

Começa a debandada já com o sol despreguiçando.
Ferreiro que de besta num tem nada
Dá uma volta na cama armada
E põe sua tropa na estrada.

O resto desta festa já contei.





635 ditos

Mineiro e Burro Velho, passado a limpo os compromissos
Arrumam os provimentos prá partida próxima.
Na Tropa já não tem sal nas algibeiras e o capim invernado amarelou.
Nem na despedida esses dois acertam o passo.

Depois do parto tudo volta a ser como antes.

Trancado, trancado.
Tranqüilo, tranqüilo.
Ferreiro, ferrando.
Spantaneiro, sumido.
Trança, trançando.
Síncera, dormindo.
Bigorna, alerta.
Professor, viajando.
Capitão, atolado.
Mineiro, tratando.
Poeta, traçando.

630 ditos

Burro Velho partiu.
Mineiro anda de um lado ao outro atrás da papelada da corte.
Poeta recebeu uma carta do Professor e respondeu:

Liberdade, anda que vou atrás!

Prezado professor, poeta e amigo.

O amor é eterno enquanto é terno.
Esta conclusão é simples.
Complexo é o caminho de entendimento.

Ah! A mulher.
Estas poderosas cartas que me escreve estabelecem a minha atenção
O olhar atendo e observo em mim mesmo o torvelinho que elas fazem.
OH! -: e num é que o professor tem razão!

É, meu dedicado professor, o ponto fraco do sexo forte... é o clítoris.
Na ótica do macho, perdição.
Na ótica da fêmea, castração.
Meu sábio irmão, como você mesmo diz, não dá prá sair por ai clitorando o mundo.

As mulheres de nossa geração, pós movimento de "libertação" são ambíguas,
Um pé na estrada e outro na porteira, liberdade anda que vou atrás!
As mulheres da nova geração viram abismadas a porteira se fechar.
E agora José? Quequieufaço? (Estrada aberta pela frente.)
Estão sós num mundo de machos retraídos! Liberdade, ainda aqui sozinha?

Saud'ações em alta.






Enquanto isso, na Vila, chega um estranho cavaleiro.
Mineiro atende.
- Estou procurando o Spantaneiro! Diz com estranha voz.
- Num intendi direito o que ocê disse! ganha tempo o Mineiro.
- O Spantaneiro tá por aí?
- Fala mais alto preuintendê. (É a Bobona! Sussurra o Poeta)
- Tô procurando Spantaneiro! Fala sem jeito a voz grossa que não é mais estranha.
- Ah! Spantaneiro, num é? Aquele safado tá atrás de um rabo de saia por aí.
- Ahhh! E foi-se embora o estranho cavaleiro.

Mineiro olha espantado pro Poeta.
- Poeta ocê intregou o Spantaneiro de bandeja prá Bobona!
- Entreguei na bandeja aquele safado burro escorregadio que deu cano na bodega ontem a noite!

625 ditos

Spantaneiro nem se espantou com a história da bandeja.
Espantado ficou quando o Mineiro confidenciou da arapuca armada prá prendê-lo.

As Minas Gerada tem dado trabalho prá tropa quase inteira.
Mão Grande apareceu de repente saído assim meio branquiçado do alto das montanhas.

Professor voltou dos altos do Mucuri.
Spantaneiro rabeou pelos lados do Curral Del Rey.
Ferreiro tá de fogo aceso, forja plena.
Bigorna ressoa.
Tranqüilo, tá roliço, precisando de lida.
Trança, trançando.
Trancado, trancado, mais trancado que nunca.
Síncera, cincerro solto prá pegar burro fugido.
Capitão, atolado nas terras soltas do litoral.

- Mineiro afia a espada! Sussurra o Poeta.
Fica esperto que vem combate pela frente!
Se no meio tiver paulista, feche a guarda e a retaguarda.

620 ditos

O Poeta acertou.
Mineiro foi cercado na encruzilhada.
A Morte passou perto.

Mineiro segue em frente.











618 ditos

Chegou mensageiro dos Campos Vertentes.
Mineiro ouviu com paciência a mesma mensagem de esperança
A mesma que há alguns ditos também professou aos companheiros.
Haja paciência.

Chamou mensageiro prá Zona da Mata.
Mandou avisar os companheiros de um bom pouso
Um lugarejo onde a gente possa companheirar.

Chamou... Spantaaaaneiro!
Esse não adianta chamar
Baixa as orelhas e põe as viseiras.

Chamou... esse não precisa chamar.
Pensou em chamar, o Ferreiro já estava do lado.
Confidenciou ao amigo, a partida em busca de provisão
- Prepara a carroça pequena, põe dentro As Minas Gerada!
- Pouco fogo, muita brasa, companheiro. Respondeu o Ferreiro.
- Saudade da estrada, meu amigo? Põe Tranqüilo no fole! E num esquece da Trança.
Ahh... e antes de partir, deixo o sal da sua tropa. Modera prá durar os 30 ditos...
quinumsei o que vou encontrar pelo caminho.

Poeta e Professor, correiando.
Sincera e Bigorna, no escambo.
Capitão e Trancado, na mesma.

616 ditos

No chamado pro Conseio, só Bigorna e Ferreiro compareceram.
- É sinal que tem tropeiro que vai ser largado na primeira encruzilhada! Sussurrou o Poeta.

Spantaneiro ouviu o sussurro. Levantou as orelhas e tirou a viseira.
Síncera já foi logo dizendo: Cheguei!
Professor, pegou a mala cheia.

615 ditos

Ferreiro juntou os burros e fechou a porteira.
Chamou Bigorna e Tranqüilo.
Botou lenha no fogo.
De longe se ouvia o azafama na Ferraria.

Mineiro e Sincera voltaram de Vila Rica.
Passaram bons momentos ao lado de Spantaneiro.
Fizeram lista dos pousos de Vila Rica abertos aos viajantes d'As Minas Gerais.
Prosearam, indagaram, conversaram, enfim, os tratos que nos cabem.

Poeta ouviu de longe a zoeira na casa do Ferreiro. Avisou ao Mineiro:
- Acho bom deixar o fogo baixar que o Ferreiro tá azulando aço.
Poeta sabe que Ferreiro, Quando fica assim, vai sair com invento na mão.

Chega a noite, fogo baixo, pouca fumaça. Já não se ouve a Bigorna.
Tranqüilo com cara satisfeita faz de conta que num é com ele.
Quem viu Tranqüilo dá um galope na Capixaba?

Mineiro se achega devagar, meio desconfiado de falta de surpresa.
Poeta já se assanha.

Mal avista, Ferreiro grita:
- Chega não! Espera um pouco que vai ver...
- Volto mais tarde. Dá meia volta o Mineiro.
- E eu? E eu? Deixa eu ver!? Estica o pescoço o Poeta.
Ferreiro fecha a porta.

Mais tarde.

Poeta mal viu... correu prá bodega.
Tem que tomar uma em homenagem aos companheiros da Ferraria.
Mineiro ficou pensando num mundo novo.

Os Tropeiros da Ferraria encontram um jeito da Tropa ir mais longe.

614 ditos

Capitão desatolou a carroça das terras moles do litoral.
Professor avisou que anda nas trilhas das terras do norte.
Trança foi abduzida, novamente.
Trancado colocou cadeado na porteira.
Burro Velho sumiu no vale de pernas abertas, mais ao norte que Professor.

O resto da tropa anda de tarefa até o pescoço nas terras do quadrilátero.


613 ditos - 23:00 hs

Mineiro foi pedir a benção a um velho professor de tropeiros.
Mercador é o nome dele.
Nascido na Mata, vizinho do Espírito Santo.
Mercador é tropeiro que aposentou tropa.

- Mercador, querido mestre de tropeiros, o trem de ferro vem chegando devagarinho.
Vai rasgar a Mata e chegar no Quadrilátero.
Burro Velho partiu e vai seguir caminho novo.
Nossa tropa é de valor, segue as fronteiras.
O trem de ferro espreme a retaguarda. Encurta distância.

- Mineiro, agora quieta e escuta.
Num basta guarnecer a retaguarda. Abriu frente? Tem de cuidar.
Nada deve de faltar.
As Minas Gerais olha o Brasil adentro.
É seu destino.

Mineiro se despede.
Chega na Ferraria de orelha compridada.
Ferreiro olha e não diz nada.
Senta e abre o mapa.
Mineiro enche os copos.

- Vamusaoquifaarta!

Professor mandou mensagem:

Aviso ao Poeta... que amanhã passo
Vou de rumo à Vila Rica
Antes que para o Norte parta.
Muito me apraz que o amigo venha
Companhar uma boa prosa
Companheirar os bons companheiros.

Por tradição nossas saud'ações em alta
E deixa o Mineiro... que sua a tropa.

Poeta já tá de pito e pinga no alforje.


610 ditos

Professor passou ao largo.
Largou o Poeta na espera e Vila Rica na saudade.
Poeta não perdeu viagem.
Chegou em Vila Rica no entardecer.
Spantaneiro levou o Poeta ao encontro de um artista.
Homem avantajado, escultor de grandes marcas.
Recebeu aqueles dois com uma garrafa de licor de pequi.
O resto da história num sei contar.
Duas garrafas depois e o resultado foi um porre homérico.
Dizem que foram vistos trocando as pernas nos becos e ruelas.
Do Escultor ninguém sabe dizer e de como os dois chegaram, presume-se que:
Poeta voltou para a Serra do Calçado nas asas de Ícaro
- dizem, também, que foi visto dormindo na praça da cadeia -
Spantaneiro, com certeza, ficou em Vila Rica desmaiado nos braços da Bobona.

Ferreiro colocou peão de guarda na porta da Ferraria.
Foi assim: Mineiro bateu a sineta... Tá ocupado, vorta mais tarde! Gritou do outro lado.
Mineiro voltou... Tá ocupado, vorta mais tarde! Gritou o outro.
Teimoso voltou de novo... Tá ocupado, vorta mais tarde! Tornou a gritar o peão.
- Eh Ferreiro! Gritou de volta. Deu meia volta... Ferreiro e suas modas.

Tranqüilo, Bigorna e Professor, cada um prum lado.
Trança, Trancado e Capitão, cada um prouto lado.
Burro Velho tá no caminho prás montanhas de Minas Gerais.

Por aqui tem muito sabiá apaixonado, angá e aroeira e mixirica de florada nova.
O dia se arrasta quente, o ar secado, mas a natureza já avisa da primavera.

607 ditos - 12:00 hs

Bigorna e Tranqüilo chegaram juntos de volta ao lugarejo.
Trança chegou ventando e passou direto.
Professor, Capitão e Trancado, continuam proutros lados.
Ferreiro, Mineiro e Poeta tiraram o peão da porta da Ferraria.
Sincera sobe e desce a serra atrás de suas crias.
Spantaneiro sobe e desce as vielas de Vila Rica atrás dos pousadeiros.
Tá chegando de volta o Burro Velho, mais sabido do que nunca.
E o alvará das Minas continua preso nas gavetas dos burrocratas.

604 ditos

Lá se foi uma semana inteira.
Lá se foi o mês inteiro.
Vem aí a Primavera (na Serra do Calçado já chegou).

Vem ai o Burro Velho.
Vai voltar estrangeirado?
Vai voltar mais sabido!

Poeta mandou mensagem ao Professor:

Aviso ao Professor... que
Vou de rumo à Vila Rica
Muito me apraz que o amigo venha
Companhar uma boa prosa
Companheirar os bons companheiros.

Por tradição nossas saud'ações em alta

Trança passou ventando, atrasada um dia que anda.
Mineiro chamou Ferreiro e Spantaneiro, abriu o mapa.
Sincera continua atrás de suas crias.
Tranqüilo na poeira.
Bigorna na cocheira.
Trancado, trancado.
Capitão, suando na reforma da carroça antiga.

O destino desta tropa é o futuro século que se aproxima.
- corre gente que atrás vem o trem de ferro!
Prá onde vamos sabemos;
O que vamos encontrar fazemos;
As nossas necessidades definimos;
E... sina de quem desbrava, esse olhar impaciente com quem fica atrás.
Essa espera permanente de quem caminha à frente dos sem tempo.

600 ditos, 21:15 hs.
Mineiro passou o dia recebendo os mensageiros. Poeta ao lado.
Primeiro chegou o do Mercador.
- Lembranças ao Mestre! Recomendou.
Depois chegou o do Zé, veio de longe, lá das terras bem ao norte
De onde hoje, também chegou o Burro Velho,
que ainda não deu as caras.
- Lembranças ao Estranja! Recomendou.

Antes despachou Sincera ao litoral com missão que só ela pode realizar.
Anteontem recebeu Ferreiro e Bigorna.
Coisa rara esses dois fora da Ferraria!
Ontem Ferreiro mostrou a surpresa que guardava com desvelo... esmerou-se.

Tranqüilo, na mesma.
Trancado, na mesma.
Professor, na mesma.
Spantaneiro, na mesma.
Capitão, na mesma.
Trança, vai perder outra viagem.

599 ditos, 14:20 hs

- Burro Velho rauareiuuuu!
- Tudo bem e com você?
- Tudo ótimo.

Burro Velho voltou.
Pouca prosa sastifeita, pediu mapa antigo.
- Precisamos ver o mapa novo! Recomendou o Mineiro.
- Dá prá embrulhar o mapa velho prá presente?
- Ferreiro vai colocar num tubo a prova d'água... Manhã te entrego.
- Intão inté.
- Inté.

Mineiro bateu às portas da Ferraria.
Cadê ôcê Ferreiro! Burro Velho voltou e já tá de encomenda pros paulistas!

14:30 hs

Bléin! Bléin! Bateu na bigorna o Ferreiro.

- Eh Mineiro que Qui há?
- Eh Ferreiro, arruma o tubo pro Burro Velho levar o mapa antigo.
- Qual a espessura, a largura, o comprimento, a finalidade e o destino?
- Quarquerumquinumentreágua! Volto no entardecer prá pegar...
- Inté+
- Intão inté.


586 ditos, 22:00 hs

Mineiro partiu prá Vila Rica de Ouro Preto.

Partiu decidido. Juntou a tralha.
Chamou Spantaneiro.
Despediu-se do Ferreiro.
Abraçou Sincera e suas crias.
Isso foi há três ditos atrás.
Hoje, trabalho feito. Justo, direito.

- Tá feito. Alguma dúvida? Pergunta o autor.

Sim, muitas dúvidas. Sem dívidas.
Certos... os encontros certos.
Bateram de porta em porta.
Aberta emoção. Poucas portas com trancas.
Todas as portas mineiras.

Certos encontros, evoluções certas.

A corte, agora, tão corte!




- Intão conta! Pede curioso o Spantaneiro.

Foi assim:
El Foi se tocava a guitarra catalã
El Tom, que nem sabiá apaixonado, soltou a passarinhada da garganta.
Esses dois, Qui são um, apesar de separado, deitaram corda.
Os dedos bronzearam de tanto aliso.
Bar Acuda, emborcado contumaz
Concurdeia e acha a escada. Senta.
Assunta, medeia pinga e fumo.

Nesta noite Spantaneiro babeia Bobona que chegou meio encharcada.

Poeta escapa prás vielas com Varetas.
Chegam juntos a bodega.
Logo chega a bela índia e suas mizangas coloridas.
- Vai uma aliança de prata bordada, gentil senhor? Regaceia.
- Vai não benzinho!
(Poeta abraça Varetas em medeios) ainda não sabemos se vamu juntar trapo!
- Vai um brinco prá mamãe? Trapaceia pro lado de Varetas a bela índia.
- Vai não. Ele odeia a mãe. Tá querendo matá a velha! (Responde o Poeta afirmativo.)
- Que tal uma braçadeira, belo garanhão? Sensualiza a bela índia ao Varetas.
- Ih! Meu bem. Ele se odeia. Tô a noite toda dissuadindo o suicídio! Replica o Poeta.

A bela índia vai embora sem saber se foi verdade tudo aquilo que atordeia!

Varetas esborracha a gargalhada.
Enquanto isso El Foi se esmerava e El Tom desapaixonava.
Foi quando entrou, já na madrugada, na bodega onde tocavam, a Horda Barroca.
Despejaram suas gordas bundas nas cadeiras.
Todo gordo é sociável, afinal ocupa mais espaço que necessário.
Espaçosos por necessidade negociam todo o espaço por simpatia.

- Ei Mineiro! Chamou o funcionário de gabinete por trás de seus três digitos de protuberâncias. Lembra de mim?

Mineiro meio a contragosto aceitou o conhecimento antigo.
A concubina do Barão Topete se assanhou pro lado do Bar Acuda.
Barão se excitou! Vai mandar torpedo nesta noite.
Saí de lado que o leão vai dar o seu miado!

Na ponta da mesa, sem companhia feminina, sentou-se o Intendente.
Os babacorte vieram prá esbórnia tão contentes!

A mulher do contrabandista, loira de erva-doce, bamboleia o cachaço pro quintal.
15 arrobas de pura banha se esfregam debaixo da bananeira.
Logo atrás vem o traficante e sua loira indecente.
Logo some com sua banana quente.
- Salvaram a minha noite! Exclama o bodegueiro com a gorda conta.

Lá vai a Horda Barroca rumo as camas de um hospedeiro ausente.

Manhã crescida encontra a tropa adormecida no pouso do Spantaneiro.
El Foi se aquietou. El Tom se acomodou. Varetas se recolheu.
Spantaneiro e Mineiro voltaram a lida com os hospedeiros de Vila Rica.



583 ditos, 23:00 hs

Tempo nublado na Serra do Calçado.
Mineiro voltou de Vila Rica de Ouro Preto.
Recebeu mensageiro da Corte.
Más notícias.
Os burrocratas confiscaram a carta de lavra d'As Minas Gerais.
Lá vem briga!
O Mineiro inconformado já mandou chamar o advogado.

Professor trancou a porteira.
Burro Velho pulou a cerca.
Sincera, Bigorna, Trança, Trancado, Tranqüilo e Capitão, moitados.
Ferreiro, Spantaneiro e Poeta são os únicos que dão as caras na Vila.

Vem aí o tempo das águas.
Estrada ruim e pouca carga.

582 ditos, 23:10 hs

Merda! Gritou o Poeta no alto da pedra.

Ferreiro foi chamado às pressas:
- A carga da carroça do Burro Velho vai quebrar o eixo!
- Vamulávêquihouve...
- A tropa do Burro Velho pisou nas botas. Respondeu o Mineiro.

Ferreiro suou a orelha.
Usou o brontofone prá acertar o peso.
Calibrou os apertos.
Inda deixou um tiquinho de trabalho prá depois.

- A obra está pronta. Alguma dúvida? Falou o autor.

Nenhuma dúvida. Alguma dívida.

Poeta esperou os dois se afastarem.
Subiu na carroça do Burro Velho às escondidas.
Tirou um pacote mal feito. Botou um pacote bem feito.
Deixou um bilhete pro Ferreiro:

- Inda deixei um tiquinho de trabalho prôce...















581 ditos, 17:30 hs

Merda! Gritou o Mineiro do alto da pedra.

- Diacho de caminho traiçoeiro, sô!
- O caminho traiçoeiro é uma impossibilidade, meu caro Mineiro.

Poeta sentou na sombra do ingazeiro... e contou:

O caminho é só o caminho, não tem adjetivos nem advogados.
É a Vida.
A gente tem dúvidas porque caminha em duas pernas.
Veja os Burros! Caminham conformados porque caminham aos pares, de pernas.
Em quatro é mais fácil o bom senso. O consenso. Quando desacorda, empaca.
E a gente? Vivemos no mundo do ou é, ou num é! Das escolhas.
Quando uma perna substantiva... a outra adjetiva.
Quando empata, acorda. Quando empaca, desperta.
Quando desespera - cada uma vai fora do seu tempo - é melhor quietar o facho.
Senta e espera.

580 ditos, 11:15 hs

Professor abriu a porteira
Chegou a porta da bodega e chamou o Poeta
Passou pelo pouso da Serra do Calçado e arrebanhou o Mineiro
Partiu acompanhado ao encontro do pouso do Spantaneiro.
Ferreiro, mal avistou os Tropeiros a caminho de Vila Rica
Abriu a porta da Ferraria e suspirou aliviado.
Vai botar em dia tarefas acumuladas.
Burro Velho desde que pulou a cerca
anda arredio lá pros lados do Curral Del Rey.

Spantaneiro recebeu os companheiros da forma costumeira.
Um longo abraço nas águas azuladas de seu olhar.
Renovou o convite-invocação:
Quer Professor caminhando ao seu lado nos becos e vielas de Vila Rica.
Professor é que nem peixe dentro d'água, escorrega de qualquer aperto.

O Poeta Lima, tão logo soube da chegada dos companheiros
Se juntou a eles provido dos versos com que labuta seu cotidiano solitário.
Perspicaz, a medida que os copos se esvaziam, sentencia e pontua:
- Eh Mineiro! Toma cuidado com os rumos d'As Minas Gerais.
Fazer com prazer num pode se confundir com prazer só de fazer.
Há que se buscar os provimentos necessários a toda uma tropa que trabalha
e isto nem sempre é feito de prazer, necessariamente é trabalho duro e árduo,
principalmente se tratando destas terras incultas de Minas Gerais.

Estonteado pela pinga e pelas verdades o Mineiro se embaralhou em cabrestos
Enrolou-se em cordas e cangalhas, tropeçou nas próprias pernas
E caiu numa tristeza profunda de onde só saiu pelas mãos amigas dos companheiros.
Voltou prá Serra do Calçado aliviado das cargas inúteis
Determinado ao trabalho árduo que As Minas Gerais necessita.



575 ditos, 11:05hs

Bigorna picou a mula.
Foi renovar os burros de sua tropa lá nos currais paulistas.

Ferreiro sossegou.
Tem três dias que não forja o ferro.

Professor escapuliu lá prás terras do norte.
Será que foi atrás da neta do velho fazendeiro de cachaça?

Mineiro foi cutucar os maribondos da corte.
Poeta atiçando abelhas com mel de flor aroeira.

Spantaneiro de pouso aberto...

572 ditos 18:30 hs

Bigorna voltou.
Ferreiro forjou.

Nem bem esquentou lugar
Bigorna retornou prás terras paulistas,
vai completar a renovação dos burros.
Ferreiro apagou o fogo.
Foi pescar no beira-rio.

Spantaneiro tá de arrumação no pouso.
Professor sumido desde que foi pru norte.
O restante espalhado por ai.

Mineiro resolveu limpar a casa.
Tá voando verbo pelas portas e janelas.
Poeta chutou o balde e foi buscar refúgio na bodega.

567 ditos, 18:30 hs

Muitos verbos voaram nestes ditos.

Spantaneiro recebeu o Mineiro no pouso de Vila Rica.
Juntos foram ao Liceu. (Liceu é um letrado, erudito habitante)

- Prezado Liceu, temos boa tropa, bons arrieiros, ótimos tropeiros...
- Acabei de contratar dos gringos, paguei um bom dinheiro!

Mineiro olhou no fundo daqueles olhos lentos, levantou-se, tomou café e saiu.
Pitou o último, voltou. Liceu confessava ao Spantaneiro:

- Na verdade acho a idéia de vocês muito revolucionária, meio anarquista, não é não?
- Prezado Liceu, vem aí o trem de ferro nos empurrando prá fronteira, As Minas Gerais não espera!
- Muita liberdade, Mineiro! Isso me assusta.
- Prezado Liceu, os navegantes trazem notícias da liberdade chegando lá na Vila do Conhecimento.
- Vou pensar um pouco mais, consultar meus companheiros.
- Prezado Liceu... antes que seja tarde, inté mais ver.


560 ditos, 13:00 hs

- Prezado Liceu, muito obrigado pela parte que me toca.
- Olha Mineiro, sou felicidades, da parte que me toca.
- Intão inté mais.

Havia terminado um encontro que selava um comprometimento. República.

- Aí Meu Deus! Segura minha mão que aqueles dois soltaram os burros nas ladeiras e nos becos!
(gritou o Poeta se refugiando na bodega)

Mais tarde... a tropa se reuniu distante de Vila Rica.
Os burros liberados de arreios, cangalhas e demais apetrechos
Deixaram Vila Rica de Ouro Preto e se juntaram em Lavras Novas.
Pasto verde e gente parda.
Viola, cerveja quente e sem cachaça.

Spantaneiro, El Foi, El Tom, Mineiro
Síncera e sua bela cria de sabedoria índia
Pousaram.

O tempo amainou, as águas no céu ficaram.
Spantaneiro conversou com o Jumento local.
Conseiô do tempo.

- As águas contidas vão cair depois do doze.

- Aí Meu Deus! Solta minha mão que vou espreitar por frestas de portas e janelas.
(sussurrou o Poeta prevendo o tempo que virá)

555 ditos, 17:00 hs

Tempo de águas.
Os tropeiros buscam o pouso em Vila Rica.

Poeta e Spantaneiro, juntos.
Professor e Pastor (veio com o Professor este novo companheiro) arrancharam noutro pouso.
Mineiro e Sincera no vai e vem do sobe desce serra.

Reuniram-se numa adega de Vila Rica.
Chegou o Poeta Lima e arranjou de lixar o couro do Spantaneiro em público.
Professor a ele se aliou.
Os demais se rebelaram em defesa do Spantaneiro.
Voou verborréia na cevada fermentada.

Mercador avisou que já voltou à Corte depois de uma temporada em Veneza.
Burro Velho marcou data prás últimas providências antes das águas mais pesadas.
É a época de apertar as porcas e parafusos para enfrentar os caminhos indecisos.
(Poeta já avisou que caminho não tem adjetivos nem advogados...)

Ferreiro tem mantido o fogo aceso, a forja do ferro e a Bigorna cantante.
E tome de sair fechaduras, chaves e ferraduras ainda vermelhas e fumegantes.




550 ditos, 16:20 hs

"Tropeiro-Mór ,
Este seu companheiro de mão cheia de dedos e cordas atadas se encontra numa folia em outros arraiais . Saudade da terrinha ! O fato é que cheguei numa noite , onde pensei sanfona e cantoria e acabei entre pandeiros e cuícas . Afinal de contas , devo negar minha mineiriana cantoria pra sair tocando choro e sambinha ? Mande correndo um toucinho e uma corda com burro amarrado na ponta.
Pra você "Elvira escuta". Inté , Mão Grande !"

Mal chegou o mensageiro
Mineiro mandou avisar o Ferreiro e o Spantaneiro.
Mão Grande perdeu o burro.

- Eh gente, tem tropeiro em apuros! Quem sabe onde ele se meteu?

Mais um prá resgatar, perdido nas Gerais.
Professor, com a ajuda do Pastor, já está acomodado em Vila Rica.
O Poeta Lima está com a proteção dos dois.

- Vai dar trabalho juntar este povo! Sussurrou o Poeta.
- Amanhã vou pedir provisão ao Burro Velho, pelo menos para o período das águas. Depois vamos receber aqueles dois, Seufrei e Patativa, querendo fazer dupla com o Tinteiro. Respondeu o Mineiro.
- Tô preocupado é com o Ferreiro, se faltar carvão o fogo esfria. Interpôs o Spantaneiro.

Mineiro subiu o morro, foi olhar no horizonte
As nuvens, o vento e o vestígio de poeira.

545 ditos, 13:00 hs

O vento veio de sudoeste
Levantou poeira falsa
Encobriu a tempestade
E as águas apagaram a esperança.

Burro Velho partiu sem chegar
Patativa chegou mais uma boca
Seufrei fechou o oratório
Spantaneiro lixou o Poeta Lima
Professor subiu a ladeira São José
Ferreiro e Bigorna queimam as cadeiras
Sincera hiberna na Serra do Calçado
Tranqüilo, tranqüilo
Trancado, trancado
Trança, trançando
Mão Grande, achado
Capitão e Estrela, na areia.

Mineiro desceu a ladeira
Trouxe no olhar a bruma, úmida
Fechou-se em copas.

Poeta, cansado das faltas
Foi poetar o Tinteiro.



542 ditos, 13:00 hs

Poeta tintou o Tinteiro.
Tinteiro respondeu:

"E eis a vitória dos encantos descerrados

Assim como deve,
Nos desvãos.
Entre alegrias e tristezas inerentes à vida,
Há e haverão
Sempre essas campanhas dolentes do fundo,
Quando crença ainda houver e os cânticos assinalarão
Que os ventos aí estão:
Claros, presentes, diuturnos,
Possuídos da força que ainda nos possa restar.

Assim, nos amanhãs,
Entre auroras translúcidas de esperanças, aí estaremos.
Unos.
Nas mãos e afetos das sempre idéias.
Em nos lançarmos diante dos homens.
E dos companheiros.

E que as luzes desses céus nos saibam abençoar nas aleluias."


535 ditos

Vila Rica vestiu-se de branco.
Palidejou o preto
Dissolveu o ouro

Inconfidentes, os tropeiros saíram às ruas
Saídos dos becos surgiram os poetas
Emergiram boêmios das bodegas
As ruas encheram-se de gente.

Portas e janelas dissolvidas nas paredes
Pedras e calçadas brilharam na luz sem tensão
As torres das igrejas fundidas no céu desabado
Foi o sol que desceu! Ouviu-se no meio da multidão.

Chegaram os Mensageiros das Portas Abertas.

- Isso é coisa do Tinteiro! Sussurrou o Poeta ao Mineiro.
- Como assim?
- Surrupiou as cores do céu!








530 ditos, 16:00 hs

As águas desceram com peso
Limparam o céu
Deixaram os campos mais verdes.

Enquanto isso...

Professor, Pastor, Spantaneiro e o Poeta Lima
Beberam toda a pinga da bodega das novas lavras.
Lixaram-se para o tempo avesso.

- É tempo das águas... beberemos todas. Afirmaram.

Talvez esse clima favoreça... sem cargas, sem estradas e desafios
A tropa se amofina e os tropeiros se afogam na cachaça.
A comida escasseia e o desânimo com o destino se abateu sobre todos.
Os únicos que não se entregam a tal desatino
São o Ferreiro, a Bigorna e o Mineiro.

Será o reflexo da chegada do trem de ferro?
Como sobreviver em tempos tão difíceis?
Portas que não se abrem, janelas que se fecham.

Vamos abandonar o pouso da Serra do Calçado.
Juntar forças em Vila Rica antes de romper para o cerrado.

529 ditos, 18:00 hs

O sabiá apaixonado canta no alto do jacarandá mimoso
Um canto que entristece a tarde com a sua solidão.
Tarde fria neste ano de primavera sem o céu luminoso
E o azul fremente de tesão.

Onde estão os inconfidentes?
Nos campos verdes e montanhas deprimentes.
Em cruz ilhada por torres barrocadas.
No coração das minas geradas.

Sempre assim.
A derrocada precede.
Sempre assim.
Procede.

No entanto, desta vez
A lição dura, perfura.
Perdura e não traduz.
Perfaz a vida dura.

Tempo bom!
Dizem aqueles que cultivam a terra fofa.
Tempo ruim!
Dizem aqueles que na terra afundam.



523 ditos, 10:30 hs

A tropa reunida em Vila Rica
Mapeou
Inconfidenciou
O roteiro dos passos.

Juntaram-se nos pousos e bodegas
Pastor e Mucama.
Sincera e suas crias.
Spantaneiro e Baronesa.
Professor e Poeta Lima.
Poeta e Mineiro.
Tinteiro.

Spantaneiro trama aproximar a Corte e o Professor.
Movido pela seta de Cupido
Aponta a pena
Tinta o guardanapo com pontos inconclusos
Usa as mãos da Duquesa
Prá armar a arapuca.

Mineiro armou com o Tinteiro
Páginas e páginas
Cobertas de densas tintas.
Trouxe consigo o enviado do Seufrei

Manifesto de Poetas
Com o Poeta Lima.

Traçou com o Pastor
O roteiro das providências.

514 ditos, 12:30 hs

A tropa mobilizada se esfalfa nas trilhas.
Estamos a poucos dias de uma nova entrada em Vila Rica.
Carregamos tintas multicores em muitas telas
Tintas pretas em palavras presas no papel
Violas e tambores
Autores de muita lavra.

Veteranos tropeiros e alguns jovens
Multiplicam a tarefa de guiar
Tem burro solto
Tropeiro disperso
Desvios nos desvãos
Mas a tropa segue seu destino.

Ferreiro, segura o fogo aceso o quanto pode.
Tinteiro, segura a chama e o que não pode.
Spantaneiro, de orelhas caídas em meio a tanta carga.
Professor, ronca.
Pastor, rodeia.
Sincera, tonteia.
Mão Grande sumiu no último desvão.
Capitão segura a retaguarda
Poeta Lima lixando a cana brava.

Os agregados nesta viagem
Andam espalhados pelos lados.
El Tom, Palhetas, El Foi e Toindo pela direita.
Seufrei, Fidélis e Patativa pela esquerda.
Acompanhando a tropa à distância vêm... bom,
Deixa os cara...

Poeta e Mineiro andam ao largo do tropeio.

- É muita gente, companheiro! Sussurra o Poeta.
- Foi a necessidade que os trouxe, meu irmão. Quando chegarmos a Vila Rica, entregue a carga e dispersa a tropa, vamos cuidar do nosso sítio que anda meio abandonado, sentar praça na Vila e evitar as estradas tortuosas e os desvios, cuidar bem das Minas Gerada e aguardar as águas pesadas passarem.
- É o trem que vem chegando, apressa o passo e o caminho.

Surge bem ao longe o Pico do Itacolomy.


512 ditos, 10:00 hs

- Olha os burros se espalhando Spantaneiro! Gritou o Mineiro.

Tem burro destrambelhado correndo a pasto solto
Tropeiro sem cavalo
A égua madrinha corcoveia
Os agregados assustados se protegem sob árvores e pedras

Poeta e Mineiro procuram a companhia do Ferreiro.

- Eh Ferreiro, assim num dá! Quando chegarmos em Vila Rica vou dar uma espanada nesta tropa.
- É Ferreiro, é o trem que vem chegando. Completou o Poeta.

As Minas Gerada continua sua jornada.
Esta vida de desbravar caminhos nunca acaba
Que venha o trem
A gente recomeça de onde ele acaba.

Todo fim de ano é assim
Vem as águas
A tropa escorrega pela estrada
O Mineiro promete a espanada.

- Olha os burros se espalhando Spantaneiro!
- Vamos lá companheiros, juntar os burros e seguir em frente! Diz o Poeta.








500 ditos, 21:15 hs

Mataram o Poeta!
Mineiro sentiu a ponta da adaga em seu peito.
Mataram o Poeta, sentiu.

...

A tropa chegou em Vila Rica
Largaram os burros e correram prás bodegas.
Solidários, Capitão, Poeta Lima e Mão Grande ficaram com o Mineiro.
Poeta estranhamente nervoso
Entrou na Casa da Ópera e lá se aquietou.

A carga largada pela tropa desunida coube aos quatro entregar.
Carregaram tintas multicores em muitas telas
Tintas pretas em palavras presas no papel
Violas e tambores
Autores de muita lavra.

Chegou um mensageiro encapuzado
Entregou ao Mineiro uma mensagem
Partiu célere no escuro do beco.

Assim dizia a mensagem...

"Não se pode sonhar impunemente
um grande sonho pelo mundo afora
porque o veneno humano não demora
em corrompê-lo na íntima semente...

Olhando no alto a árvore excelente,
Que os frutos de ouro esplêndidos
O Sonhador não vê, e até ignora
A cilada rasteira da serpente.

Queres sonhar? Defende-te em segredo
E lembra, a cada instante e a cada dia
O que sempre acontece e aconteceu:

Prometeu e o abutre no rochedo,
O calvário do Filho de Maria
E a cicuta que Sócrates bebeu!

Um... Seu Amigo.

Os quatro companheiros compreenderam o significado das palavras
Correram para a Casa da Ópera
Ainda a tempo de ouvir o último verso do Poeta:

"somos dez...você um... falta um
disseram-me os dedos das mãos..."

no fundo do palco jazia o Poeta em sua última inspiração.

As lágrimas brilharam como estrelas no fundo escuro do palco.
Um Tropeiro nunca chora.
Ainda havia carga no lombo dos burros da tropa recém-chegada.

Poeta Lima, magnífico, deu conta de sua carga.
Elegante mostrou a face enquanto distribuía
Tintas pretas em palavras presas no papel.

Mão Grande agigantou-se
Magnífico, mostrou a face enquanto distribuía
Violas e autores de muita lavra.

Mineiro e Capitão carregaram tintas multicores em muitas telas.

Carga entregue, o Mineiro desatou.
Verteu as lágrimas contidas
Limpou os olhos e então viu:
O Tempo dos Tropeiros acabado.

Saiu pelos becos e vielas até encontrar uma hospedaria antiga.
Pousou.
Sincera e Gravata, amigos de primeira hora, chegaram logo atrás.

- A tropa vai se reunir para beber o Poeta morto, vem com a gente.
- Desta vez não beberei meus mortos.

Quando o dia amanheceu encontrou o Mineiro amanhecido.
Tomou um longo banho aquecido, verteu as últimas lágrimas
E desceu decidido as escadas tortas.
Na beira do fogão tomou o primeiro café
Logo chegaram Capitão e Mão Grande
E em silêncio também encheram suas canecas.

- "é o trem que vem chegando". Ouviu o Mineiro o sussurro do Poeta.

Sorriu novamente o Mineiro e sentenciou aos companheiros:

- Acabou a Tropa, meus amigos.
Ouçam... é o apito do trem que vem chegando.
Quem vem... Quem vem... Quem vem?


Certos encontros
Exercem em nós
Revoluções certas
Aberta emoção
Porta sem tranca. (AD)


Aqui se encerra
O Poeta e os Tropeiros
O Diário de um Burro Mineiro.